Ônibus por aplicativo ainda não decolou na Capital

Novidade não representa grandes mudanças no transporte público da Capital

Postado em: 11-03-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Novidade não representa grandes mudanças no transporte público da Capital

Igor Caldas

Ainda em fase de testes, o City Bus 2.0 faz um mês de circulação na Capital. Os cidadãos goianienses não parecem ter sido convencidos de que os veículos novos tragam grandes melhorias à mobilidade urbana. A RMTC é pioneira em oferecer o serviço de transporte público via aplicativo no celular no Brasil, mas a frota de 14 vans novas com ar-condicionado ainda circulam apenas no centro expandido da capital (setores Central, Sul, Oeste, Marista, Bueno, Bela Vista, Serrinha, Nova Suíça, Jardim Goiás, Universitário e Aeroporto). Se houver demanda, o serviço pode ser ampliado para outros setores, mas não parece que vai oferecer muito mais do que as empresas de motoristas de aplicativo já fazem pra quem necessita percorrer longas distâncias na Região Metropolitana da Capital.

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Quem precisa fazer pequenos trajetos para trabalhar ou estudar, o CB 2.0 é uma boa opção para fugir do “empurra-empurra” e dos horários inconsistentes do transporte coletivo. Se o trajeto for inferior a um quilômetro, o usuário vai pagar apenas a tarifa mínima de R$2,50. Em trajetos de 4 a 7 km o serviço chega a ser até 30% mais barato que viagens de motoristas de aplicativo. Em trajetos acima de 8km, a vantagem pode chegar a 20%. Dependendo de qual escolha de app o usuário fizer, partir do 20º ou 28º quilômetro em média, os preços entre o CB 2.0 e as empresas de aplicativos se igualam. Para viagens mais longas, o custo fica muito superior à integração promovida pelos terminais onde o usuário paga apenas uma passagem para utilizar diversas linhas de ônibus e percorrer longas distâncias na Região Metropolitana. Apesar de mais barato, a qualidade dos ônibus coletivos deixa muito a desejar. Há muito tempo.

Alessandro Guarita usou o City Bus 2.0 para testar o serviço no trajeto que realiza todos os dias a pé para ir ao trabalho. Guarita é Serrvidor Público na Assembleia Legislativa, no Setor Oeste, e é morador do Setor Sul. Ele caminha por 20 minutos para chegar ao trabalho. Para ir à locais que sejam mais afastados de sua casa, Alessandro usava o transporte de motoristas por aplicativo. “Resolvi testar o CityBus para não ficar refém do mesmo serviço e queria ver se era uma opção viável. Achei o serviço vantajoso em preço e conforto, no geral, as vans são mais bem cuidadas que os carros e a temperatura é boa. Às vezes o preço é quase o mesmo. O principal defeito, se comparado ao Uber, é não pegar e deixar no local que você marca. O deslocamento, porém, é pequeno, mas isso pode fazer a diferença num dia mais chuvoso”. Afirma Guarita.

Lucas Charbel, de 21 anos, é estudante de Egenharia Elétrica e Técnico em Engenharia Mecânica. Ele largou o transporte coletivo que o levava para estudar e entrou de cabeça no “frescão” da RMTC. Lucas faz dois trajetos diários de ida e volta, da sua casa, no Setor Sul até a Praça Universitária e novamente de sua casa, até o Instituto Federal de Goiás, próximo ao Parque Multirama. “Optei pelo City Bus 2.0 pela praticidade, conforto e segurança. O preço é aceitável. No meu caso, a diferença é de R$1,50 a mais em relação à tarifa do ônibus convencional e R$4,00 mais barato que os aplicativos convencionais”. Afirma Charbel.

Apesar de ser vantajoso para o caso do estudante de engenharia, que mora relativamente perto de onde estuda, ele aponta que a questão do ponto de parada das vans precisa de melhorias. “Muitas vezes, o ponto é um pouco longe de onde o serviço foi solicitado e o tempo para a van chegar é muito curto”. Além disso, Charbel afirma que pode haver confusão onde o aplicativo indica a parada da van. Em várias ocasiões, o local indicado pelo aplicativo é impossível realizar embarque e desembarque de passageiros. O usuário deve caminhar até o local onde é possível embarcar na van. 

Precariedade dos ônibus estimula o aumento de veículos individuais  

Para muitos que dependem do transporte coletivo, o maior sonho de consumo continua sendo um veículo como o carro ou uma moto para fugir do desconforto cotidiano de pegar ônibus lotado, sem ar-condicionado e sem manutenção.

Segundo a HP transportes, concessionária que oferece o serviço do City Bus 2.0 na Capital, o objetivo da novidade seria fazer com que as pessoas que usam o carro individual para fazer pequenos trajetos, deixem o veículo em casa. Segundo o diretor de transportes da HP, Hugo Santana, durante o período da fase de teste do serviço (180 dias) até 650 carros deixariam de circular nas ruas da Capital. O número parece irrisório frente ao aumento de motorizados individuais na Capital.

O verdadeiro motivo da novidade parece ser uma reação da empresa à volumosa evasão de usuários que o transporte público sofreu nos últimos anos. Segundo dados da Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC), 35% dos usuarios do transporte coletivo migraram para outro tipo de transporte no período entre 2013 e 2018. A precariedade no serviço reflete diretamente na quantidade de veículos que circulam nas ruas da Capital. No mesmo período, a frota de veículos particulares cresceu 18,32%. Levando em conta apenas a frota de motocicletas o aumento foi de 19,71%. Apenas no ano passado, Goiânia recebeu 293.419 novas Carteiras Nacionais de Habilitação.

Johnathan Oliveira, de 22 anos, tem pesadelos só de pensar em voltar para o ônibus. “Desde os meus dezoito anos eu financiei uma moto e saí do ônibus. Não quero voltar nunca mais. Todo mundo da minha família que anda no transporte coletivo, almeja comprar um carro ou uma moto”. Johnathan trabalha de manobrista em restaurantes do Setor Marista e mesmo que quisesse voltar a sofrer, seu horário é incompatível com os horários de circulação do transporte coletivo. Ele sai do trabalho às 2h da madrugada. Johnathan nunca usou nenhum transporte por aplicativo.

Para a Professora da Universidade Federal de Goiás Drª Erika Cristine Kneib, arquiteta e urbanista, doutora em transportes, um dos principais problemas enfrentados pela mobilidade urbana nas grandes cidades é justamente o domínio do carro e da moto individual na rede de transportes.

Para ela, as necessidades de transporte e mobilidade só serão atendidas de modo satisfatório a partir de quatro medidas essenciais. “Garantir o deslocamento adequado dos pedestres e ciclistas na cidade, principalmente para curtas distâncias; Valorizar e priorizar o transporte coletivo na cidade, pois este é o único modo motorizado de transporte capaz de promover uma mobilidade mais sustentável; Desincentivar o uso do carro e da moto. Eles podem participar da rede de transporte, mas não podem dominar esta rede, como acontece hoje; Planejar as atividades urbanas e sua localização (moradia, trabalho, indústria, etc), de modo a ajudar o transporte coletivo”. Pontua Erika. 

Bairros afastados sofrem com falta de transporte  

Para quem mora longe das áreas centrais, a realidade da mobilidade urbana na Capital continua a mesma. Ônibus desconfortáveis, insegurança nos terminais, horários inconsistentes e dificuldades para adequação aos meios de transporte alternativo. Priscilla Martins, 26, é estudante de psicologia moradora do Setor Cidade Satélite São Luiz, em Aparecida de Goiânia. Ela alterna entre o uso da bicicleta e o transporte coletivo tradicional para ir trabalhar como recepcionista e assistente administrativa no Setor Bueno e estudar no Setor Sul. Priscilla nunca usou o transporte de aplicativos para ir ou voltar de casa. Mas afirma que usaria se fosse um investimento que valesse à pena.

Priscilla atravessa a cidade para chegar aos seus destinos cotidianos usando algumas vias principais da Capital: Av. Rio Verde, Av. 85 e arredores. No trajeto de mais de nove quilômetros que ela faz quando se arrisca a ir de bicicleta Priscilla relata vários problemas de infraestrutura urbana que dificultam a opção pelo transporte alternativo. “O que mais falta são ciclovias. É muito difícil andar de bike em horário de pico, pois os motoristas não respeitam os ciclistas e isso atrasa bastante a viagem. O que nos obriga a buscar um caminho mais longo pela segurança”.

Quando opta por ir pelo transporte coletivo, gasta R$8 no trajeto de ida e volta, mas também afirma ter problemas. “Aqui no setor, nos horários que preciso, os ônibus são muito cheios e com um intervalo grande de um para o outro, o que me faz optar mais pela bicicleta. Em questão de segurança, nunca fui assaltada no transporte publico, mas isso não quer dizer nada.”

A reportagem fez uma simulação de preço em um dos trajetos que Priscilla percorre todos os dias pelos aplicativos convencionais de motoristas e pelo City Bus 2.0 para comparação de preços. Como o transporte novo da RMTC não atende Aparecida de Goiânia, a reportagem levou em conta a estimativa de que em trajetos acima de 8km, ele representa economia de até 20% em relação aos transportes por aplicativos de transporte convencionais. Diferente desses aplicativos, o City Bus 2.0 não possui cobrança de taxa dinâmica ou por tempo, ele cobra apenas por distância.

No trajeto do Setor Cidade Satélite São Luiz até o Setor Bueno (9,6km), em horário comercial, os aplicativos convencionais variam entre R$12 a R$16. No mesmo trajeto, o City Bus 2.0 registraria valor aproximado de R$9,60 a R$12,80. Lembrando que o valor corresponde à apenas um dos dois trajetos que Priscilla tem que percorrer por dia e não inclui o caminho de volta pra casa. Considerando que ela paga pra fazer todos os trajetos de ida e volta pra casa por transporte coletivo (R$8,00), o investimento não compensa. O preço mais barato oferecido pela empresa em apenas um dos trajetos já ultrapassa este valor. Se houvesse um esquema de integração nos diferentes tipos de transportes, essa realidade poderia ser diferente. 

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