Dia da Saúde Mental: artesanato como aliado

Para pessoas com sofrimento psíquico, a autonomia e reintegração social devem ser priorizados em detrimento de internações. Foto: Wesley Costa

Postado em: 10-10-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Para pessoas com sofrimento psíquico, a autonomia e reintegração social devem ser priorizados em detrimento de internações. Foto: Wesley Costa

Igor Caldas

Uma iniciativa da Secretaria Municipal de Saúde traz qualidade de vida para quem sofre com distúrbios psíquicos por meio da produção artesanal. A Associação de Produção e Renda Solidária da Saúde Mental de Goiânia (Gerarte) objetiva a inclusão social pelo trabalho com práticas da economia solidária junto a pessoas com sofrimento psíquico e ex-usuários de álcool e outras drogas. A assistente social e gestora do Gerarte II, Izaura Valentim explica que o principal objetivo do projeto não é terapêutico, mas de autonomia e inclusão social dos associados.

O Dia Mundial da Saúde Mental é comemorado hoje e neste dia, Izaura destaca que a prioridade para tratamento de pessoas com sofrimento psíquico deve ser o de portas abertas. “A verdadeira loucura está na sociedade que quer trancafiar e excluir quem é diferente. Dopar as pessoas e deixá-las de cama, acreditando que isso é uma melhora no quadro de saúde mental”. Ela ressalta que em alguns casos a internação é necessária, mas a prioridade deve ser a inclusão social. “O trabalho oportuniza a pessoa a se sentir útil e ajuda na reintegração social”.

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“O sofrimento psíquico tira as pessoas do meio produtivo. Elas acabam sendo marginalizadas por uma sociedade que as julga incapacitadas. Esse efeito é ainda mais severo quando há o envolvimento do álcool e drogas”. Ela explica que o trabalho do Gerarte devolve a autoestima para essas pessoas e afastam elas de uma condição de internação em clínicas psiquiátricas. A assistente social diz que os associados têm que dar continuidade ao trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e o Gerarte vem como um complemento do tratamento.   

A aposentada Ana Pereira Fonseca, de 63 anos, estava com um quadro de depressão severo antes de começar a fazer trabalhos artesanais no Gerarte II. Quando recebeu a equipe de reportagem do O Hoje, ela não parecia ser a mesma pessoa triste que estava em seus relatos do passado. Seu sorriso não esmorecia, parecia ter sido bordado em seu rosto, assim como os fuxicos que ela costurava em uma bolsa de pano.

A aposentada é uma das associadas que trabalha há mais tempo com a economia solidária e produção de artesanato do Gerarte II. “Eu estou aqui desde antes da inauguração. Antes de abrir o local, eu já estava na fila para entrar”. Ana ainda conta que passou por todas as oficinas de artesanato oferecidas no espaço, mas foi no bordado que se encontrou.

Ela relata que não tinha mais vontade de levantar da cama para viver. “Eu sentia muitas crises de depressão, tomava muitos remédios controlados e vivia internada. Tive o desejo de tirar minha própria vida em várias ocasiões. Hoje eu aprendi a me amar”. Ela ainda diz que teve o acolhimento perfeito quando chegou ao Gerarte II e afirma que o carinho e companheirismo manifestado pelos funcionários e colegas que foram responsáveis pela melhora em seu quadro de saúde.

“Quando a pessoa te recebe aqui no portão pela primeira vez, eles transmitem um sorriso sincero e uma alegria que cura qualquer tristeza. Se eu pudesse resumir o Gerarte em palavras seriam: aprendizado, companheirismo e carinho”. A aposentada diminuiu a dose dos medicamentos e quase não entra mais em crises depressivas. Ana é apaixonada pelo projeto. Ela chega ao local pela manhã e sai a tarde, todos os dias.

A associada gosta tanto do espaço que já manifestou desejo de morar no local. Porém, o Gerarte não oferece vagas para moradores. Ana deu um jeito de se aproximar dos amigos. Ela se mudou para uma casa vizinha ao Gerarte II. “Eu queria era morar aqui. Mas a prefeitura não deixa. A solução que eu arranjei foi morar do outro lado da rua. Se aqui abre 8h eu chego 8h01”, afirma ela, em meio a risos.

“A melhor coisa que o Gerarte fez em minha vida foi me tornar autônoma, independente. Isso fez com que minha saúde melhorasse muito”, relata Ana. Ela diz que em muitos momentos, os funcionários e companheiros do Gerarte dão mais atenção a ela do que a própria família. “Meus filhos ficam até dois meses sem me visitar. Aqui, se alguém sai ou dá uma afastada por algum motivo, a gente sente muita falta”.

 Trabalho artesanal recupera a auto-estima 

Outra associada que integra a produção e renda solidária do Gerarte II é Lídia Silva, de 60 anos. Ela está há apenas alguns meses participando das atividades, mas já sente os resultados que o trabalho em sua vida. Ela estava com um quadro de depressão que lhe trazia um sentimento forte de inutilidade. “Eu estava fazendo só as atividades domésticas em casa, sentia que não servia mais para nada”.

Lídia também afirma que o cuidado com os colegas é essencial para a melhoria do quadro depressivo. “A Ana é uma das pessoas que sempre coloca a gente para cima. Quando eu estou desanimada, ela fala coisas bonitas para a gente melhorar”. Ela diz que o companheirismo presente no espaço é a principal motivação para fazê-la continuar. “Aqui, trabalhando em grupo com as pessoas, a gente consegue enxergar o verdadeiro valor do nosso trabalho”. 

A associada conta como chegou a trabalhar no Gerarte II. “Uma psicóloga que me atendia no CAPS perguntou se eu não me interessava em produzir artesanato. Depois que manifestei interesse, ela me encaminhou para cá”. Lídia conta que a psicóloga que presta atendimento esclareceu sobre os benefícios que o trabalho artesanal poderia trazer no tratamento da sua depressão.

Edinalba Alves de Brito também é integrante da Associação e Produção de Renda Solidária da Saúde Mental de Goiânia. De acordo com a gestora do Gerarte II ela é quem mais se destaca na venda dos produtos que fabrica. Seu marido, Jackson Alves de Brito, também está trabalhando com ela no espaço. “Meu marido estava afastado do trabalho e resolveu vir ajudar. Ele descobriu que pode produzir coisas lindas. Os brincos que ele fabrica, vendem bastante”, afirma Edinalba.

Jackson, que trabalha na área de segurança, diz que se surpreendeu com sua habilidade de produção de coisas delicadas. “Depois que eu termino um brinco e vejo o quanto ficou bonito, dá muita gratificação. É muito ruim ficar parado em casa, sem fazer nada. Faz mal para a cabeça. Então eu acabo participando do trabalho como uma forma de terapia também”.

 Economia Solidária reduz internações psiquiátricas 

Atualmente as Associações de Produção e Renda Solidária da Saúde Mental estão dividas em duas unidades: Gerarte I, no Setor Central e o Gerarte II, no Setor Centro-Oeste. A assistente social Izaura Valentim afirma que existem trabalhos em andamento para a expansão das unidades. “Esse projeto de geração de renda deveria existir em cada região da Grande Goiânia, pois traz muitos benefícios e diminui internações que custam caro para o Estado”, conclui Izaura.

O trabalho do Gerarte é pautado na Economia Solidária. O valor total arrecadado pela comercialização dos produtos é dividido pelo número de associados, definindo o valor do período, o qual é multiplicado pela frequência de cada um no espaço. Eles podem ser comercializados nas sedes do Gerarte, Loja Arte e Saúde, no Shopping Mega Moda, Mercado da 74, feiras e exposições.

Para participar como associado da Associação de Produção e Renda Solidária da Saúde Mental é necessário ter mais de 18 anos, ser usuário ou ter um familiar na rede pública municipal de saúde mental e manifestar o interesse pelo trabalho artesanal. Além disso, deve ser encaminhado seguindo a conduta, com descrição do projeto terapêutico e ter frequência de quatro períodos.

 

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