Moradores abandonam casas populares

Especulação imobiliária e falta de infraestrutura expulsam moradores beneficiários do Minha Casa Minha Vida

Postado em: 20-03-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Especulação imobiliária e falta de infraestrutura expulsam moradores beneficiários do Minha Casa Minha Vida

Igor Caldas*

Moradores reclamam de casas de moradia popular abandonadas em bairros de Goiânia e Região Metropolitana como no Jardim do Cerrado, Buena Vista, Paulo Pacheco e Vila Adilair II, em Goianira.  A reportagem foi até um desses conjuntos em Goianira para conversar com os moradores e averiguar a situação das casas abandonadas. Segundo eles, ao menos 40% das unidades habitacionais do setor Vila Adilair II estão sem moradores. 

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O loteamento do bairro Vila Adilair II foi aprovado pela prefeitura em 2007, por meio de decreto. A Área total de 126.752,97 m², divididos em 294 lotes residenciais destinados à venda, também possui áreas verdes e institucionais obrigatórias. O decreto fixou o prazo de dois anos para a realização das obras de infraestrutura básica a serem realizadas pelo loteador, que é a São Domingos Empreendimentos Imobiliários. Até 2012 o programa Minha Casa Minha Vida financiou 292 unidades habitacionais no bairro com valor total investido de R$ 11.107 milhões de reais.

Ao perguntar sobre uma casa aparentemente abandonada, coberta pela vegetação na rua em que mora, Severino Florença, alegou que o lugar tinha dono e que provavelmente as prestações e impostos estavam sendo pagos corretamente. O motivo do abandono era a situação difícil em que se encontrava o proprietário. “Ele estava morando aí, mas caiu no desemprego e em consequência do alcoolismo abandonou a propriedade. Como aqui tudo é muito difícil, não tem condições nem do cara se alimentar por aqui se não tiver trabalho”.

Para a construção das casas populares é necessário a demarcação de quadras e lotes, abertura de ruas, implantação e execução das redes de energia elétrica, de iluminação pública e de abastecimento de água e de galerias pluviais, além do revestimento primário das vias. Mas as palavras de Severino revelam que isso não é suficiente para manter moradores dentro das casas. Ao caminhar pelas ruas de poeira vermelha do setor, é possível perceber que o chamado pavimento primário das ruas parecia ter sido feito apenas com piche, pois tudo já foi dissolvido como borra de café sob água corrente.

“Aqui, quando chove é um sofrimento. Alaga todas as ruas, alaga as casas. Se tacar um punhado de peixe aqui dentro, vira o Rio Araguaia, da para andar de canoa”. Denuncia Severino. “O governo precisa fazer alguma coisa aqui para melhorar. Nem que seja pra abrir uns bueiros, boca de lobo, algo para escoar a água. Se der condição para gente, nós mesmos entramos no batente aqui para melhorar para todo mundo”, completa. Severino estava acompanhando de outro morador, Devaldir Ferreira, de 64 anos, confirmou a vontade de trabalhar pela melhoria do bairro.

Além da infraestrutura básica precária, os moradores relatam que tem que utilizar o bairro vizinho para utilização de qualquer serviço. Creches, escolas, postos de saúde só existem no Setor Cora Coralina. “Aqui não tem nada. Para comprar um pão a gente tem que andar muito. Tudo é lá. Não tem nada aqui. Estamos batalhando com o prefeito para a construção de uma praça no setor e ele disse que vai fazer. É a única benfeitoria que está sendo feita aqui”, reclama outro morador, Severino. O único espaço de convivência do bairro são as ruas empoeiradas que ficam entre as habitações. Mesmo assim foi encontrado lixo e água parada nas vias.

Outro motivo do abandono se revelou em uma discussão que houve entre Severino e seu vizinho, Geraldo, durante a entrevista: a especulação imobiliária. “Tem muita gente aqui que ganhou e não precisava. Muito vereador aí que tem duas, três casas em nome de outras pessoas”, denuncia Severino. “Aqui não tem nenhum vereador com casa, você está mentindo”, rebate Geraldo Dias Lopes. 

Para Severino, muitas casas estão sem moradores por que seus proprietários não necessitam de moradia. “Estão esperando o mercado imobiliário ferver para o lado do setor Adilair II e vender o imóvel a um preço mais alto”, completa o morador. 

Abastecimento 

Mesmo com as casas já construídas, quase 10 anos depois, em 2017, o Ministério Público de Goiás entrou com ação contra a empresa loteadora do bairro e o Movimento Luta Pela Casa Própria, para a conclusão de obras de abastecimento de água no setor. Na época, os moradores do setor procuraram o MP para denunciar a cobrança pelo abastecimento de água, que estava sendo feito pela empresa SAA II e não pela Companhia Saneamento de Goiás S/A (Saneago). A ação foi movida pela promotora Renata de Matos Lacerda.

De acordo com a promotora, em meados de outubro de 2016, o MP voltou a receber reclamações de moradores contra a empresa SAE II, desta vez pela cobrança de valores abusivos, corte do fornecimento de água e medições não compatíveis com o consumo. Segundo apuração do Ministério Público de Goiás, foi constatado que, diante da inexistência de autorização para operar o sistema, o Movimento de Luta Pela Casa Própria (MLCP) é considerado pela Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos (AGR) um prestador clandestino, pois a empresa não tem qualquer autorização ou permissão do município para a cobrança pelo fornecimento de água no bairro. Além destas irregularidades, testes de potabilidade da água do setor, realizados no final de 2016, constataram níveis de coliformes na amostra coletada pela Vigilância Sanitária de Goianira.

Na época, a Saneago informou ter emitido o atestado de viabilidade técnico-operacional desde 2011 e que os projetos do sistema foram liberados no ano seguinte, tendo como empresa responsável o Movimento de Luta pela Casa Própria (MLCP) da ex-deputada Isaura Lemos do PCdoB. Ela é casada com ex-vereador Euler Ivo condenado a cinco anos e três meses em regime semi-aberto por peculato.

O nome do ex-vereador estava na boca dos moradores do setor quando foi perguntado sobre qual entidade pegou o financiamento para construção das casas.  

Mais de 420 mil pessoas estão em déficit habitacional no Estado 

Ter moradia é mais do que um sonho, é direito fundamental de todos. Além disso, é protegido pela constituição, constitui parte da dignidade da pessoa e tem tanta proteção que é impossível se penhorar o único imóvel de uma pessoa ou de uma família, mesmo se ela está em débito, com algumas exceções previstas na própria lei.

O Déficit Habitacional é a base utilizada pelo governo federal para implementação de programas habitacionais como o programa Minha Casa Minha Vida para subsidiar ou regular o mercado imobiliário, crédito imobiliário, taxas de juros usadas pelos bancos em financiamento de imóveis, dentre outras políticas públicas.

O índice é calculado considerando o número de pessoas e/ou famílias vivendo em condições deficientes de moradia em determinada região utilizando quatro variáveis que, somadas resultam na necessidade de habitação sobre determinada região. 

A primeira variável considera a precariedade de domicílios. A segunda considera a coabitação, quando duas ou mais famílias convivem juntas e compartilham algum cômodo (cortiços, divisão comum de banheiro e lavanderia, quartos e outros ambientes). A terceira considera o valor do aluguel em face da renda familiar. O parâmetro considerado é 30% da renda de três salários mínimos usado para pagar a moradia. O quarto parâmetro é o adensamento excessivo por dormitório.

Em 2018 cerca de 156.159 famílias estavam em condições de déficit habitacional. O número corresponde a aproximadamente 429.759 pessoas no Estado de Goiás. A Agência Goiana de Habitação foi questionada sobre o número de pessoas que aguardam para receber uma casa dos programas de habitação, a assessoria de comunicação respondeu que não existe uma fila para as pessoas receberem habitações populares, o que existe é um edital de chamamento e processo seletivo para beneficiar famílias apenas quando as unidades habitacionais já estão prontas. (*Especial para O Hoje) 

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