Abuso de Zolpidem: pacientes chegam a ingerir 40 comprimidos por dia e Anvisa intervém

Cerca de 20 milhões de caixas desse remédio são comercializadas por ano, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

Postado em: 17-05-2024 às 08h00
Por: Ronilma Pinheiro
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O zolpidem é um tipo de medicamento indicado apenas no tratamento da insônia de curta duração | Foto: Leandro Braz/O HOJE

O zolpidem é um medicamento usado no tratamento da insônia de curta duração, ou seja, quando a pessoa tem dificuldades em adormecer ou manter o sono. No entanto, o uso prolongado ou desenfreado desse remédio pode causar abuso e dependência, de acordo com os especialistas.

Com o surgimento de doenças psicológicas e devido ao esgotamento mental e preocupações do dia dia,  muitas pessoas passaram a usar o agente hipnótico, e isso contribuiu para o seu protagonismo nas últimas décadas. Para o médico psiquiatra Ciro Mendes, ouvido pelo jornal O Hoje, esse protagonismo se dá, pelo fato de ser uma medicação que induz rapidamente o sono, tornando-se uma vantagem para muitas pessoas que têm dificuldade para dormir.

O especialista destaca que isso ocorre principalmente quando esses indivíduos estão passando por momentos difíceis, como crise de ansiedade, depressão e outros quadros psiquiátricos e precisam recorrer ao Zolpidem.

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A ideia que se tinha do remédio quando foi disponibilizado no mercado há mais de 30 anos, era que se tratava de um medicamento menos nocivo do que os benzodiazepínicos, como o rivotril por exemplo. No entanto, a realidade é que a substância pode ser muito prejudicial à saúde, segundo o médico.

A partir do uso abusivo do zolpidem o organismo do indivíduo que o ingere começa a ficar cada vez mais tolerante,  uma vez que o cérebro vai se acostumando com determinada dose, de acordo com o médico. “Ele passa a não fazer mais o mesmo efeito e a pessoa precisa aumentar a dose cada vez mais”, explica o especialista, ao falar que assim, o paciente chega a tomar de 30 a 40 comprimidos por dia.

“O indivíduo fica dependente do efeito para o sono e só consegue dormir com altas doses do medicamento, ficando dependente dele”, afirma. Outro mecanismo de dependência é que o paciente, muitas vezes precisa da medicação para aliviar os sintomas de ansiedade e depressão. “Quando passa o efeito do remédio os sintomas voltam e ele quer novamente. Esse ciclo em que o indivíduo precisa do remédio para se sentir melhor vai gerando a dependência”, salienta.

Devido ao grande consumo do remédio, é comum que no consultório de qualquer psiquiatra, tenham indivíduos com dependência. “No consultório tem pessoas que já chegaram a usar 30 ou mais comprimidos em um único dia, que é uma dose excessivamente alta”, afirma o médico, ao destacar que muitas vezes, esses indivíduos precisam ser internados para a retirada dessas medicações.

“Eles iniciaram com uma medicação para dormir para tentar melhorar o sono e depois passaram a usar de após dia, até terem consequências mais graves”, explica o psiquiatra ao falar sobre os processos até o uso abusivo do medicamento.

Na tentativa de controlar o consumo do medicamento após o aumento de relatos de uso irregular e abusivo relacionados ao remédio, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou na quarta-feira (15), um aumento do controle para o medicamento zolpidem.

Agora, qualquer medicamento contendo zolpidem deverá ser prescrito por meio de Notificação de Receita B, conhecida popularmente como receita azul. A receita tipo B exige que o profissional prescritor seja previamente cadastrado na autoridade local de vigilância sanitária.

A Anvisa destaca que o produto faz parte da lista de substâncias psicotrópicas da norma de substâncias controladas no Brasil, que é mais restrita, porém essa mesma lista flexibilizava a restrição e previa que medicamentos com até 10 mg de zolpidem por unidade posológica, poderiam ser prescritos com receita branca de duas vias, sem exigência de que o profissional que prescreve fosse previamente cadastrado pela autoridade sanitária local. 

Em uma análise feita pela agência, os dados mostram que 13,6 milhões de caixas dessa medicação foram comercializadas no ano de 2018. Em 2020, a quantidade de caixas vendidas foi de 23,3 milhões, o que representa um crescimento de 71% em poucos meses. Os últimos levantamentos mostram que as estatísticas se mantêm na casa dos 20 milhões anuais.

Além disso, a análise identificou que não há dados científicos que demonstrem que concentrações de até 10 mg do medicamento mereçam um critério regulatório diferenciado. O enquadramento foi aprovado em reunião da Diretoria Colegiada da Agência. 

O que muda com a norma imposta pela Anvisa

Com a decisão, a partir do dia 1º de agosto de 2024 a Notificação de Receita B passa a ser obrigatória para a prescrição e a dispensação de todos os medicamentos à base de zolpidem, independentemente da concentração da substância. De acordo com a Anvisa, o prazo foi definido para evitar que os pacientes possam ter alguma descontinuidade em seus tratamentos. 

Além disso, o prazo é necessário para que os prescritores que ainda não possuam cadastro para a prescrição em Notificação de Receita Azul possam se cadastrar junto às autoridades sanitárias locais para o recebimento de numerações para a confecção dos seus talonários de receituário.  

Os medicamentos, incluindo aqueles com embalagem com tarja vermelha, poderão ser dispensados nas farmácias até o final do seu prazo de validade, mediante a apresentação de Notificação de Receita B, em cor azul. 

No caso das empresas fabricantes, a adequação de bula e rotulagem pelas empresas detentoras do registro ocorrerá nos moldes já estabelecidos nas normas da Anvisa.  De acordo com o órgão, os medicamentos poderão ser fabricados com a embalagem com tarja vermelha até o dia 1º de dezembro deste ano. 

Maneira correta de usar

Tanto a Anvisa, quanto o médico psiquiatra ouvido pela reportagem, afirmam que o uso consciente do remédio precisa ser feito de maneira transitória. No caso das pessoas que estão iniciando o tratamento de algum problema psicológico, muitas vezes precisam usar medicamentos para dormir, segundo Mendes. 

Porém, ao longo do tratamento, a tendência é que o remédio seja retirado do paciente. “ O uso do Zolpidem tem que ser muito bem conduzido e controlado pelo médico psiquiatra, que com certeza, se houver um controle por parte dele, não haverá esse abuso”, orienta o especialista.

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