Desmatamento força migração de animais silvestres para cidade

A estimativa é de que 50% da vegetação nativa do Cerrado já foram convertidas em espaços abertos| Foto: Nunes D'Acosta

Postado em: 28-02-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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A estimativa é de que 50% da vegetação nativa do Cerrado já foram convertidas em espaços abertos| Foto: Nunes D'Acosta

Luisa Viana 

A expansão das cidades e a destruição da natureza provocam sérios problemas ambientais. Um deles é a migração dos animais silvestres de seu habitat natural para as zonas urbanas. Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), a distribuição das espécies de animais silvestres em Goiás é afetada principalmente pela perda e fragmentação do habitat; pela diminuição de presas naturais e pela caça ilegal.

A estimativa é de que 50% da vegetação nativa do Cerrado já foram convertidas em espaços abertos para as pastagens, é o que apontam dados disponíveis no portal virtual do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Luciana Batalha de Miranda Araújo, professora de Animais Silvestres da Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG, explica que sem opções de espaço nas matas, o animal silvestre pode migrar para a cidade. 

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Primeiro eles aparecem nos bairros periféricos, que são as regiões limítrofes com as rodovias e com as zonas florestais. Para a professora, o contato desses animais com as populações urbanas representa um grande risco tanto para o ser humano, quanto para as espécies de animais. Um importante efeito negativo é a transmissão de doenças que os humanos e o espaço urbano podem transmitir para os animais e vice-versa.

Luciana afirma que os animais possuem uma área de circulação dentro das matas e, quando essa área é destruída, acabam migrando para outras em busca de alimentos. O problema é que uma mesma área não suporta ser dividida por animais de hábitos alimentares correspondentes.

Mamíferos Silvestres

Alguns casos de aparecimento de onça-pintada na região do Mendanha, que ocorrem em Goiânia desde 2016, provocam a reflexão sobre as consequências da destruição ambiental. Segundo a professora Luciana Batalha, é necessário 100 km² de mata por onça-pintada para que ela possa desenvolver seus hábitos naturais, mas é praticamente impossível que ela tenha nas atuais condições ambientais. Nas redondezas de Goiânia, os felino silvestres mais comuns são a jaguatirica, o gato do mato e, de maior porte, as suçuaranas. 

Nunes D’Acosta, fotógrafo da natureza e observador de pássaros, conta que frequentemente faz registros fotográficos de diversas espécies de animais. Ele costuma percorrer o Rio Meia Ponte de barco e, em suas expedições para registrar imagens de mamíferos silvestres, já encontrou jaguatirica, lobo-guará, cachorro do mato, entre tantos outros. 

Há 30 anos Nunes faz estudos ecológicos para seus ensaios fotográficos, considera como seu mentor e professor José Hidasi, do antigo Museu de Ornitologia. Ele lamenta que os animais estão sendo expulsos do seu habitat e as cidades cada vez mais se aproximando do nicho ecológico dos mesmos. “A expansão urbana está chegando às matas ciliares, os setores chegando às margens do Meia Ponte e nas reservas. E o poder público não age para evitar isso” afirma Nunes. 

Fragmentação do habitat é obstáculo para conservação  

A destruição do espaço natural dos animais é chamada pelos pesquisadores de fragmentação de habitat. As recentes pesquisas mostram que essa fragmentação, provocada pela ação humana, tem sido um grande obstáculo para a conservação do Cerrado. Nas últimas quatro décadas, o ritmo de conversão para pastagens ou plantações de soja e milho mostra-se bastante alto. 

A professora Luciana Batalha destaca que muitos são os fatores de destruição do habitat de animais silvestres. Afirma que as queimadas provocadas pelo ser humano aceleram o nível de fragmentação, assim como o desmatamento para fazer pastagens e plantações, a construção de condomínios de luxo em áreas verdes, entre outros. 

De acordo com os dados mais recentes, Goiás possui a segunda maior área do Cerrado devastada nos últimos anos, perdendo apenas para o Mato Grosso. Segundo relatório divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram 45.137 km2 de área desmatada desde 2001. Além disso, até setembro de 2019, o Corpo de Bombeiros Militar de Goiás registrou 2.198 casos de incêndios florestais em áreas de vegetação. 

As taxas de desmatamento no Cerrado têm se mostrado superiores às da floresta Amazônica, enquanto o esforço de conservação deste bioma tem se mostrado inferior. “Apenas 2,2% da área do Cerrado encontra-se legalmente protegida; diversas espécies animais e vegetais estão ameaçadas de extinção e estima-se que 20% das espécies ameaçadas não ocorram nas áreas legalmente protegidas”, é o que afirma a pesquisa “Ameaças à Sobrevivência de Animais Silvestres no Estado de Goiás”, publicada pela revista Uniciências.

Prevenção

Luciana afirma que, apesar de não existir um rastreamento dos animais silvestres, sabe-se que existe a tendência de aproximação das cidades em determinadas épocas do ano. Durante a seca, quando há escassez de alimentos, esse fenômeno é mais comum. Entretanto, as ações para manter o equilíbrio ambiental devem ser constantes, em todos os períodos do ano.

“Protegendo os animais você está protegendo o ser humano”, afirma o delegado titular da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente (DEMA), Luziano Silveira de Carvalho. Ele ressalta que os animais silvestres precisam de uma atenção especial, por isso representam a maior preocupação da Polícia Civil da área ambiental. Para ele, o atropelamento de animais é um caso gravíssimo e que contribui para alterar o equilíbrio ecológico.

Existem diversas medidas para evitar a restrição do habitat da fauna, como a construção de corredores verdes para que os animais possam transitar de uma área a outra. Para o delegado Luziano, os corredores e viadutos ecológicos precisam ser difundidos no país, como forma de minimizar a degradação do meio ambiente.

Corredores Ecológicos

Os corredores ecológicos objetivam diminuir os efeitos da fragmentação dos ecossistemas. Para isso promovem a ligação entre diferentes áreas, proporcionando não somente o aumento da cobertura vegetal, mas também o deslocamento de animais e a dispersão de sementes.

O exemplo internacional mais recente é o Green Corridor, em Medellín, na Colômbia, que engloba 18 ruas e 12 hidrovias. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), essa iniciativa reduziu a temperatura em mais de 2ºC em certos pontos. No Brasil, os corredores ecológicos são planejados e executados pela iniciativa governamental e pelas ONGs ambientais. Existem alguns exemplos na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado.

Esse instrumento está previsto na legislação brasileira desde 1993, quando o Decreto nº 750 proibiu a exploração de vegetação que tenha por função formar corredores de remanescentes de vegetação primária, ou em estágio avançado e médio de regeneração. Além disso, a lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), impõe em seu Art. 25 que “as unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológicos”.

 

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