Crianças cegas vencem barreiras

Na rede municipal de ensino há pelo menos 43 alunos com deficiência visual. Já na rede estadual, são mais de 200 estudantes

Postado em: 27-03-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Na rede municipal de ensino há pelo menos 43 alunos com deficiência visual. Já na rede estadual, são mais de 200 estudantes

Igor Caldas*

Ser portador de deficiência é um desafio para a vida. Independente de qual seja a deficiência, a pessoa também deve passar por todas as etapas que garantam o pleno direito do exercício à cidadania. É um desafio que é enfrentado diariamente. A alfabetização é uma etapa de aprendizado que garante direitos fundamentais e para pessoas cegas é um desafio ainda maior. Na rede municipal de ensino há pelo menos 43 alunos com deficiência visual. Já na rede estadual, segundo a secretária estadual de Educação, Fátima Gavioli, há mais de 200 alunos com falta ou privação total da visão. A rede estadual possui o apoio do atendimento especializado de mais de 60 professores com domínio de braile para auxiliar no aprendizado de alunos com deficiência visual.

Na escola Municipal Maria da Terra, no Bairro Floresta, em Goiânia, duas alunas cegas estão conquistando o sonho de aprender a ler e escrever sem enxergar. Ana Clara de Melo, de 6 anos, e Geovanna Veríssimo dos Santos Oliveira, de 7 anos, estão sendo alfabetizadas em Braille por meio do Método de Fragmentação da Palavra em Sílabas. Professoras auxiliam no ensino destas alunas com celas de braille feitas com materiais pedagógicos e bolinhas de gude. O processo de aprendizado é realizado em parceria com o Centro Brasileiro de Reabilitação e Apoio ao Deficiente Visual (Cebrav), que mantém convênio integral com a Secretaria Municipal de Educação e Esporte (SME).

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As alunas cegas da Escola Municipal Maria da Terra ainda estão cursando o 2º ano do Ciclo I, mas já estão conseguindo formar palavras, assim como os outros dez alunos da turma que estão em processo de alfabetização. “Elas chegaram meio travadas, e com o desenvolvimento um pouco abaixo do esperado para a idade delas. Mas nos últimos dois meses notamos um salto muito grande”, Explica a professora de Atendimento Educacional Especial (AEE) na Sala de Recursos, Cyntia Staciarim.

O Atendimento Educacional Especial feito na Sala de Recursos é oferecido para Ana e Geovana durante uma hora no período matutino por duas vezes na semana. As atividades são complementares ao ensino regular no período da tarde e ajudam as meninas a terem equidade com outros alunos dentro da sala de aula. Cyntia auxilia as alunas a terem os primeiros contatos com o braile através de livros, caixa de remédios e calendários que contém as inscrições das celas de braile em alto relevo.

“Elas ainda não têm a sensibilidade para reconhecer as celas do braile no tamanho pequeno convencional, por isso adaptamos o material pedagógico com bolas de gude e tampas de garrafa pet, para ir diminuindo as celas no decorrer do aprendizado até o tamanho ideal”, explica Staciarim.

A escola fez uma reorganização para recebê-las da melhor forma possível e adaptar-se às necessidades das duas alunas. A pedagoga Suzanny Resende, que está junto com as alunas todos os dias em sala de aula, confessa que sentiu um pouco de medo quando elas chegaram à escola, mas com a solidariedade de outros alunos, o processo tem corrido bem. “Os alunos acolheram muito bem as duas. Ajudam na hora do recreio, explicam as coisas, orientam, guiam. A maior dificuldade delas é sair da sala, mas sempre tem alguém junto e elas se resolvem muito bem. Ambas têm boa autonomia dentro da escola”, pontua a pedagoga.

Preconceito longe 

As alunas estão longe do preconceito dentro da sala de aula e a professora conta que elas surpreendem pela rapidez no processo de aprendizado. “É realmente um desafio diário, mas a parceria que temos aqui na escola, com o Cebrav e com as famílias, traz resultados bem positivos em todo o processo. Elas evoluem e nós também, como pessoas e profissionais”, diz Suzanny. A professora afirma ainda que aprendeu muito mais do que ensinou com o desenvolvimento das crianças. “Aprendi a vencer meus medos com o diferente e que o desenvolvimento do aprendizado não depende de barreiras. A evolução delas é surpreendente por que elas se mostram até mais interessadas no aprendizado do que os outros alunos que enxergam”.

As famílias também comemoram o sucesso do aprendizado e a solidariedade que as duas alunas cegas têm dentro da sala de aula. A mãe de Ana Clara, a confeiteira Cristiane Macedo Melo Silva conta que mora distante da escola, mas não mede esforços para que a filha evolua no aprendizado. “Moramos bem longe da escola, mas atravesso a cidade por ela, para ver o progresso dela. Estou muito satisfeita com o trabalho da escola. Gosto de ver o empenho das pessoas que trabalham aqui e tratam minha filha com tanta dedicação e carinho. Faço as tarefas de casa com ela e vejo o quanto ela já aprendeu. Me emociono com cada avanço dela”, Relata Macedo.

As duas alunas também estão muito felizes com a conquista diária de aprender e relatam que a ajuda dos amigos é muito importante. A influência e a solidariedade dentro da sala de aula alimentam o sonho das pequenas de também ajudarem as pessoas. “É muito legal. No início estranhei um pouco, mas agora gosto muito das minhas amigas. Acostumei e todos me ajudam. Fiz amizades com adultos e crianças, brinco bastante. O que eu mais gosto são as brincadeiras, corro, pulo, danço. Às vezes é difícil, mas é muito legal porque as tias me ajudam. Quando eu crescer, quero ser professora igual a elas”, diz Geovanna. Ana Clara também se orgulha das vitórias conquistadas na sua vida. “Aprendi o alfabeto. Faço Educação Física, aprendi a andar sozinha sem medo. Quando eu crescer, vou ser médica para cuidar das pessoas”.

As alunas fazem parte dos 18 educandos totalmente cegos matriculados na rede municipal de ensino. Ao todo, são 42 deficientes visuais, mas nem todos são totalmente cegos. Alguns possuem baixa ou perda gradativa da visão. A lei não garante o direito desses alunos a um cuidador, porque conseguem desenvolver atividades básicas como comer e ir ao banheiro sozinhos. Mesmo assim, a Prefeitura de Goiânia, por meio da parceria da Secretaria Municipal de Educação e Esporte (SME) com o Cebrav, tem oferecido atendimento para esses alunos cegos dentro das escolas e Centros Municipais de Educação Infantil (Cmei), além de capacitar servidores para lidar corretamente com esses alunos diariamente. 

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