Reféns da insegurança nas ruas

Levantamento aponta que ocorrem, em média, 50 roubos e furtos por dia na Capital

Postado em: 16-07-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Levantamento aponta que ocorrem, em média, 50 roubos e furtos por dia na Capital

Igor Caldas

Especial para O Hoje

De acordo com os últimos dados estatísticos divulgados pela Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO), Goiânia tem tido números assombrosos de roubos e furtos nos últimos anos. Segundo o número de ocorrências mostrados pela SSP-GO desde 2017,  acontecem em média 50 roubos por dia nas ruas da Capital. A maior parte dos objetos furtados e roubados foram telefones celulares e smartphones. Eles correspondem a 58,3% do total de ocorrências de roubos e furtos registrados entre janeiro de 2017 e junho deste ano.

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Somente até o mês de junho deste ano, foram 9007 ocorrências de roubos e furtos de celulares e smartphones. O número é ligeiramente menor do que as mesmas ocorrências do mesmo período do último ano. Isso significa que a política de combate a esses tipos de crimes não tiveram resultados expressivos nos últimos três anos. Na opinião do Policial Rodoviário Federal, membro do Fórum Nacional de Segurança Pública, Fabrício Rosa, esses números são altíssimos. 

Além disso, Fabrício alerta para um fator de correspondência entre os dados e a realidade que é ainda mais preocupante. “O problema é que sempre houve uma sub notificação muito grande em relação aos crimes patrimoniais. Muitas pessoas que são vítimas desse tipo de crime não fazem o Boletim de Ocorrência e por isso a ação dos ladrões não entra para as estatísticas. Pode-se considerar pelo menos o dobro de furtos e roubos registrados na Capital”. Por esse caminho, a média do número de furtos e roubos por dia em Goiânia poderia subir para 100 nos últimos 2 anos até junho deste ano. 

O produtor Cultural Richard Augusto já foi roubado três vezes esse ano. Na ocasião de todos os assaltos que sofreu, ele estava andando a pé. “Eu praticamente uso a caminhada como meio de transporte. Não gosto de pegar ônibus e minha vida inteira andei a pé por Goiânia. Sei que nunca vou comprar um carro. Mas de um tempo para cá, a situação está tensa. Sempre me senti à vontade na rua e nunca tive medo de andar por aí. Agora estou tendo”, afirma.

Além de ser produtor cultural de shows e eventos direcionados ao público underground da cidade, Richard trabalha em bares do mesmo gênero. Por isso, sua rotina é noturna. De acordo com o último levantamento de ocorrências divulgado pela Secretaria de Segurança Pública de Goiás, o maior número de ocorrências está registrado na madrugada, entre às 5h e as 8h da manhã e à noite, entre as 18h às 22h.

Assaltos na noite

Morador do Setor Central, o primeiro assalto que o produtor sofreu foi em março deste ano. Ele estava voltando para casa a pé de um bar na mesma região de Goiânia. Por sorte, ele não estava portando telefone celular que foi exigido na voz de assalto, mas o ladrão levou o dinheiro que ele tinha no bolso. O criminoso também estava a pé e o ameaçou com uma faca. Richard não reagiu e entregou tudo que tinha no bolso. Ele não estava portando documentos.

“Eu estava com pouco dinheiro na hora. Eram uns vinte e poucos reais. Hoje em dia ninguém anda com dinheiro no bolso. A situação econômica que a gente enfrenta hoje fez o dinheiro sumir  do povo”. O fato de não terem roubado seu telefone celular desta vez, permitiu que ele continuasse a trabalhar como produtor, já que a ferramenta é essencial para estabelecer contatos de apoiadores, colaboradores e realizadores dos eventos.

Da segunda vez que ele foi vítima de um assalto  levaram seu celular, mas o produtor conseguiu recuperá-lo com a polícia. Richard relata que o crime ocorreu de madrugada no Setor Leste Universitário, próximo ao CEPAL do Setor Sul, quando estava saindo do expediente de um dos bares que trabalha na região. Ele estava andando a pé novamente e após cruzar o viaduto que fica sobre a Marginal Botafogo, foi parado por um carro. 

Um homem armado de dentro do veículo roubou sua bolsa com todos seus pertences. “ Eu estava saindo do bar onde trabalho, próximo a ponte do Cepal. Daí, parou um prisma prata e o passageiro meteu a arma na minha cara. Eu dei minha bolsa e ele arrancou o celular com o mísero dinheiro que eu tinha, jogou a bolsa na rua e falou que aquilo era coisa de viado. Eu saí vazado, mas isso não impediu de continuar minha noite”.

Na volta para casa, Richard encontra o mesmo carro que realizou o assalto em uma batida policial na Avenida 10. Segundo a vítima além das pessoas do carro, haviam pelo menos mais uma dezena de pessoas em situação de rua sendo revistadas pelos policiais. O produtor se aproximou dos policiais para alertar que havia sido roubado por um dos suspeitos, mas o despreparo dos PMs fez com que ele também fosse para a parede para ser revistado. 

“Na volta pra casa, próximo à ponte da dez, duas viaturas, o tal do carro parado e uns dez moradores de rua no baculejo. Cheguei falando que fui assaltado, reconheci o cara, mas nem adiantou: fui pro baculejo também. Até eu conseguir provar, por senha do aparelho, fotos e tudo mais que o celular era meu, cheguei em casa depois das seis da manhã”, lembra Richard.

A terceira vez que foi assaltado, foi também na região central, na Avenida 84. Na ocasião, ele foi roubado por uma pessoa que estava a pé. Alguns dias depois fizeram contato com ele por meio de redes sociais, para afirmar que o celular foi achado pela polícia. Ele foi até a delegacia e o portador do aparelho já não era o mesmo que assaltou. No entanto a polícia ficou com o celular. Eles alegaram que não devolveriam o aparelho porque Richard não possuía mais sua nota fiscal.

 

População de Rua é vítima do preconceito 

Para Richard, a atual piora da situação de insegurança tem forte ligação com a desigualdade no país. Segundo última pesquisa do estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE), no primeiro trimestre desse ano, os índices de desigualdade de renda nunca atingiram um valor tão alto desde o começo da série histórica de 2012. Além disso, o estudo aponta que a desigualdade vem crescendo desde 2015.

A situação cria condições favoráveis para o aumento de roubos, furtos, crimes violentos, aumento da população de rua e todas as questões que podem levar os cidadãos a encarar suas dificuldades de forma desequilibrada. Para Eduardo Matos, integrante do Movimento Nacional de População de Rua a situação poderia ser diferente houvessem políticas públicas direcionadas à população mais vulnerável.

“A desigualdade é crescente no país por ausência de políticas públicas ao longo do desenvolvimento das pessoas de uma forma geral. Não temos educação pública de qualidade, não temos habitação de qualidade a renda da população é baixa. Um desenvolvimento ideal com qualidade, com educação de qualidade, possibilita que as pessoas mantenham o equilíbrio ao lidarem com suas dificuldades ao longo da vida”.

O integrante do Fórum Nacional de Segurança Pública, Policial Fabrício Rosa, concorda que os índices altos de criminalidade não podem estar dissociados da situação social catastrófica do país. “É claro que esses números tem relação com as dificuldades que temos enfrentado na questão social do Brasil. Somos 13 milhões de desempregados.

Eduardo Mota, ressalta que normalmente, por preconceito, a população de rua é criminalizada. Inclusive, isso pode ser ilustrado pelo número de pessoas em situação de rua na batida policial que Richard participou. Haviam pelo menos dez pessoas em situação de rua sendo revistadas, mas quem havia levado seu celular foi o homem que dirigia um carro de classe média.

O estigma e o preconceito social quer afirmar que todo mundo que mora na rua é ladrão. Mas no último estudo realizado com essas pessoas revela que 80% dela é constituída de trabalhadores que desenvolvem alguma atividade não remunerada. Como vigiar carro, limpar parabrisas, catar material reciclável, pela ausência de políticas públicas de trabalho que contemplem essas pessoas. Muitos são egressos do sistema prisional, aí fica muito fácil apontar o dedo e criminalizar”, afirma Eduardo. 

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