Caçambas fazem descarte ilegal de lixo

Segundo a AMMA a maior parte do descarte de lixo ilegal é feito por empresas de coleta de entulho

Postado em: 22-04-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Segundo a AMMA a maior parte do descarte de lixo ilegal é feito por empresas de coleta de entulho

Igor Caldas*

De acordo com o último levantamento, são gerados aproximadamente 7.859 toneladas de entulho diariamente em Goiás. Este número representa mais da metade de todo lixo produzido no Estado. Na cidade, a geração de lixo é cotidiana. Mas a invisibilidade do tema apaga também a noção sobre o enorme volume que é produzido todos os dias. Grande parte desses resíduos são abandonados de forma criminosa pela cidade e acabam sendo carregados pela chuva para os rios que abastecem nosso Estado. A maior parte do descarte ilegal de entulho é feito por empresas de caçamba que deveriam custear o direcionamento dos resíduos para o aterro sanitário, mas preferem descartá-los em qualquer lugar.

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Segundo o fiscal ambiental da Agência Municipal do Meio Ambiente (AMMA), Diego Moura, o descarte ilegal de entulho acontece principalmente em áreas de proteção ambiental por que normalmente são locais mais afastados e com vegetação que podem encobrir a ação dos criminosos. A proximidade destas áreas com cursos d’água faz com que esse material acabe parando nos rios, causando a poluição e assoreamento que podem comprometer de forma irreversível o abastecimento hídrico da Capital.

Para Moura, as empresas despejam os resíduos em pontos de descarte ilegal para burlar o sistema, cortando gastos com o descarte correto dos resíduos sólidos de construção civil. Eles devem pagar uma taxa ao aterro sanitário para deixar o lixo no local.  “Percebemos que empresas de caçamba de lixo despejam o lixo de forma criminosa para não terem o custo de descartar de forma correta. Muitos cidadãos também fazem o descarte ilegal, mas podemos dizer que o maior volume de entulho descartado é proveniente das empresas que tentam burlar a lei. O cidadão contrata o serviço achando que elas estão fazendo o trabalho correto, a coisa certa, mas na verdade estão praticando um crime ambiental grave”, afirma o Fiscal.

Diego Moura diz que o descarte ilegal de lixo consiste em crime ambiental previsto por lei e gera um auto de infração pesado, além da apreensão do veículo que for flagrado descarregando lixo. Segundo o fiscal ambiental, o crime cometido pelas empresas definitivamente não compensa. A multa pela infração varia de R$5 mil a R$50 milhões. “O descarte ilegal não compensa para o proprietário de empresa de coleta resíduos. Compensa muito mais fazer a destinação correta do entulho. Para recuperar o veículo apreendido, é necessário pagar a multa. Nos casos em que houver reincidência, dentro do processo administrativo, o proprietário pode perder o bem. O veículo pode passar a ser usado pela prefeitura. É algo sério que causa um  dano ambiental gigantesco”.

Fiscalização

Por meio de uma pesquisa, o Professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Goiás, Camilo Vladimir de Lima constatou grande quantidade de entulho no leito de alguns pontos do Rio Meia Ponte. O curso de água é responsável por 58% do abastecimento hídrico da Capital. Ele afirma que a Agência Municipal do Meio Ambiente está ciente do problema, mas  enfrenta dificuldades para o controle deste crime ambiental que é muito recorrente.  “O problema é que a AMMA acaba tendo poucos recursos para fiscalização desse crime. Eles deveriam ter mais investimentos públicos pra que pudessem ter mais fiscais, mais carros, mais equipamentos, e um sistema informativo de controle dos pontos de descarte. Com o uso de imagens de satélite, por exemplo”, denuncia Camilo.

Para o acadêmico, faltam recursos públicos para que a fiscalização de crimes ambientais seja feita de forma efetiva. “A questão ambiental na política como um todo acaba ficando muito na retórica, mas na hora de equipar a ferramenta do estado para controlar e fiscalizar, não conseguem. Muitos técnicos e fiscais estão comprometidos com a questão, mas não tem os recursos suficientes para realizar o trabalho da forma como deveria ser feito”, pontua.

Outro problema relatado por Camilo sobre a questão da geração de entulho está na forma como as obras são feitas no Brasil. “A gente tem um problema que o sistema construtivo difundido no nosso país é pouco racional. Aqui, é realizado o processo construtivo de forma muito artesanal e pouco industrial, isso acaba gerando muito lixo”, afirma o professor. Para ele, também faltam políticas públicas de incentivo para obras produzirem menos entulho.

Moura afirma que a vigilância dos pontos de descarte ilegal deve ser constante. Segundo ele, basta o sol raiar no dia seguinte à retirada dos resíduos feita pela Companhia de Urbanização de Goiânia (COMURG) que o crime volta a acontecer. A reportagem esteve em um ponto de descarte ilegal de entulho no Setor Perim, dentro de uma Área de Preservação Ambiental Permanente (APP) ao lado do córrego Anicuns. A quantidade de lixo  de diversos tipos era impressionante, mas o maior volume encontrado foi o  de resíduo sólido de construção civil. O local é alvo de operações toda semana. Os fiscais e os policiais à paisana permanecem na área para realizarem o flagrante, principalmente à noite.

Segundo Diego, a Comurg esteve realizando o trabalho de retirada de todo lixo no local há apenas dois dias antes da chegada da reportagem. “Há dois dias atrás, a Comurg tirou todo lixo que estava aqui. Mas os caras sempre voltam e despejam mais porcaria. Perto do que já vimos por aqui, a situação ainda está tranquila. Na última vez, flagramos material de lixo hospitalar. Seringas, agulhas sujas de sangue e outros materiais com alto risco de contaminação”. Moura alerta para a proximidade deste tipo de material do córrego que deságua no principal rio que abastece a Capital. Ele também lamenta sobre o tamanho da irresponsabilidade das empresas e hospitais que fazem o descarte ilegal nestas áreas.

O fiscal ambiental relata que a maior dificuldade de coibir o crime está na insistência do uso destes locais para realizar o descarte, mas considera que as operações realizadas pela fiscalização da AMMA tem sido exitosas. Apenas nos três primeiros meses do ano, 18 veículos foram apreendidos e multados realizando descarte ilegal de resíduos. No último ano foram  46 caminhões de empresas de caçamba apreendidos. Diego relata que uma das estratégias para coibir esse crime ambiental de forma efetiva está no investimento em tecnologia.

“A maior dificuldade é a reincidência do crime nestes locais. Pensando nisso, nos pontos mais críticos de descarte estamos elaborando a instalação de câmeras de monitoramento para que o fiscal possa autuar com base naquilo que for filmado. Isso será uma forma de otimizar o trabalho do fiscal e proteger a área. Nossa ação se dá com base no flagrante para podermos tomar as medidas administrativas cabíveis”, relata Moura. Segundo o fiscal, o projeto das câmeras de vigilância está em fase orçamentária. 

Outro grande problema relatado pela AMMA nas operações contra este crime ambiental foi a questão da segurança dos fiscais. “Já tivemos casos de funcionários de empresas de caçamba jogarem o caminhão em cima dos fiscais, podendo causar uma tragédia na operação. Por isso, foi feito um convenio com o batalhão ambiental da policia militar para oferecer suporte nas apreensões dos veículos. É uma forma que temos buscado de trabalhar, evitando transtornos maiores à integridade dos fiscais”, afirma o fiscal.  

Rio Meia Ponte sofre com invisibilidade social  

Para o Coletivo Meia Ponte, a origem de todos os problemas que acometem o principal rio que abastece a Capital está ligado à questão de sua invisibilidade social. Jéssica Vasconcelos, estudante de arquitetura que integra o coletivo explica que essa questão vai muito além da visibilidade física do rio. “Percebemos que o cerne de todos os problemas seria a questão da invisibilidade. Mas, ela está ligada à falta de desenvolvimento do olhar para o rio. Que tem a ver com o sentimento, a memória e a história da cidade, não só a questão de estar andando na cidade e não conseguir ver o rio. Muitas pessoas enxergam as canalizações de infraestrutura como esgoto e não pensam que aquilo pode ser um córrego que faz parte da bacia de abastecimento da cidade”.

Pensando nisso, o Coletivo Meia Ponte tem o objetivo de levantar e discutir questões sobre impactos gerados pela cidade no Rio Meia Ponte a partir da realização de estudos, oficinas e palestras. O trabalho é realizado em prol de criar uma visão da natureza como ferramenta de integração social, buscando intervenções que revitalizem e confiram visibilidade ao rio no contexto urbano, em aspectos físicos, sociais e espaciais. Para eles, além da necessidade de recuperação física e ecológica, é preciso uma reconfiguração e integração das margens do rio à logística metropolitana para buscar uma simbiose entre o Meia Ponte e a cidade. 

O coletivo surgiu a partir de uma disciplina do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Goiás e tem as ações do grupo coordenados por professores da universidade. Jéssica conta que o coletivo publicou um livro a partir do desenvolvimento do tema do principal rio da Capital. “Conseguimos fazer levantamentos de todo rio em Goiânia. Levamos em conta não só aspectos técnicos, mas também uma questão sensorial que diz respeito as nossas sensações durante a visita dos locais. Conversamos com pessoas que vivenciam o rio cotidianamente e lembram de como ele era durante o início da ocupação da cidade”.

O livro também contém levantamento de dados sobre a extensão urbana do curso d’água na Capital. Foram escolhidas cinco áreas de atuação para a o coletivo desenvolver projetos de intervenção urbana que pudessem colaborar com a preservação do Meia Ponte. (*Especial para O Hoje) 

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