População em situação de rua em Goiânia disparou no último ano

O número de pessoas em situação de rua atendidas pela prefeitura no mês de dezembro de 2019 mais do que dobrou em relação ao mesmo mês do ano anterior| Foto: Wesley Costa

Postado em: 05-03-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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O número de pessoas em situação de rua atendidas pela prefeitura no mês de dezembro de 2019 mais do que dobrou em relação ao mesmo mês do ano anterior| Foto: Wesley Costa

Igor Caldas

A população em situação de rua na Capital disparou no último ano. De acordo com os dados do relatório qualiquantitativo do Serviço Especializado de Abordagem Social feito pela Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), o número de pessoas em situação de rua atendidas pela pasta no mês de dezembro de 2019 mais do que dobrou em relação ao mesmo mês do ano anterior. Foram atendidas 314 pessoas que estavam morando na rua em dezembro do último ano. Segundo a Semas, o número ainda é menor que a totalidade desta população em Goiânia, pois a pasta não consegue atender a todos que estão nesta situação.

Os dados conseguidos com exclusividade pelo Jornal O Hoje permitem identificar alguns recortes do perfil das pessoas que moram na rua. Mais de 90% das pessoas atendidas pela Semas são homens adultos. Também é possível verificar que famílias inteiras estão em situação de rua em Goiânia. O número de famílias atendidas no acumulado de 2019 chega a 222.

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Censo de População de Rua

Em dezembro do último ano foi lançado o resultado do 2º Censo de População de Rua feito pela Prefeitura de Goiânia em parceria com a Universidade Federal de Goiás que indicou 353 pessoas em situação de rua na Capital. No entanto, a metodologia de pesquisa foi duramente criticada por movimentos sociais. De acordo com Eduardo Matos, coordenador do Movimento Nacional de População de rua, o tempo de capacitação das pessoas e de pesquisa de campo são insuficientes para ser feita uma leitura fidedigna da população de rua na Capital.

“Existe a compreensão que a população de rua é migratória e tem que haver um tempo maior para colher os dados de campo. Não dá para fazer tudo isso em um dia como foi feito no último censo”. Ele afirma que as pessoas envolvidas na pesquisa também deveriam ter tido um tempo maior para capacitação. “Tinha que ser no mínimo três meses de capacitação e três meses de pesquisa de campo”, indica. Eduardo estima que a população dobrou no primeiro ano do governo Bolsonaro.

Os dados dos relatórios mensais da Semas confirmam o consenso de que a população de rua é migratória. Durante o ano, o número de atendimentos pode variar bastante. O mês de julho apresentou a maior quantidade de atendimentos, foram 404 pessoas em situação de rua atendidas. Janeiro foi o mês que houve menos atendimentos, com 192 pessoas atendidas. Os dados revelam que a maior parte da população de rua imigrante vem da região Nordeste do país.

José Maurício da Silva está em situação de rua há dois meses em Goiânia. Baiano, natural de Juazeiro, ficou desempregado em sua cidade natal e não conseguiu arcar com as despesas de aluguel. Sem ter onde morar resolveu vir para o Centro-Oeste em busca de recomeçar a vida. A viagem até Goiânia não foi fácil. “Sem dinheiro, eu vim a pé e de ônibus durante o percurso”, relata. Sua esposa faleceu em 2011 e os quatro filhos que teve com ela estão sob os cuidados de sua cunhada, em Juazeiro.

Ao chegar a Goiânia, o baiano não conseguiu emprego e se viu em situação de rua. “A pior coisa de estar na rua é você não conseguir dormir porque acha que não vai acordar vivo”, relata o baiano que afirma que a falta de segurança é o maior perigo de não possuir uma casa para morar. “O que eu tenho está nessa mochila. Se levarem ela, levam tudo”. Enquanto expõe as dificuldades de sua condição, José vai destrinchando o conteúdo de sua pequena mala. Documentos de identificação, fotos da família, recortes de uma vida inteira que ficou para trás na caatinga nordestina.

Entre a papelada guardada nos bolsos da mochila, o baiano mostra laudos e receitas médicas. “Eu tenho que tomar remédio controlado, tenho epilepsia”. O medicamento deve durar só mais alguns dias. “Se acabar, eu começo a ter crises”. Ele afirma que vai procurar os órgãos municipais de assistência social para conseguir os remédios. “Nem todo mundo que mora na rua é ‘nóia’. Tem muita gente que só quer trabalhar, tem problemas de saúde mental e necessitam de ajuda”. O trabalhador também acredita que a população de rua aumentou muito.

Falta de qualificação

Em Juazeiro, José trabalhava na zona rural. “Lá eu fazia trabalho de roçagem, cuidava dos animais, sei tratar de qualquer bicho”. O baiano afirma que o serviço de fazenda é o único ofício que sabe fazer. “Na cidade fica complicado, mas rogo a Deus para me ajudar a encontrar um trabalho”, suplica. A falta de instrução e de qualificação profissional é uma das barreiras que José enfrenta para conseguir um emprego e sair da rua. “Eu estou lutando para conseguir alugar um cantinho e sair dessa situação”.

O trabalhador vende doces, balas e jujubas nos semáforos para conseguir sobreviver, mas a renda é insuficiente para suprir sua alimentação diária e com ela é impossível garantir um teto. “O dinheiro que vem é muito curto, o dia ruim compensa pelo bom”. Esperançoso, apenas quando não consegue vender nada, considera um dia ruim. Em dias “bons” consegue levantar no máximo R$ 20 comercializando as guloseimas. “O povo tá sem dinheiro, vai comprar doce como?”, questiona aos céus com os olhos rasos d’água. José estava em um dos seus dias ruins. “Hoje não consegui vender”.

O baiano afirma que o trabalho é fator fundamental na questão de situação de rua. “É a falta do trabalho que joga o povo na rua e apenas com ele alguém consegue sair”, garante.

Crises elevam número de pessoas na rua 

Para Eduardo Matos, coordenador do Movimento Nacional de População de Rua em Goiás, o aumento da população de rua é resultado de vários fatores. “De onde eu vejo, é uma crise política, social, econômica e ambiental”. Ele afirma que esta crise reverbera no público de diversas culturas e níveis sociais podendo chegar ao nível da incapacidade de suprir as necessidades básicas, que levam uma pessoa a ter que viver na rua.

“Na verdade, o Estado foca em outras questões que não é a social, muito menos nas classes inferiores”, afirma o coordenador do Movimento Nacional da População de Rua em Goiás. Eduardo atribui à educação como um fator fundamental para se conseguir trabalho e recursos que poderiam impedir que uma pessoa tivesse de viver na rua. “Se a gente pega pela questão do trabalho, o Estado não oferta educação de qualidade, educação financeira, qualificação profissional.  Inclusões sociais na questão de saúde mental são raríssimas”, explica.

Ele ainda afirma que a atual crise enfrentada pelo país faz com a população de rua cresça. “Pessoas que viveram outros momentos do país em desenvolvimento, têm que enfrentar restrições de emprego, restrições previdenciárias com a fila do INSS, na Saúde Pública e no congelamento de gastos públicos”. Eduardo acredita que o Estado é o principal culpado por esse crescimento. (Especial para O Hoje)

 

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