Em sua 16ª doação de sangue, cão é exemplo de solidariedade animal

Especialista comenta da escassez do material pela grande demanda e da necessidade de mais doadores para balancear a oferta

Postado em: 11-05-2024 às 08h00
Por: João Victor Reynol de Andrade
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Médica veterinária Daiane Galiano ao lado do cão thor que realizou a 16º doação de sangue | Foto: Leandro Braz/O Hoje

Thor entra com grande animação na clínica veterinária Dermopet acompanhado de seu fiel ursinho de pelúcia em sua boca. O golden retriever de cinco anos de médio porte, com pelo escovado, rabo abanando, e ironicamente, com um pingentes do Capitão América na sua cabeça, está pronto para o que der e vier. Isso porque vai pela 16º vez para um procedimento que muitos humanos ainda têm medo, a da agulha da doação de sangue. O processo é similar aos casos humanos, ainda tem pouca oferta para suprir a procura.

Óbvio que o cão não entende o que é esta operação e muito menos que foi para a unidade de saúde animal para doar sangue por conta própria. Todo este processo de encaminhamento e agendamento das 16 idas à clínica são de autoria da tutora de Thor, a Elissandra, que fazia questão de levar o bicho a cada três meses pelos últimos quatro anos. De acordo com ela, o animal já estava acostumado com a rotina fora de casa pelo tempo que passa em creches caninas. “O Thor é diferente dos outros goldens, é calmo e gosta de sair de casa”, diz a mulher. 

Apesar da atitude honrosa de Elissandra, isso ainda não é comum entre os donos de pets em Goiânia. De acordo com a médica veterinária e coordenadora do banco de sangue animal, Daiane Galeano em entrevista para o jornal O HOJE, existe uma grande demanda hospitalar para o sangue animal que não consegue ser sustentada pela atual oferta. Segundo ela, animais que fazem a doação de sangue já saem com o produto reservado pela instituição, contudo, ainda restam muitos outros bichos que aguardam o insumo nas veterinárias de Goiás. 

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“Hoje mesmo eu consegui colher três bolsas de sangue. Na sequência dois tutores informaram que queriam o insumo e o terceiro já deixei reservado para um paciente com caso grave de anemia. É muito difícil eu conseguir um estoque”. E explica que consegue colher 70 a 80 bolsas do material em um mês “bom”, mas ainda assim fala que não é o bastante para suprir a grande procura.

Além disso, outra preocupação que a veterinária tem com a quantidade de suprimentos disponíveis é com o tempo em si. Muitos dos animais que doam sangue periodicamente, como Thor, estão envelhecendo e não há tantos novos animais para assumir os mais velhos.

Similar aos humanos, o sangue doado é comumente usado em pacientes anêmicos, ou seja, a falta de sangue.“No nosso laboratório conseguimos dividir a estrutura do sangue para que o paciente receba o que precisa. Tem paciente que só recebe hemácia, outros plasmas, e ainda plaquetas”, explica a veterinária.

Recém moradora em Goiás, transplantada a pouco mais de dois anos de São Paulo, diz que Goiás ainda possui uma grande procura pela parte vermelha do sangue como as hemácias pela vasta abrangência da doença do carrapato, se comparado com o estado de origem dela. Transmitida pela mordida do carrapato-estrela, ou micuim, é o principal vetor do parasita Amblyomma que passa para dentro da circulação sanguínea do animal e ataca as células do sangue canino, levando a um estado anêmico. “Aqui em Goiás a doença do carrapato é o que a gente mais ajuda com o sangue doando”.

Por causa dessa elevação na necessidade, bem como o alto valor da bolsa de sangue, em torno de R$ 500, faz uma troca no valor da bolsa com a injeção das vacinas e exames médicos feitos para doação do material. Em cachorros, é feito um check up médico completo do paciente bem como a aplicação da injeção da vacina V8 e da Raiva, em gatos, também é feito os exames com a aplicação da vacina V5 e Raiva. 

Apesar desta troca justa, Daiane diz que ainda tem muita resistência de tutores de pets em levar os animais para o serviço. De acordo com ela, muitos tutores ainda têm medo das agulhas grandes e de possíveis acidentes que nunca se concretizaram na clínica. Essa resistência, porventura, causa uma discrepância ainda maior na oferta e na procura do suprimento. “Quando o tutor vê a nossa equipe retirando o sangue pela garganta, ela pode ficar com medo de acontecer alguma coisa. Mas tem que entender que ele não sofre com isso”.

Saiba o que é necessário para pet ser doador de sangue

Daiane conta que este medo ainda é muito baseado no desconhecimento e mitos do processo médico vindos de associações errôneas entre a anatomia humana com a dos animais. De acordo com ela, cães e gatos não sofrem com a redução na pressão que ocorre em humanos após a retirada do sangue. O motivo disso é por serem quadrúpedes, portanto, não há diferença entre a pressão causada pela alteração na altura das regiões corporais. “Já vi um cachorro pular na piscina logo depois de retirar o sangue dele para fazer a doação”, conta a médica.

Sobre isso, o procedimento é totalmente seguro e feito por uma equipe médica especializada que sabe como manusear os animais. Ambos possuem suas diferenças que também levam em métodos diferentes na retirada. Como exemplo, cães são mais fáceis de manusear do que gatos. Por causa disso, o recolhimento do sangue canino pode levar pouco menos que 15 minutos, por outro lado, o recolhimento dos gatos pode levar em torno de 2 horas para que o animal se acostume com o ambiente.

Para os pré-requisitos necessários, diz que cães precisam de ter no mínimo 25 quilos e entre um a oito anos de idade, se o animal for uma fêmea não pode estar acasalada, recém parida e nem no cio. Já os gatos têm de ter mais de quatro quilos e também entre a mesma faixa de idade. Nenhum dos animais pode ter recebido uma transfusão e tem de estar com a saúde plena. Além disso, para gatos, não podem ser vetores de doenças como FIV e FeLV.

Por fim, Daiane diz que a mentalidade que o tutor tem de ter perante a doação é a mesma perante uma doação de sangue humana, mesmo não conhecendo o receptor do material. Também tem de entender que está ajudando não somente um animal alheio, mas também uma pessoa com quem ama este ser vivo. “As pessoas têm que entender que o pet não vai sofrer com o procedimento. Muito pelo contrário, essa operação pode diminuir o sofrimento de um outro animal de uma pessoa que está numa situação pior”.

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