Goiás tem 97 mil poços clandestinos

Furar poço ilegal em Goiás é infração administrativa e pode resultar em pena de multa e/ou apreensão, afirma gerência de recursos hídricos

Postado em: 22-02-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Furar poço ilegal em Goiás é infração administrativa e pode resultar em pena de multa e/ou apreensão, afirma gerência de recursos hídricos

Thiago Costa

Dados divulgados pelo Instituto Trata Brasil mostram que Goiás tem, em média, 100 mil poços artesianos perfurados. Destes, 97% são clandestinos, afirma a entidade. Para chegar aos números o Instituto analisou dados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), que apresenta 65.606 propriedades rurais com pelo menos um poço, ou seja, a média é que sejam mais de 65 mil poços perfurados em nas zonas rurais. Na zona urbana, o Instituto afirma que a média de poços perfurados seja de 35 mil. Também foram analisados dados dos poços perfurados registrados na Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), órgão federal que recebe informações dos estados. 

O Trata Brasil afirma ainda que em algumas unidades rurais existam dois ou mais poços, o que depende da necessidade de cada propriedade rural. De acordo com a Superintendência de Recursos Hídricos da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) de Goiás, existem no Estado 7.782 poços perfurados registrados pela pasta.  A Superintendência reconhece que o número de poços ilegais no Estado é superior ao número de poços outorgados. 

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Em todo o Brasil são 2,5 milhões de poços perfurados clandestinos, de acordo com o estudo. O número representa 88% do total e mostra que pouca porcentagem é outorgada pelos órgãos fiscalizadores em todo o território nacional. Os dados apresentam que a água retirada desses poços ilegais em território nacional seria suficiente para abastecer todo o país por um ano inteiro. O estudo afirma ainda que a quantidade de 17,580 mm³ de água extraídas durante um ano faz com que a receita deixe de receber R$ 59 bilhões.

Impactos ambientais

Para o engenheiro sanitarista e ambiental Áquila Levindo os impactos ambientais causados por poços perfurados sem o registro pelos órgãos competentes poderão trazer prejuízos hídricos para toda a nação. A impossibilidade de alguns desses poços receberem mais água de maneira natural é um dos principais problemas levantados pelo especialista, que teme que os poços perfurados clandestinamente tirem da coletividade um recurso que tem sido usado para o bem individual.

O especialista explica que a água subterrânea não é de propriedade de pessoas físicas ou jurídicas, mas sim da nação. Quem pretende ter um poço perfurado deve solicitar a outorga –regularização- deste para que possa haver o controle do volume de água que será retirado para que a população geral não seja prejudicada por um poço individual. “O Estado e os órgãos ambientais fiscalizadores dão o direito de utilizar aquela água. Eles dão o direito de utilizar uma quantidade ‘X’ daquele recurso natural, que é a água subterrânea do poço perfurado”, explica Áquila.

O engenheiro explica ainda que os poços perfurados podem ser qualificados entre os poços artesianos, os poços profundos e os mini poços, que recebe o a qualificação conforme a metragem perfurada para conseguir encontrar a água. Ainda de acordo com o especialista, o problema e os impactos ambientais que ocorrem quando um poço é perfurado é a falta do registro da vazão de água que é retirada do solo pelo poço.

“Existe um consumo de um recurso que pode ou não ser renovado, porque existem aquíferos, que são os porosos, que permitem a recarga hídrica, que permitem receber mais água. Existem os aquíferos que não são porosos e não recebem água. Esses que não são porosos têm um volume de água formado há milhões de anos e esse volume só vai acabando” ressalta Áquila.

Áquila também explica que existe outro tipo de poço perfurado, os poços que atingem apenas o lençol freático, e não as rochas. Esse tipo de poço, de acordo com o especialista não é muito profundo, mas se muita água é retirada sem registro, cadastro e acompanhamento, os chamados poços clandestinos, não têm como o órgão fiscalizador saber quanto volume é retirado.

Preço com a água

A.F.S.B é moradora do setor Pedro Ludovico. A mulher conta que há alguns meses um dos responsáveis por cuidar da casa que ela mora de aluguel decidiu furar um poço no lote. O objetivo era parar de gastar o alto preço com a água, que é inclusa no aluguel dos condôminos.

Ela explica que desde quando o poço foi instalado no lote que tem sete residências, meses se passaram e os moradores não conseguiram utilizar da água que sai dos canos. A.F.S.B conta que a água é imprópria para o consumo e não é necessário sequer um especialista para atestar a afirmação dos moradores.

“É visível que não podemos tomar essa água. Eu tenho filhos e me preocupo com eles. Meu esposo comprou um filtro de água bem na época que eles começaram com a idéia de que usaríamos a água sem ser tratada. No início até pensamos que seria uma boa idéia, mas o rapaz falou para ligarmos a bomba diariamente para a terra sair, mas já se passaram meses e a terra ainda é vista na água, com muita areia, inclusive”, conta A.F.S.B

A mulher conta que desde quando o poço foi perfurado ela e os vizinhos precisaram se adequar. Algumas vezes todos ligaram as torneiras e chuveiros de suas casas de uma vez para ver se a água suja sairia e apenas a água limpa ficaria. Depois de muito esforço, a desistência por parte dos moradores do lote foi um consenso.

“Todos ficamos com os chuveiros e as torneiras abertas para a água suja sair e eu poder dar banho nos meus filhos. Os vizinhos se preocupam muito com a gente aqui de casa, porque temos três crianças, sendo duas com apenas seis meses de idade. Agora faz um tempo que a água da rua voltou a ser usada em todo o lote, mas o rapaz que é o responsável sempre vem aqui pedir para que a gente ligue a bomba diariamente para limpar a água e poder desligar a distribuição que vem da rua”, conta. 

Poços clandestinos podem causar escassez hídrica para toda a população  

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Goiânia tem população estimada em 1.495.705 habitantes. O engenheiro sanitarista e ambiental Áquila Levindo afirma que a cada poço perfurado sem acompanhamento de um órgão fiscalizador fará com que haja um possível problema hídrico que poderá atingir toda a população. 

Ele explica que quando o órgão fiscalizador outorga –regulariza- um poço, a pasta consegue controlar a quantidade de água que será liberada para ser retirada daquele poço perfurado, que é uma das formas criadas para que não haja problemas para o meio ambiente. Caso não haja esse controle, o especialista explica que não há como controlar a quantidade de água que cada poço retira do solo e esse tipo de ação poderá causar problemas de saúde para toda a população. 

O especialista explica que a água subterrânea não é de propriedade de pessoas físicas ou jurídicas, mas sim da nação. Quem pretende ter um poço perfurado deve solicitar a autorga deste para que possa haver o controle do volume de água que será retirado para que a população geral não seja prejudicada por um poço individual. “O Estado e os órgãos ambientais fiscalizadores dão o direito de utilizar aquela água. Eles dão o direito de utilizar uma quantidade específica daquele recurso natural, que é a água subterrânea retirada do poço perfurado”, explica.

“A perfuração desses poços artesianos sem outorga, o registro e acompanhamento, além de poder contaminar essa água subterrânea pode ocasionar a escassez hídrica e a redução do volume disponível nos aquíferos. Tem o aquífero Guarani, que é um dos maiores do Estado, mas tem outros aquíferos. O Araxá e outros sistemas aquíferos que Goiás possui e esses sistemas podem começar a perder o volume de água e ter as águas contaminadas. Isso é problema de saúde. Problema grave para os habitantes de Goiás”, afirma o engenheiro.

De acordo com o Instituto Trata Brasil, um ponto extremamente pertinente até mesmo para evidenciar que a qualidade da água subterrânea está em perigo, sobretudo no estado de Goiás. O Instituto garante que 51% da população goiana não têm acesso à rede coletora de esgoto. Outra informação divulgada pelo instituto é que e somente 49% dos esgotos são tratados no Estado, o que faz com que haja milhões de pessoas em Goiás despejando o esgoto em locais irregulares, sendo um fator de possível contaminação das águas subterrâneas, que pode prejudicar diretamente a saúde. 

Em nota, a Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago) informou que o órgão é responsável pelos sistemas coletivos de abastecimento de água. Para tanto, a Companhia capta e trata água de mananciais e, em casos específicos, também de poços profundos. Atualmente, a Saneago conta com mais de 2 mil poços subterrâneos em operação, todos legalizados em relação a outorgas e licenciamento ambiental. O órgão ainda diz na nota que a responsabilidade pela fiscalização de poços clandestinos e de abastecimento individual, que são perfurados em residências é da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). 

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