Conheça o olhar do seu filho: a falta de contato visual é uma forte característica do Autismo

O Transtorno é incidente na maioria dos casos em meninos, e caracterizado inicialmente pela dificuldade nas interações sociais

Postado em: 02-04-2019 às 07h30
Por: Suzana Ferreira Meira
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O Transtorno é incidente na maioria dos casos em meninos, e caracterizado inicialmente pela dificuldade nas interações sociais

Suzana Meira

O Dia Mundial de Conscientização
do Autismo é celebrado nesta terça-feira (2) de abril. O Transtorno do Espectro
Autista (TEA), incidente na maioria dos casos em meninos, é assinalado por três
características principais: a dificuldade nas habilidades sociais, na linguagem
comunicacional e nos comportamentos repetitivos e geralmente são mais
restritos. Estes são fatores predominantes e fundamentais na identificação do
autista.

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De acordo com a Mestre em Neurociências
pela Universidade de Brasília (UNB), a Neuropsicóloga Marina Nery, o transtorno
do desenvolvimento neurológico acontece por influências genéticas e ambientais.
“Já se sabe que existe uma combinação entre elas. Algumas pessoas possuem a pré-disposição
para o transtorno, mas isso não significa que ela vai ter autismo. Em relação às
questões ambientais, estão ligadas a possíveis infecções, prematuridade, baixo
peso que também podem favorecer para aqueles que já têm o componente genético, mas
que também não são determinantes”, explicou.

Marina ressalta que o transtorno
acomete um índice muito alto quando se trata do sexo masculino. “A prevalência
é maior em meninos, alguns estudos estimam que uma a cada 160 crianças
apresentam o TEA. O índice é alto é altíssimo!”, pontuou.

Segundo a Mestre, os sinais mais
comuns nas crianças são as dificuldades na interação social e também costumam
ficar mais isoladas. “Um exemplo dessa falta de interação é quando um bebê tem dificuldade
em demonstrar o sorriso social. Já outros não conseguem o contato visual. São crianças
que acabam tendo dificuldade na comunicação. Com isso, acabam usando a
comunicação no sentido de conseguir algo que eles querem e não na troca de
informação”, comentou.

Além destes sinais, existem as
crianças que preferem ficar sozinhas. As que realizam a repetição de palavras, as
que dissertam frases sem nenhum sentindo e as que possuem interesses específicos
e comportamentos repetitivos. Estes também são fatores observados em um momento
de um possível diagnóstico, realizado por meio de observação de comportamentos
e a exclusão de alguns outros transtornos que não caracterizam o autismo.

“É importante observar se não se
trata de alguma dificuldade na linguagem ou comportamento, para depois verificar
se pode ser autismo. O diagnóstico clínico realizado precocemente permite uma
melhor possibilidade de intervenção na interação social e comunicação. Dessa
forma, permite um melhor prognóstico. Quanto mais precoce a descoberta, mais benefícios
essa criança pode ter”, garantiu. A Neuropsicóloga ressaltou, ainda, que na
maioria dos casos as crianças começam a dar sinais tardiamente, depois dos dois
anos e que é importante ficar atento aos sinais de alerta.

Marina explica que o autismo
possui também níveis de gravidade e outras associações médicas e de saúde que
podem agravar o quadro. “Temos os quadros mais leves, onde temos o desenvolvimento
e a independência. Eles conseguem trabalhar e viver tranquilamente. Os mais
graves, demandam maior cuidado e atenção: Eles podem ser acompanhados de outras
condições como o distúrbio do sono, convulsões, hiperatividade. Alguns podem
vir com deficiência intelectual. Essas condições vão agravando o quadro,
contribuindo de forma negativa para uma maior limitação”, comentou a Neuropsicóloga.

Os comprometimentos para quem tem
o TEA são diversos.  Dificuldades na
aprendizagem, atividades diárias como se vestir, pentear os cabelos, escovar os
dentes e até mesmo na tentativa de relatar alguma dor, ou incômodo. A especialista
alerta que essas dificuldades podem causar agitação e comportamentos mais
agressivos. “Dependendo da dificuldade, a criança acaba ficando mais agitada e
isso acaba sendo um desgaste de forma geral”, pontuou.

A Mestre ressalta que o tratamento
para o autismo é realizado de forma multiprofissional. “Essa equipe estará
pronta para lidar com cada sintoma citado anteriormente. Os atendimentos acontecem
de acordo com os sinais e dificuldades que a criança está apresentando. Geralmente,
esses atendimentos são realizados por musicoterapeutas, fonoaudiólogos,
psicopedagogas, entre outros.

Filho autista

Amanda Ferro, 33 anos, administradora
e mãe de primeira viagem, usava um aplicativo que relatava as habilidades que
as crianças vão desenvolvendo a cada mês de vida. “Eu acompanhava fielmente. Eu
até brincava falando que o app
era um guru, pois realmente acontecia conforme ele alertava. Mas, quando meu
filho estava prestes a completar um ano de idade, eu comecei a notar que ele
não imitava, por exemplo, os bichinhos, os sons dos animais. Na festa de um ano
dele, tentei ensinar o número um, a bater palma, e ele não conseguia fazer”,
relatou a mãe.

Amanda disse que em momento
nenhum pensou na possibilidade do filho Lucas Menezes Ferro, 3 anos, ter autismo.
“Eu tinha uma visão muito distorcida da criança autista, porém, comecei a
perceber que em alguns aspectos ele não estava alcançando o ritmo de outras
crianças. Isso para mim foi um alerta”, contou. A mãe comentou ainda que a
criança era muito brincalhona. “Hoje eu entendo que as brincadeiras dele não
eram lúdicas, era uma atitude funcional”, comentou.

Foi em 2017, durante uma conversa
informal com a pediatra do filho – que também é amiga de Amanda – que a
suspeita do autismo se confirmou. “Divulguei um vídeo do meu filho na minha
rede social, enquanto ele estava abanando a mãozinha. Depois disso, certo dia,
fui conversar com a pediatra dele sobre outro assunto e ela me fez duas
perguntas. A primeira: o seu filho está falando? Ele tinha um ano e quatro
meses na época. Falei: “não, está tentando”. Segunda: o Lucas olha nos olhos? Foi
nesse momento que cogitei a chance do meu filho ter autismo. Era umas das
poucas características que eu sabia que crianças autistas tinham, essa
dificuldade de olhar nos olhos”, contou.

Chorei 2017 inteiro

Amanda contou que foi a partir
desse momento que ela, juntamente com médicos, começaram a observar a situação
e pouco tempo depois já estavam realizando o tratamento precoce. “A confirmação do diagnóstico foi a notícia
mais difícil que eu já recebi na minha vida. Me lembro de parar por um momento
e buscar o ar, pois estava me faltando. Eu chorei o ano de 2017 inteiro. Eu
tinha medo de tudo! Não sabia o que ainda estava por vir. Começava a pesquisar
sobre o transtorno e ficava mais desesperada, pois existem níveis de autismo e
eu não sabia onde o meu filho se encaixava. Foi um período muito angustiante e
de muita dor”, relembrou.

Apesar de tantas mudanças em tão
pouco tempo, Amanda conta que passou a entender tudo de uma forma mais
positiva. “Depois de tudo isso a gente consegue discernir, encontrar a paz novamente
e saber que tudo tem propósito. Eu me redescobri depois de tanto sofrimento”,
enfatizou.

“Hoje eu tenho discernimento! Recebi
muitos conselhos de como eu poderia agir, mas hoje eu sei em qual estado meu
filho se encontra e o que ele precisa. Sei ensinar, consigo ver momentos
terapêuticos em todo lugar. Seja apertando o botão de um elevador. Assim, eu estou
trabalhando com ele questões de comando e ensinando os números. A gente não tem
essa consciência, mas demanda muito. Por exemplo, apertar o 4º andar. Ele tem
que saber o que é apertar, tem que saber o que é o numero 4. Quando a gente
suspeitava do diagnóstico, se caísse algo no chão e eu pedisse pra ele pegar,
ele não sabia o que era “pegar” nem  o
que era a chave. Ele não seguia nenhum tipo de comando. É um trabalho que você
não imagina” ressaltou orgulhosa de sua compreensão e capacidade de ensinar o
pequeno Lucas.

Amanda conta ainda que depois do
nascimento do filho teve que abdicar do trabalho, mas ressalta que toda a
família apoiou a causa. “Eu parei de trabalhar assim que ele nasceu. Não temos
família aqui no estado. Moramos em Trindade e todas as terapias são em Goiânia,
fazemos de segunda a quinta. Durante as manhãs ele está na escola e é nesse tempo que
posso me cuidar também. À tarde, eu foco em ensinar ele a fazer alguma coisa”,
explicou.

Durante a entrevista, a mãe
contou sobre a complexidade de manter todas as áreas da vida em ordem e ressaltou
a importância de se cuidar. “É muito difícil, a gente deixa de se cuidar um
pouco, mas temos que ter um carinho pela gente. Fazer algo que deixa a gente
feliz! Só assim conseguiremos cuidar melhor da nossa criança, do lar e também
do marido.”

Lucas, cursa atualmente na escola
o “Infantil 1”. Além disso, tem uma professora de apoio. De acordo com a mãe, é
realizado um investimento na profissional, pois ela fica cerca de quatro horas
por dia com a criança. “Nós investimos muito na capacitação dela. De 15 em 15
dias ela se encontra com a psicóloga do Lucas. Diariamente ela também escreve sobre as
dificuldades dele e o que ele tem melhorado para que a gente possa trabalhar em
casa e nas terapias. A fonoaudióloga dele também vai à escolinha para estimular
a fala dele, que tem começado a se desenvolver, graças a Deus!”, ressaltou.

‘TEAmamos’

É um projeto voltado para as famílias,
educadores e profissionais que convivem com crianças e adolescentes que possuem
o Transtorno do Espectro Autista (TEA). O termo ‘TEAmamos’ nasceu em decorrência da experiência da família com a criança
autista. Segundo Amanda e Danilo Ferro, os pais de Lucas, eles tem o compromisso de compartilhar amor
com todos que chegam até eles na mesma condição. “Depois do diagnóstico do nosso
filho, sentimos muito em nossos corações em querer fazer algo pelas famílias,
mas não sabíamos o que poderíamos fazer. Conhecemos algumas pessoas e elas hoje
fazem parte do projeto”, explicou.

Por meio dele, são oferecidos
informações sobre o transtorno, explanadas por profissionais gabaritados e com
vivência na área, aliada a prática para que os participantes saibam aplicar o
que aprenderam. A iniciativa disponibiliza também eventos que conscientizam,
informam e desconstroem os pré-conceitos sobre o tema.

‘TEAmamos’ conta com a parceria
de quatro mulheres, que foram fundamentais para a execução do projeto. Além de
Amanda, estão presentes também, Carla Lacerda, jornalista e mãe de uma criança
autista; Gabriela Ribeiro, psicóloga e terapeuta e Viviane Karla Braga, psicomotricista.
“Temos algumas frentes de trabalho atualmente. A primeira é a capacitação dos
pais, voltada para a família. Assim, podemos ensinar eles como lidar com essas
crianças, e como trabalhar com elas em casa. O nosso trabalho visa também
à transformação social. Quem tem condições de ajudar com as despesas pagam R$
25, que são destinados a questões organizacionais e administrativas, quem não
tem como arcar com o valor, nós suprimos por conta própria”, explicou.

Além disso, o projeto conta
também como uma exposição fotográfica que revela momentos dessas crianças
autistas. “Existe um pré-conceito estabelecido pela sociedade, que
acredita que a criança autista é aquela que gosta de ficar no canto, que não
brinca e não se diverte. Por isso a ideia da exposição! Tiramos fotos delas em
um momento de alegria e diversão para quebramos esse paradigma. Assim,
mostramos que elas têm um jeito diferente de entender o mundo e o cotidiano”,
ressaltou. A exibição das fotografias já percorreu diversos shoppings da
Capital e atualmente está disponível para visitação no shopping Bougainville,
em Goiânia.

Para mais informações sobre o projeto
clique aqui.

 

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