Estiagem e baixa vazão no Meia Ponte expõem poluição no leito do rio

São recolhidas mais de 30 mil toneladas de entulho em Goiânia por mês, destes, cerca de 15% são dos mananciais.

Postado em: 30-08-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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São recolhidas mais de 30 mil toneladas de entulho em Goiânia por mês, destes, cerca de 15% são dos mananciais.

Igor Caldas

Especial para O Hoje

A Região Metropolitana de Goiânia possui cerca de 30 leitos fluviais, com aproximadamente 70 quilômetros de curso d’água em áreas urbanas. À medida que a água caminha para dentro da cidade, recebe um grande volume de lixo e esgoto. No último dia 21 de agosto, a Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) reforçou a limpeza nas margens do Rio Meia Ponte, no trecho que abrange o setor Goiânia II. Do local foram retirados 196 pneus e 5,2 toneladas de entulhos descartados indevidamente pela população.

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Os serviços de limpeza e manutenção dos cursos d’água de Goiânia são desenvolvidos diariamente pela Comurg que conta com uma equipe específica para capinar e roçar a vegetação das margens além de executar a retirada de entulhos e galhadas do leito dos córregos. Por mês, são recolhidas mais de 30 mil toneladas de entulho, cerca de 15% deles vêm dos mananciais, 4,5 mil.

De acordo com o gerente de fiscalização Agência Municipal do Meio Ambiente (AMMA), Diego Moura, grande parte desses resíduos são descartados de forma ilegal nas margens de outros córregos que deságuam no Meia Ponte. “O descarte de todo tipo de lixo em áreas de preservação ambiental é frequente aqui em Goiânia. Temos feito apreensões de veículos, tanto no período diurno quanto noturno. Esse material, se jogado nas margens de algum rio que deságua no Meia Ponte, vai aumentar a poluição desse manancial”.

De acordo com a Comurg, entre os materiais retirados das margens e de dentro dos mananciais estão móveis, todo tipo de plástico, resíduos de construção civil e principalmente pneus de automóveis. A execução do trabalho de limpeza dos mananciais é feita de forma mais intensa na época das chuvas. O objetivo é evitar o acúmulo de resíduos e também a proliferação de insetos e roedores.

Esgoto

Outro problema que causa poluição nos rios é o esgoto sem tratamento. O último relatório sobre tratamento de efluentes na Capital da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio (Dema) feito em 2017 aponta eficiência de 39% no tratamento no esgoto de Goiânia. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) recomenda tratamento de 60% para o tipo primário. A Saneago ainda não terminou a ampliação da ETE Goiânia, que tinha previsão de conclusão em 2016.

Por meio de nota a Saneago informa que, em Goiânia, o índice de atendimento com esgoto é de 93,4% – bem acima dos 52% nacional -, são 4.363km de redes, que atendem cerca de 1,4 milhão de pessoas. A Capital conta com a Estação de Tratamento de Esgoto Dr. Hélio Seixo de Britto, em operação desde 2003, e que respeita todas as exigências ambientais.

A Companhia ainda afirma que o aperfeiçoamento da unidade é constante, tanto que a Companhia executa obras de implantação do tratamento secundário na ETE. No local, são construídos seis tanques de aeração, quatro decantadores secundários, duas elevatórias de recirculação e duas centrífugas de adensamento de lodo.

Assim, a ETE Goiânia passará a contar com tratamento secundário, por lodos ativados, elevando os índices de remoção de carga orgânica, que atualmente são de 60%, para 90%. A obra recebe investimentos de R$ 98 milhões, provenientes do Orçamento Geral da União. A meta da Saneago para os próximos anos é coletar e tratar de forma universalizada o esgoto, firmando Goiânia como uma das poucas capitais brasileiras a alcançar índice.

Atualmente, a vazão média diária de esgoto que chega à unidade é de1600L/s. Sendo que, ao longo do dia, há períodos de menor vazão (como no início da manhã) e de maior (como no horário do almoço). No período de chuvas, a vazão aumenta, consideravelmente, devido ao lançamento irregular de águas pluviais na rede.

 

Poluição por esgoto piora na estiagem 

Na época da estiagem, o problema dos resíduos diminui porque não há enxurradas que carregam o entulho para dentro dos rios e córregos. No entanto, a poluição do esgoto se intensifica porque a média de vazão de efluentes despejada pela Estação de Tratamento de Esgoto de Goiânia se mantém constante durante todo ano. Além disso, especialistas apontam que o esgoto da ETE Goiânia é lançado no rio sem o tratado adequado.

O professor doutor em hidráulica e saneamento da Universidade Federal de Goiás (UFG), Klebber Formiga, explica porque isso ocorre. Ele afirma que é preciso entender como o Brasil lida com a poluição dos rios. “Aqui, nossos rios servem como ‘diluidores’ dos esgotos. Se o volume do rio é mais alto, os esgotos ficam mais diluídos. Se o volume dos rios cai, a densidade de esgoto se intensifica. O problema se torna maior porque o esgoto lançado no rio pela Estação de Tratamento de Goiânia não tem o tratamento adequado”, rebate o professor.

O especialista ainda afirma que a poluição é um problema sério no rio Meia Ponte, principalmente na época da seca. Além do tratamento ineficiente, existe muito lançamento clandestino feito pela população e indústrias da cidade.  “O problema piora na época da seca, a quantidade de água pode não ser suficiente para que essa diluição ocorra a contento, fazendo com que a água fique com aspecto feio, escura e mal cheirosa. Para se evitar isso, recorre-se ao tratamento de esgotos, que significa reduzir o potencial de poluição dele”.

“No Brasil, poluímos os rios e deixamos o problema para as populações que vivem abaixo deles. Como não temos captação para abastecimento de água abaixo de Goiânia, esse problema não existe aqui no Estado. O risco é o crescimento da população na região que fica acima da captação, pois o esgoto de um, pode contaminar o abastecimento de outro. No entanto, na Bacia Hidrográfica do João Leite, o Parque Estadual criado resolve boa parte dos problemas, e tem-se, por enquanto, menos riscos disso acontecer”, explica Klebber.

Tratamento de esgoto adequado é necessário 

O professor doutor em hidráulica e saneamento da UFG Klebber Formiga ainda afirma que para diminuição da poluição é necessário tratamento adequado de efluentes e fazer um levantamento sistemático de todos os lançamentos ilegais de esgoto na Capital. Esse mapeamento deve ser feito em todos os afluentes do Meia Ponte. “É necessário tratar o esgoto de forma eficiente e mapear o lançamento de esgoto clandestino nos córregos e rios da cidade, inclusive no Ribeirão Anicuns, Córrego Botafogo, e todos os outros. É um trabalho árduo e que demanda tempo e vontade política”, pondera.

O especialista tem esperanças de que a situação possa melhorar com medidas mitigadoras. “Esperamos que as normas de mitigação desses problemas sejam implementadas para termos um rio mais limpo no futuro. A legislação é suficiente, mas precisa de aplicação. As políticas públicas existem, mas a sua aplicação ainda é bem incipiente. No entanto, tem-se progredido na Gestão dos Recursos Hídricos feita pelo poder público, e na melhoria da conscientização da população. Esperamos que haja progresso e não um recuo nesse processo”.

A Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio (Dema) tem feito um trabalho importante no combate ao lançamento de esgoto clandestino e recuperação de nascentes. O delegado Luziano Severino de Carvalho explica que a situação da poluição dos cursos d’água de Goiânia tem de ser pensada de forma abrangente.  “A Polícia tem que agir quando acontece o crime para coibi-lo. Fizemos uma análise da água que entra e sai dos pontos clandestinos. A situação é macro, não podemos trabalhar pontualmente”.

Na Região Metropolitana de Goiânia, o delegado afirma que graças às ações da Dema, 80 nascentes do Córrego Anicuns foram recuperadas. As quatro nascentes dos ribeirões de Goiânia também tiveram recuperação. “Está ruim? Está. Mas poderia estar 200 mil vezes pior. Hoje, a nascente do Anicuns, por exemplo, tem muita água. E água limpa. A 500 metros dalí temos plantações de hortaliças e gado bebendo água em abundância”, pondera o delegado. 

 

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