Com o futuro na ponta do lápis

Neste sábado (21), Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência, Essência mostra como obstáculos são vencidos - Foto: reprodução.

Postado em: 21-09-2019 às 10h55
Por: Nielton Soares
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Neste sábado (21), Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência, Essência mostra como obstáculos são vencidos - Foto: reprodução.

Nielton Soares

“Fui abandonada no Hospital de Queimaduras, em Goiânia, aos 4 anos”, uma criança deixada pelos pais, sem parte dos membros e toda machucada pelas queimaduras, como uma típica história trágica. Mas revertendo a triste história em um futuro promissor no mundo da moda, Juliana Santos hoje é conhecida em todo Brasil como ‘madrinha das noivas’. Atualmente, cerca de 24% da população brasileira ter algum grau de dificuldade ou deficiência. Pensando nisso, surgiu o Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência, lembrado neste sábado (21).

Mesmo com o alcanço e as conquistas, Juliana é bem perspicaz em relação a vida de uma pessoa com deficiência. “O meu lado ‘bom’ reconhece a importância de ter um dia próprio para a luta de pessoas com deficiência. Mas também existe o lado ruim, que deixa o deficiente como um coitadinho. Além disso, o que adianta ter um dia voltado para nós, se não existe respeito nos outros dias?”, questiona Juliana em entrevista ao Essência.

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Para a estilista, a educação é a solução para muitos problemas, inclusive a falta de respeitos e conscientização para com as pessoas deficientes. “Muitas vezes as pessoas não respeitam a vaga de estacionamento ou a fila preferencial, isso mostra uma falta de respeito com a gente. Essa conscientização deveria ser ensinada nas escolas, com ações próprias para ensinarem. Eu mesma sugerir, nas escolas dos meus filhos, uma semana de conscientização com as crianças”, desabafa.

Tecendo o futuro A jovem conta que foi abandonada no Hospital de Queimaduras ainda criança. “O motivo do acidente ainda é um mistério, pois me disseram que queimei em esterco de vaca. Anos depois, por acaso encontrei uma pessoa que dizia ser vizinha de minha mãe biológica, em sua versão, ela disse que uma vela caiu no colchão que eu estava e que ainda consegui salvar uma irmã mais nova. Eu não tenho lembrança alguma deste episódio, minha vida é como se eu estivesse nascido aos cinco anos”, revela Juliana.

Já no hospital em que foi abandonada, a estilista caiu nas graças de um voluntário do estabelecimento, que viria ser seu irmão mais velho logo depois. Contou sua história para dona Zélia, que com toda sua sensibilidade e mesmo tendo mais dois filhos, com mais oito do marido, a adotou. “Logo depois de um tempo minha mãe biológica me procurou reivindicando seus direitos, o que meu pai adotivo simplesmente teve que ‘pagar’ por mim, sem nenhum protesto da parte dela”, descreve a estilista.

Juliana conta que sua paixão pela moda nasceu ainda na infância. “Quando tinha meus 8 anos, fui visitar minha avó, que era costureira. A casa dela estava repleta de tecidos e vestidos, eu fiquei encantada com aquilo”, conta. Juliana explica que a paixão pela alta costura continuou: “No decorrer do tempo, aos 15 anos, minha irmã começou a namorar um jovem artista plástico que me ensinou a desenhar e me levava a desfiles e nisso eu já amava costurar. Fazia vestidos para bonecas, já me vestia de um jeito diferente de outras pessoas e estudava tendência de moda, além de sempre customizar minhas próprias roupas”, lembra Juliana.

Em 2005, a estilista entrou para faculdade de moda, contrariando toda família, que achava que ela deveria fazer Direito. Foi quando aconteceu uma grande reviravolta em sua vida, pois teve que sair de casa e trabalhar em call center para pagar a sua mensalidade. “Foi quando lutei pela minha profissão. As pessoas começaram a se impressionar com meus desenhos. Também nesta época, novamente percebi um certo preconceito, pois muitos duvidavam que eu, sem os dedos, fosse capaz de desenhar daquela forma – eu sempre fui autodidata”, comenta.

No começo nem tudo são flores, investir em seu sonho de confeccionar vestidos de noivas a levou à uma viagem para Europa com ajuda de seus seguidores, pois não tinha muitas condições na época. Em seu Instagram (@style_juu), ela conta com mais de 134 mil seguidores, já em seu ateliê Juliana Santos (@ateliejs), são mais de 80 mil, além de seu canal no You Tube. “A gente não pensa só no lucro, embora isso seja um jeito de divulgar meu trabalho, mas, acima de tudo, é o pagamento emocional. Ver a felicidade das noivas ao estar realizando um sonho, é o que mais vale para mim”, ressalta.

Bullying Por ser muito nova quando sofreu o acidente, Juliana cresceu com sua deficiência de um modo que não atrapalhava em quase nada, se adequou a várias funções que muitos achavam que ela não conseguiria, ela brinca que até os seis anos acreditava que seus dedos cresceriam. Quando viu que isso não aconteceria, imaginou também que inventariam uma prótese para sua deficiência, o que também não aconteceu.

Em seu período escolar sofreu um dos primeiros bullying, em que crianças riam dela e a chamavam de pata de cachorro. Sua defesa era bater nessas crianças como proteção, mas a estilista conta que quando chegava em casa, chorava muito pelo o ocorrido. “As pessoas sempre duvidaram muito de mim, por conta da deficiência. Desde criança, na escola, as pessoas me chamavam de pata de cachorro, por conta da minha situação. Graças a Deus, fui acolhida por uma família muito boa. Meu pai sempre conversa comigo e me orientava”, comenta.

Auxílio aos outros Assim como seus pais, Juliana entende a necessidade de ter apoio, hoje a estilista tem um perfil no Instagram, (@jusemasmaos), para compartilhar de histórias. “Sem de muitas pessoas que lutam diariamente para serem aceitas, assim como eu. O perfil é uma forma de incentivar as pessoas a continuarem lutando pelos seus direitos. Além de ser uma oportunidade de nos unirmos e compartilharmos histórias, desde superação até desabafos diários.

De acordo com o Censo 2010, quase 46 milhões de brasileiros, cerca de 24% da população, declarou ter algum grau de dificuldade em pelo menos uma das habilidades investigadas (enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus), ou possuir deficiência mental / intelectual.

A pesquisa buscou também identificar deficiência intelectual e mental através da compreensão sobre a dificuldade em realizar atividades habituais. Não foram consideradas neste quesito as perturbações, doenças ou transtornos mentais como autismo, neurose, esquizofrenia e psicose.

Considerando somente os que possuem grande ou total dificuldade para enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus (ou seja, pessoas com deficiência nessas habilidades), além dos que declararam ter deficiência mental ou intelectual, temos mais de 12,5 milhões de brasileiros com deficiência, o que corresponde a 6,7% da população.

(Guilherme Melo é estagiário do jornal O Hoje sob orientação do editor Lucas de Godoi)

 

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