Segunda-feira, 01 de julho de 2024

“População não pode mais ignorar as mudanças climáticas”, diz pesquisadora

Pesquisa aponta que 65% dos municípios não estão preparados para desastres, e reeducação ambiental precisa ser discutida com urgência para garantia de um futuro

Postado em: 05-06-2024 às 04h00
Por: João Victor Reynol de Andrade
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Cena de Porto Alegre alagada com as enchentes registradas entre abril e maio de 2024, deixando cidade submersa | Foto: Marcos Vicente

Os desastres naturais estão cada vez mais sedimentados como um problema recorrente na sociedade moderna devido a intensificação das mudanças climáticas. Seja nas chuvas prolongadas no Rio Grande do Sul que causam enchentes e devastações como abril e maio, que já contabilizam 172 mortos e 575,1 mil desalojados. Ou os incêndios florestais no pantanal em novembro de 2023 com mais de 4 mil focos de queimadas e mais de 1,2 milhão de hectares de mata destruída, segundo pesquisa do WWF Brasil. Falar das múltiplas catástrofes naturais e mudanças climáticas no Dia Mundial do Meio Ambiente pode parecer contraditório, mas é algo que não pode ser ignorado.

Com isso, a falácia de que a população ainda consegue ficar alheia às mudanças climáticas está se desmoronando um desastres por vez. Isso ocorre mesmo no centro do País, em Goiás, essa realidade não é mais tanto uma ficção, em novembro de 2023, a Capital teve a maior temperatura já registrada com 39,3ºC pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Um outro exemplo goiano acometeu o produtor rural Marcos Antônio no município de Anápolis, que perdeu cerca de 40 hectares de lavoura por um evento destrutivo. 

De acordo com ele, um redemoinho forte atingiu a região no domingo de páscoa e devastou cerca de 35% da plantação de banana. O prejuízo foi na ordem de 20 mil caixas da fruta da plantação de 6 a 10 meses atrás. Na época, cada caixa valia em média R$ 50 para venda, em outras palavras, o prejuízo econômico foi em torno de R$ 50 mil a R$ 1 milhão. “Os ventos deixaram a lavoura inteira destruída. Vamos precisar de um ano a um ano e meio para consertar tudo”, afirma Marcos.

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Para pesquisadores da área, essa realidade não é uma novidade e sim algo que já dava indícios a anos, como afirma Gislaine Luiz, professora e pesquisadora da Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (Iesa/UFG), ao jornal O Hoje. De acordo com ela, não há mais como ignorar este problema. “As mudanças climáticas são um fato atualmente e não tem como deixar de ver esses fenômenos porque estão cada vez mais intensas. A atmosfera está em curso de mudança e isso é um prenúncio das mudanças climáticas”, relata.

Como afirma, não há explicações científicas sobre mudanças climáticas tão intensas e repentinas se não a forma como o ser humano tem alterado na superfície terrestres sem precedentes. Como exemplos, cita que as massas de ar sobre Goiás são as mesmas desde a década de 1930, contudo, o Estado tem experienciado fatores climáticos não vistos antes como a queda na umidade do ar para níveis inferiores a 10% em algumas regiões do Estado. 

Além disso, fala dos perigos dos desastres ambientais na população como um todo. Como exemplo, apesar das diferenças socioeconômicas de famílias que foram afetadas nas enchentes do RS, a verdade é que a forma como as afetou é a mesma, mais de 800 municípios. “A população do RS está desamparada porque nunca imaginaram que isso pudesse ocorrer nessa escala. Situações como estas trazem a discussão da necessidade de uma agenda de desenvolvimento governamental, uma gestão ligada e direcionada para as questões ambientais no aspecto mais amplo dos problemas atuais”. 

Contudo, um maior engajamento ambiental pode surgir destas catástrofes. Como exemplo, a Confederação Nacional dos Municípios (CMN) divulgou um estudo nesta última segunda-feira (20), que durante os últimos 11 anos os desastres naturais somaram mais de R$ 639 milhões aos cofres públicos. Além disso, o estudo divulgou que 5.233 cidades foram afetadas e 418,3 milhões de pessoas foram prejudicadas de alguma forma, com mortes chegando a 2.667 vítimas. Também, um estudo similar do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTIC) divulgou que 65% dos municípios não estão preparados para essas situações.

O perigo do negacionismo nas mudanças climáticas

Apesar deste novo quadro global em curso, ainda resta uma grande parcela da população vedada dos problemas ambientais. Parte dessa população ainda acredita não só como estar alheia a isso, mas como também que o que ocorre é algo natural. Para a pesquisadora Gislaine, esse negacionismo pode estar vinculado com a falta de informação sobre o meio ambiente. De acordo com ela, muitas dessas pessoas não conseguem ver a integralidade e conectividade dos biomas e como um pode afetar o outro de diversas formas. 

Como diz, o meio ambiente funciona como um sistema de feedback em que um desmatamento pode acarretar mudanças além da perda da flora e da fauna, podendo diminuir a umidade do ar, aumentar as temperaturas e diminuir a qualidade do ar. Por causa disso, essa visão de mundo alienada pode contribuir com o acirramento de problemas ambientais pela falta de conhecimento na área. “Um agricultor, por exemplo, precisa entender que se ele desmatar além do permitido agora podem colher estes problemas no futuro”. 

Com isso, conta que este problema só pode ser solucionado com a educação ambiental desde a infância dentro do próprio sistema público e privado. Para ela, educar as crianças de hoje é a melhor forma de garantir um futuro limpo para a população. Para os adultos que ainda acreditam nessa situação, uma educação completa é necessária para entender os problemas, desde os fatores sociais, econômicos e culturais relacionados ao meio-ambiente e o ser humano.

Como diz, essa reeducação também precisa chegar no sistema educacional público e  privado de forma mais efetiva. De acordo com ela, os temas relacionados a mudanças climáticas precisam ser debatidos de forma que seja direcionada ao público, contudo, reconhece como a falta de verba no ensino público pode reduzir as chances de uma educação aberta sobre o tema. “Os livros didáticos disponíveis são bons mas não passam a informação de forma que os alunos entendam e se interessem nos assuntos ambientais”.

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