Ciclistas preferem usar rodovia a ciclovia construída na GO-020

Péssimas condições da via exclusiva para bicicletas levam ciclistas a se arriscarem no acostamento da rodovia

Postado em: 18-02-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Péssimas condições da via exclusiva para bicicletas levam ciclistas a se arriscarem no acostamento da rodovia

Igor Caldas* 

Ciclistas preferem usar rodovia a ciclovia construída na GO-020. Ciclovia que faz parte da obra de duplicação da rodovia GO-020 liga o trecho do Autódromo de Goiânia até o município de Bela Vista, na Região Metropolitana de Goiânia. A pista exclusiva para pedestres apresenta sinais de falta de manutenção. Buracos, vegetação alta, falta de iluminação e trânsito de veículos são apontados como principais problemas pelos usuários.

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A obra foi inaugurada em abril de 2017 com a duplicação dos 43,4 km de extensão do trecho, iluminação por todo percurso e construção da ciclovia. A obra também foi responsável pela construção de seis novas pontes: sobre o Rio Meia Ponte (140 metros de extensão), sobre o Córrego Caldas (75 metros), Córrego Sapé (50 metros), Ribeirão Olaria (50 metros), Ribeirão Aborrecido (50 metros) e Córrego Barreiro (50 metros). A reforma teve o custo de R$ 150 milhões e foi realizada por meio do programa Rodovida Construção da antiga Agência Goiana de Transportes e Obras (antiga Agetop). Quem fica responsável pela pasta hoje é a Goinfra.

Waldeir Lopes é vendedor comercial tem dedicação forte ao ciclismo. Ele pedala em grupo ao menos três vezes por semana e percorre em média 70 km. “É um esporte que eu pratico e levo bastante a sério. Não faço nada visando competição, somente para praticar o esporte e revigorar minha saúde”. Há um ano e meio, ele e os ciclistas que acompanham o treino deixaram de usar a ciclovia da GO-020. 

Ele afirma que o trecho está coberto pelo mato, possui buracos e está sem iluminação. “A luz só funcionou nas primeiras semanas após a inauguração. Os transformadores foram furtados e desde então ela está no escuro”. Lopes e o grupo do qual faz parte usa o acostamento da rodovia para praticar o ciclismo. Ele diz que se sente inseguro, mas que não pensa em desistir de pedalar. “Sozinho não ando mais. Só de pelotão. Já tentei fazer academia, mas gosto mesmo é de pedalar”. Ele acredita que praticar ciclismo em grupo garante mais segurança, pois aumenta a visibilidade na estrada.

Luiz Ebbeesen Martins é ciclista há 7 anos e também não pratica o esporte para competição, apenas para se exercitar. Ele pedala ao menos quatro vezes por semana, também em grupos de ciclistas. Martins divide a prática dos seus treinos entre o acostamento da rodovia GO-020 e as ciclovias da Capital. Ele diz que se sente muito inseguro de pedalar no acostamento da rodovia e às vezes sente medo. “Quando estamos na rodovia e passa um caminhão ou ônibus ‘tirando fino’ da gente, a bicicleta balança muito. Aí, dá medo. Já ouvi de vários casos de falecimento por irresponsabilidade dos motoristas”. A velocidade limite da GO-020 foi aumentada de 80 km/h para 110 km/h em março de 2017, o que oferece mais risco ainda aos ciclistas que se arriscam no acostamento.

O atleta diz que prefere pedalar dentro da cidade a usar o acostamento da rodovia, mas afirma que as ciclovias da Capital também não estão em boas condições e que pedestres usam as faixas exclusivas para praticar corrida. Ele apontou falhas de desníveis nas ciclovias da Av. Assis Chateaubriand no Setor Oeste que podem causar acidentes aos ciclistas que não conhecem o trecho.

Além dos problemas estruturais, relata a falta de conscientização sobre o esporte por parte da população. “Quando estamos andando nas ciclovias ficamos receosos de atropelar alguns pedestres, eu já chamei atenção de alguns deles para a exclusividade do uso das faixas, mas levei xingamentos como resposta. Hoje não falo mais nada”.  Para Luiz Ebbeesen, além da manutenção das ciclovias da Capital, faltam políticas públicas de conscientização para o uso exclusivo de bicicletas nas ciclovias. 

Uso de bicicleta favorece a mobilidade urbana nas capitais 

A bicicleta é um transporte limpo, barato e democrático. Seu uso está em franco crescimento nas grandes capitais. Entretanto, além do uso da bicicleta e construção de ciclovias, é necessário adaptar os locais pensados para este tipo de transporte com medidas que reduzam a velocidade dos veículos para promover segurança ao usuário. Pensar a percepção das pessoas sobre o ciclismo também é necessário para a promoção deste esporte, principalmente na elaboração de políticas públicas que tenham objetivo de conscientizar a população.

O descaso com a ciclovia da GO-020 é discrepante frente à boa qualidade da pista duplicada para automóveis. Segundo artigo publicado no site do especialista em trânsito e perito criminal Antenor Pinheiro, o Estado dá prioridade à demanda do transporte individual motorizado e drena recursos de outros modelos de transporte mais importantes para mobilidade social. Segundo dados do texto, o transporte sobre trilhos, barcas, bicicletas, ônibus e calçadas deslocam 64% das pessoas nas cidades, enquanto apenas 36% usam o carro ou moto.

Ainda de acordo com o texto, isso tem sintonia com o modelo de desenvolvimento urbano insustentável adotado pelas cidades brasileiras. O fetichismo da posse do automóvel como símbolo de status social pode torna-se predatório para a mobilidade urbana. Ele defende que o privilégio dado ao automóvel é fruto de pura hipocrisia “porque na prática ele camufla o que há de mais precioso para a vida em comunidade – o sentido de urbanidade, o significado de cidade, a interação coletiva”.

A reportagem tentou falar com a Goinfra para averiguar há quanto tempo a ciclovia da GO-020 está sem manutenção, como é feito o monitoramento de desgaste dessas ciclovias pela cidade e Região Metropolitana e sobre a previsão da realização de ações de manutenção neste trecho. A assessoria de comunicação da pasta não respondeu aos questionamentos e se limitou a dizer, por meio de nota, que “irá avaliar as demandas de manutenção do trecho citado da GO-020 e, caso necessário, tomar as medidas cabíveis para garantir a boa trafegabilidade e segurança dos usuários.”

Mortes por atropelamento são cada dia mais frequentes  

Andar de bicicleta em grupo não salvou a vida do bispo de igreja evangélica, Rivaldo Gomes Morais, de 53 anos. Ele morreu em novembro do ano passado depois de ser atropelado enquanto pedalava com cerca de quarenta amigos no acostamento da GO-469 em Abadia de Goiás, Região Metropolitana de Goiânia. Mais dois ciclistas ficaram feridos no atropelamento, um deles teve o braço quebrado. O motorista de 28 anos fugiu do local, mas foi localizado pela polícia. Foi constatado embriaguez no teste de bafômetro e ele foi preso. Assim como Waldeir Lopes, Morais percorria o mesmo trajeto semanalmente.

Falta de atenção de motoristas nas ruas causam acidentes mortais. Em junho do ano passado, um atropelamento tirou a vida de Donizete Alves Barbosa, de 56 anos. Ele estava andando de bicicleta e sofreu o acidente em um cruzamento do Setor Center Ville em Goiânia. Depois do choque, o ciclista foi arrastado e atropelado. Não resistiu aos ferimentos e morreu no local. A motorista não apresentava sinais de embriaguez atestado pelo teste de bafômetro e afirmou que “não viu o ciclista”.

Outro fator de risco é a segurança pública. Em novembro de 2018, um ciclista não identificado foi esfaqueado após reagir a um assalto na BR-060 em Anápolis. Os assaltantes fugiram e não conseguiram levar nada da vítima. O corpo foi encontrado ao lado da bicicleta.

A baixa qualidade e falta de manutenção nas ciclovias pode ser fatal. Em junho de 2017 João Henrique de Almeida Pacheco sofreu um acidente na ciclovia da Avenida Universitária após passar por cima de um buraco e cair. O ciclista de 26 anos bateu a cabeça e teve traumatismo craniano. Ele ficou dois meses internado no Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO), passou por duas cirurgias, mas não resistiu aos ferimentos e foi a óbito no dia 22 de setembro do mesmo ano. Por uma coincidência macabra, Pacheco faleceu no mesmo dia em que é comemorado o Dia Nacional Sem Carro. O buraco só foi tapado após o falecimento do ciclista, dois meses após o acidente.

Um ano após o acidente, uma Ghost Bike foi instalada na Avenida Universitária, esquina com a rua 233. A instalação faz parte de um projeto em todo mundo que visa instalar bicicletas brancas em locais onde houve acidentes fatais com ciclistas. O projeto chama a atenção para a pressa mortífera das grandes cidades que tira a vida de ciclistas todos os dias ao redor do mundo. Também aponta para o descaso do poder público em relação à utilização de transportes alternativos tão necessários à melhoria da mobilidade urbana nas grandes cidades. (*Especial para O Hoje)  

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