Segunda-feira, 22 de julho de 2024

Podem secar 90% das nascentes de Aparecida

De acordo com a Defesa Civil de Aparecida de Goiânia, 90% das nascentes dos mananciais correm risco de secar. Foto: Wesley Costa

Postado em: 23-08-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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De acordo com a Defesa Civil de Aparecida de Goiânia, 90% das nascentes dos mananciais correm risco de secar. Foto: Wesley Costa

Igor Caldas

Há 19 anos, o que encantou José Augusto Pereira Lustosa em sua propriedade adquirida no Setor Colonial Sul em Aparecida de Goiânia foi a abundância de água que brotava de várias nascentes do Córrego Santo Antônio na região. Hoje o que se tem em seu quintal é apenas uma vala cheia de lama. De acordo com o agente da Defesa Civil do município, técnico ambiental e ativista, Juliano Cardoso, 90% das nascentes dos córregos de Aparecida de Goiânia estão em situação de precariedade e correm risco de morrer.

“A nascente morreu a partir do momento em que as casas foram construídas na avenida onde fica sua propriedade. A erosão que você vê aqui na frente sempre existiu, mas tinha uma água que minava dali. Essa mina ficava até o mês de agosto ou setembro. Quando autorizaram as construções, há 3 anos, jogaram entulho dos lotes no lugar onde a enxurrada descia. Veio a chuva e espalhou a água, assoreando tudo e matando a nascente que secou completamente”, afirma o morador do Colonial Sul.

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José Augusto ainda relata que, no início da erosão, foram depositados cerca de cinco caminhões com quinze toneladas de entulho cada um. “Depois, jogaram umas pedras menores e terra para não comprometer a nascente. Mas mesmo assim ela desapareceu”, explica o morador. O presidente da associação de moradores do bairro, Cristiano Pereira, conhecido como Zói, tem recordação da época em que a água era farta na região. Ele nos levou até um ponto de descarte ilegal de resíduos em outro ponto de nascente do córrego na Avenida Rio Branco.

“Eu moro na região há 37 anos. Em termos de água, aqui era muito bom. Para você ter uma ideia tinha até criatório de jacaré. Hoje acabou tudo. O mais triste é que a própria população vem aqui e descarta o lixo, cachorro morto, entulho e o córrego acaba virando um grande lixão em forma de vala”, lamenta Cristiano Zói.

Juliano fala que a ação do homem nesses locais pode trazer avanços para a população, mas carrega com ele prejuízos ambientais irreversíveis. “A ação antrópica nessas áreas pode impactar positiva e negativamente. Todas as nascentes dentro do perímetro urbano correm risco de morrer por causa dos avanços imobiliários. Temos oito mananciais mortos, totalmente sem água, secos. Temos umas 15 nascentes que também estão na sua falência total e todas as outras que estão sofrendo com essas mudanças”.

O ambientalista afirma que se esses benefícios não vierem acompanhados de uma série de medidas mitigadoras para compensar os impactos ambientais os mananciais que abastecem a Região Metropolitana de Goiânia podem ser extintos. “Um manancial extinto é igual a você não perder a garantia de vida para toda a população que é banhada por ele. Se um deles morrer, compromete vários outros porque eles se alimentam do primeiro”.

Ele ressalta que sem água, toda região está condenada. “Esse falso progresso vai condenar nossas próximas gerações a viver em uma região desértica e sem empregos. Indústria nenhuma quer se instalar onde não há água. Eu faço apontamentos técnicos sobre a situação ambiental do crescimento urbano que não são obedecidos. Uma série de critérios precisam ser observados para a pavimentação das ruas próximas dessas nascentes, por exemplo. Todos esses mananciais prestam serviços ambientais à coletividade”.

Problema antigo

O Secretário do Meio Ambiente de Aparecida de Goiânia, Claudio Everson, alerta que a degradação nas nascentes dos mananciais do município é um problema antigo. “As nascentes dos córregos de Aparecida pedem socorro. Isso não vem de agora. Há décadas a própria população vem degradando essas áreas. Infelizmente, é muito comum avanços imobiliários em Áreas de Preservação Permanente (APA) no município. Há nove anos estamos à frente da Secretaria. Uma das primeiras preocupações é mapear o georeferenciamento de todas as áreas ocupadas irregularmente”.

O Secretário afirma que a Prefeitura tem trabalhado no sentido de identificar as áreas urbanas irregulares em APAs para remover os ocupantes de lugares proibidos em trabalho conjunto com a Secretaria de Habitação do Município, mas que a estrutura Municipal não é suficiente para cumprir o trabalho de recuperação e fiscalização das nascentes. “Pelo nível da degradação ambiental, a quantidade de pessoas envolvidas no processo sempre será pouca. A estrutura municipal não é suficiente para trabalhar sozinha, a sociedade precisa mudar”.

No entanto, Cláudio reitera que a fiscalização é obrigação do município e da administração pública, mas em determinados lugares as responsabilidades vão ter que ser divididas com outros setores. “Para isso estamos fazendo parceria com o Batalhão de Bombeiros Militar Mirim, com a Guarda Mirim, com instituições de ensino superior, Organizações Não Governamentais e a sociedade civil para que possamos juntos resolver um problema que não é de agora”, explica.

O Secretário conclama a participação de todos na ação ambiental integrada para a operação de limpeza do trecho mapeado do Córrego Santo António no dia 30 de agosto. “Vamos começar a fazer o mutirão de limpeza nas nascentes e vai envolver todo o Corpo de Bombeiros, Bombeiros Mirins, associações e a população da região. Toda a sociedade civil está convidada a participar”.

Ele esclarece que a prefeitura também faz ações de educação ambiental nas escolas e o porquê é importante envolver as crianças nesse processo de recuperação ambiental. “Uma das maiores dificuldades que a gente enfrenta é a mudança da questão cultural da população sobre o meio ambiente. Eu costumo afirmar que gasta-se pelo menos 20 anos para mudar a cultura de uma sociedade. É por isso que tentamos transformar a cabeça das crianças para que elas transformem o modo de pensar de seus pais”.

 

Alterações nas leis ambientais estimularam destruição 

O ativista do Meio Ambiente e oficial da Defesa Civil do município, Juliano Cardoso acha que a culpa da destruição ambiental vem da sociedade como um todo. “De modo geral, a culpa é de todos, da sociedade de forma geral. Falo da culpa do político, mas ele não é um alienígena, não vem de outro planeta, nasceu no seio da sociedade. Tive o desprazer de participar de uma reunião com a comunidade junto A um político que pediu para eu acompanhá-lo. Lá, a população exigia água na torneira, mas ninguém queria saber de onde vem essa água”.

Juliano fala sobre o abrandamento das leis ambientais. ”A lei de crimes ambientais não é nova. Ela surgiu em 1998, foi chamada de Lei da Vida e quando surgiu, o crime ambiental era inafiançável. Havia o entendimento que ele era uma violação contra toda a humanidade. Não tinha como mensurá-lo. Alguns anos se passaram e o lobby do agronegócio e de instituições religiosas fez com que ele se tornasse afiançável. Depois ele virou crime de menor potencial ofensivo. Hoje, se você cometer um crime ambiental, vai pagar uma cesta básica e sair ileso”.

Por fim, ele explica o que a destruição da natureza na região Centro-Oeste pode representar para o país.  “Nossa região não é banhada por rios, somos o berço das águas. É aqui que nascem os mananciais que formam as bacias hidrográficas do Tocantins/Araguaia, do São Francisco e do Paranaíba que banham o resto do país. Se destruirmos esse mananciais estaremos condenando as bacias hidrográficas brasileiras, e ainda mais: estaremos tirando a oportunidade do homem do Cerrado ter alimento na mesa, emprego e água para sua subsistência. É um problema muito mais grave do que parece”.

 

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