Cresce procura de peixe no período da quaresma

A penitência neste período é uma forma de fortalecer a vida espiritual

Postado em: 12-04-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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A penitência neste período é uma forma de fortalecer a vida espiritual

Igor Caldas*

Para os cristãos, o período que se inicia na Quarta-Feira de Cinzas do Carnaval até o feriado de Páscoa é chamado de Quaresma. A penitência neste período é uma forma de fortalecer a vida espiritual. Isso se reflete na abstenção do consumo de carne vermelha, principalmente na quarta e na sexta-feira que antecedem o feriado da Páscoa. Muitas famílias diversificam o cardápio na mesa e o peixe passa a ser a opção principal na alimentação. É a oportunidade de consumir esse alimento magro e rico em nutrientes. Donos de peixarias esperam um aumento de 100% nas vendas, nos próximos dias. 

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De acordo com a nutricionista Suzy Darlen Soares, nós devemos comer em média um bife de carne em cada refeição, mas o peixe pode substituir essa necessidade. “É lógico que vai variar a questão de individuo para individuo a quantidade de carne por que depende de atividade física e dos dados particulares de cada um como peso altura idade e a necessidade fisiológica do momento que ele esta vivendo”, pondera Darlen.

A nutricionista também afirma que o peixe é um alimento que previne doenças cardiovasculares e existem estudos que comprovam que ele também combate o Alzheimer. Isso por ser um alimento rico em gordura boa, com alto teor de ômega 3. Além disso, ele proporciona absorção de proteína com alto valor biológico. Ela alerta que a procedência do alimento é fundamental para que essa substituição seja efetiva.

“Se é um peixe do mar, é melhor. Mas se é um peixe de criatório que tem alto teor de gordura saturada, esta substituição não é muito eficiente”, pontua. Suzy também explica que a forma como o peixe é preparado também influencia na absorção de nutrientes. É preferível que o preparo do alimento seja feito sem adição de óleo.

A única peixaria do Mercado Central de Goiânia estava recebendo um cliente atrás do outro nesta quarta-feira para suprir a necessidade do jejum de carne vermelha, na Quaresma. O gerente da peixaria, Wallace Messias da Silva, já se preparou para o aumento do movimento no estabelecimento. Segundo ele, só nesta semana a procura pelo peixe aumentou em 60%. “Já está tudo preparado para as vendas desse feriado. Cortamos os peixes embalamos e congelamos. A maior procura está sendo pelo pintado e o camarão”, afirma Wallace. A expectativa é que o movimento de vendas na peixaria aumente em até 100% na próxima semana.

Messias afirma que no ano passado o movimento para a compra de peixes estava maior. Carnes de forma geral, é o alimento mais caro comprado no mercado, o peixe ainda tem o valor mais elevado que a carne bovina, suína e de frango. Wallace acredita que a situação econômica que enfrentamos atualmente seja o motivo para a diminuição da procura. O casal Gersimon Antônio dos Santos e Silma Maria de Queiroz estavam fazendo as compras para o almoço da sexta feira da paixão. Eles compraram carne de pintado e camarão. O almoço promete agradar todo mundo, pois na família de Silma, de quatro pessoas, todos comem peixe e camarão. Apenas a sogra de Gersimon não come peixe, mas ela não estará presente na reunião por que mora em outra cidade.

Maria Eli de Sousa tem 85 anos e está apostando no pintado para fazer uma moqueca de peixe no almoço da Sexta Feira da Paixão. Ela vai cozinhar para três pessoas. Além de seu marido, a pessoa que trabalha como doméstica em sua casa também foi convidada, mas todo o trabalho será por conta de Maria Eli. Sua empregada não trabalhará no feriado. Amanda Baptista é Chef de Cozinha e também trabalha como professora nos cursos de gastronomia do Senac em Goiânia. Ela dá dicas de alimentos que harmonizam perfeitamente com peixe para a preparação dos alimentos neste feriado.

“O negócio do jejum na Quaresma é que ele impede o consumo de animais de sangue quente. Que no caso são praticamente todos, menos o peixe. Por isso que quando a gente vai dar uma olhada em receitas de Quaresma, tudo envolve peixe ou as receitas vegetarianas que obviamente não entram nenhum tipo de carne.  A sugestão que dou a respeito de harmonização de ingredientes é que peixe combina com praticamente tudo, mas ele fica perfeito com vegetais em geral”, afirma Amanda.

Combinações

Baptista sugere que o peixe combina com aspargo, cenoura e qualquer tipo de vegetal. Um diferencial pode ser o alho poró que é um ingrediente pouco usado aqui, mas é um vegetal que dá uma riqueza no prato, além de sabor e diferente para dias de comemoração. A sugestão é fazer um “mix” de vegetais e jogá-los na frigideira com um pouco de alho para produzir um prato bem colorido. Baptista também cita um diferencial mais “chic” no preparo do peixe assado.

Para impressionar, o peixe assado pode ser feito com crosta de sal grosso. Ele deve ser comprado inteiro e ser envolvido por uma mistura de sal grosso com clara de ovo para ser levado ao forno. Depois é só quebrar a crosta para servir. O prato fica super bonito”, sugere Amanda. 

A chef dá dicas de substituição do peixe em pratos da Quaresma, é a famosa moqueca de banana-da-terra. Ela pode ser preparada da mesma forma que a moqueca tradicional, com pimentão, cebola, tomate, óleo de dendê e leite de coco. Mas há um truque para deixar o prato vegetariano com um “gostinho de mar”, a banana deve ser envolvida com alga nori, o ingrediente que é usado no preparo de sushi da comida japonesa. “Fica muito gostosa essa moqueca, tem gente que até não sendo vegetariana, acha melhor essa moqueca do que a moqueca tradicional de peixe”, promete a chef.

Tradição

A tradição do jejum surgiu na Idade Antiga e se consolidou na Idade Média. Neste tempo, as pessoas eram muito humildes e raramente provavam carne. A maior parte do povo vivia em terras alheias e a carne vermelha era reservada para ser consumida apenas em banquetes, nas cortes e nas residências dos nobres. Portanto, ela se tornou o principal símbolo da gula e foi associada ao pecado. Por isso, a Igreja liberava os fiéis para comerem carne à vontade antes da quaresma. Isso deu origem aos grandes banquetes chamados “carnevale” e posteriormente ao nosso carnaval. Passado este período a igreja proibia o consumo de carne durante os 40 dias que antecediam a Páscoa. O peixe não entrava na lista da abstinência porque sua presença era irrelevante dentro dos banquetes medievais.

Com o passar dos séculos, a carne deixou de ser um alimento escasso e acabou perdendo seu caráter simbólico de pecado. A orientação atual é que os católicos que desejarem, se abstenham da carne na Quarta-Feira de Cinzas, nas sextas-feiras da Quaresma e na Sexta-Feira Santa. Pessoas com enfermidades, idosos e crianças são isentas dessa orientação religiosa.

Outras Religiões

O Brasil é predominantemente católico, no entanto, é um país de extrema diversidade cultural e há também a prática de outras religiões como o budismo, islã, religiões de matriz africana, entre outras. Apesar de não fazer parte do Cristianismo, o Candomblé, a Umbanda que é uma religião brasileira, o Catimbó e a Jurema também tem práticas relacionadas ao período da Quaresma. Muitos terreiros e centros espíritas dessas vertentes fazem a paralisação dos trabalhos religiosos no dia da Sexta-Feira da Paixão e até podem estender essa paralisação por sete, 15 ou 40 dias (mesmo tempo da quaresma).

De acordo com um artigo publicado pela Universidade Federal de Pernambuco, apesar dessa prática ainda gerar opiniões divergentes dos adeptos, ela cai como uma luva no período de maior restrição próprio dos dias que antecedem o Domingo de Páscoa. Esse emparelhamento leva a maior parte dos adeptos das religiões de matriz africana entender a paralisação dos trabalhos como uma antiga forma de respeito à religião do outro. Zelismar Pereira, dirigente do Centro Espírita Miguel Arcanjo, localizado no Setor Leste Universitário em Goiânia, a pausa dos trabalhos representa exatamente isso. Não haverá trabalhos religiosos neste centro no feriado da Sexta-Feira da Paixão.

“A Semana Santa é de tradição católica. Nosso país é laico, mas em respeito a essa religião, algumas casas não fazem trabalhos na Sexta-Feira da Paixão. Para nós, é a forma de demonstrar respeito por todas as crenças religiosas. A Umbanda é respeito. E mesmo que nós não sejamos valorizados da mesma forma que as outras religiões, o nosso lema é respeito a todos, pois não somos melhores que ninguém, somos iguais”, afirma Zelismar. (*Especial para O Hoje)

 

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