Faltam 1,4 mil profissionais de atenção primária à saúde em Goiânia

Apenas 49% dos habitantes de Goiânia são atendidos nessa modalidade. A cobertura ideal seria de 100%| Foto: Wesley Costa

Postado em: 16-03-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Apenas 49% dos habitantes de Goiânia são atendidos nessa modalidade. A cobertura ideal seria de 100%| Foto: Wesley Costa

Igor Caldas

Mais da metade da população da Capital não recebe cobertura de atenção primária à saúde (APS), prestada pelas equipes de saúde da família. Apenas 49% dos habitantes de Goiânia são atendidos nessa modalidade. De acordo com o Ministério da Saúde (MS), a cobertura ideal seria de 100% da população com a capacidade de cada equipe de Estratégia da Saúde da Família (ESF) atender, em média, 3,5 mil pessoas.  Atualmente, a Capital conta com 193 equipes ESF que atuam em 59 Unidades Básicas de Saúde. O déficit chega a 1,406 profissionais.

O dado exclusivo foi estimado a partir do cálculo feito pelo Jornal O Hoje por meio da metodologia de produção de indicadores de saúde orientados pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). A fórmula matemática leva em consideração a média da cobertura feita pelas 193 ESFs em relação ao número de habitantes de Goiânia, estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1.560 milhão de pessoas em 2019.

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A Estratégia de Saúde da Família (ESF) é composta por equipe multiprofissional que possui, no mínimo, médico generalista ou especialista em saúde da família ou médico de família e comunidade, enfermeiro generalista ou especialista em saúde da família, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS). Agentes comunitários de saúde são profissionais ligados à atenção primária que atuam dentro da comunidade, monitorando a saúde da população local e levando essas demandas para as unidades de saúde. 

A médica especialista em medicina da família da Secretaria Municipal de Saúde, Denise Vaz explica que a atenção primária é a porta de entrada da população aos serviços de saúde. “Na atenção primária é possível resolver 90% dos problemas de saúde dos cidadãos”. A médica afirma que se a quantidade de profissionais for reduzida ou alguma unidade fechada resulta em perda do acesso da população a saúde pública. 

Desde que recebeu alta o Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO) após sofrer um atropelamento por motocicleta no dia 2 de fevereiro, Cláudio Conceição Coelho faz o retorno de dois em dois dias para trocar os curativos na Unidade Básica de Saúde da Família, do Setor Leste Universitário. “Todas as vezes que eu venho refazer o curativo está cheio de gente, mas sou atendido rapidamente. É um serviço que muita gente necessita aqui no bairro”, constata.  Além do curativo, Cláudio consegue os remédios gratuitamente na unidade de saúde. 

De acordo com a presidente do Sindicato de Servidores da Saúde de Goiás (SindSaúde/GO), Flaviana Alves, o déficit de atendimento em APS prejudica qualidade do serviço de toda cadeia da Saúde Pública, pois atua na medicina preventiva, promoção e proteção à saúde e gera economia em tratamento e procedimentos médicos. Um estudo realizado em 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que para cada dólar investido em prevenção de saúde são economizados três dólares. 

Ela ainda alega que a situação da Saúde Pública em Goiânia é muito grave. “Está desse jeito desde muito antes da gestão do prefeito Iris Rezende, mas a administração atual não fez nada para melhorar esse quadro em quatro anos de gestão”, lamenta. Ela ainda afirma que a falta de profissionais da saúde já foi denunciada ao Ministério Público de Goiás (MP-GO) e ao Ministério Público do Trabalho de Goiás (MPT-GO). “A prefeitura afirma que vai abrir novos concursos para contratação de profissionais, mas até agora não foi feito”.

Mudanças prejudicam medicina preventiva 

O Ministério da Saúde mudou a forma de financiar a atenção primária à saúde no último ano. O repasse de recursos vai levar em conta o número de pacientes cadastrados nas equipes e o desempenho medido por indicadores de qualidade do pré-natal e controle de doenças como diabetes e hipertensão. O MS estipulou prazo até o dia 10 de abril para cadastrar usuários nas Unidades Básicas de Saúde da Família.

Segundo Flaviana, o novo modelo deve gerar uma subnotificação no número de pessoas cadastradas e resultar na diminuição do orçamento para atenção primária. “Não temos equipes suficientes para cadastrar todo mundo que precisa em tempo hábil. Isso vai resultar em um subfinanciamento do que já é subfinanciado”, lamenta. Flaviane esclarece que as unidades básicas de saúde só funcionam com famílias cadastradas e cada agente comunitário é responsável por mil pessoas no bairro. 

O governo ampliou a responsabilidade do agente comunitário de saúde. Antes, eles deveriam atender até 750 pessoas. A presidente do Sindicato dos servidores de saúde acredita que isso pode levar a diminuição destes profissionais nas unidades. “O governo quer diminuir o número de agentes para expandir e transformar as unidades de atenção à família em pronto atendimento para não terem que construir novas UPAs”. 

Flaviana denuncia que há falta de estrutura e de diversos profissionais de saúde na atenção básica do município. “Faltam médicos, enfermeiros, agentes comunitários. Muitas unidades ainda funcionam em casas alugadas que precisam de reformas”, acusa. Ela ainda diz que houve substituições de médicos especialistas pelos médicos gerais. “Se o médico especializado não há como fazer prevenção e promoção à saúde”, lamenta.

Ela avalia que o governo tem caminhado contra o investimento em atenção primária. O Ministério da Saúde anunciou o congelamento de novos credenciamentos de equipes dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família (Nasfs) que auxilia os profissionais nos postos de saúde. “O Nasfs tinham atendimento nutricional, psicológico fonoaudiólogo, farmacêutico e de fisioterapia. As portas da prevenção estão se fechando e isso vai pesar no atendimento ambulatorial e de emergência”. 

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) a atenção primária a saúde nos deve envolver vários fatores como: educação em saúde voltada para a prevenção e proteção; distribuição de alimentos e nutrição apropriada; tratamento da água e saneamento; saúde materno-infantil; planejamento familiar; imunização; prevenção e controle de doenças endêmicas; tratamento de doenças e lesões comuns; fornecimento de medicamentos essenciais.

Cais fechados

Além da falta de recursos humanos, Flaviana denuncia problemas nas estruturas físicas das outras Unidades de Saúde do município. “Estamos com três Cais fechados com a promessa de transformá-los em Unidades de Pronto Atendimento. Para onde esse povo vai para ser atendido? Acabam sobrecarregando unidades que já estão comprometidas com a falta de profissionais”, constata. 

A promessa de transformar o Cais do Jardim América em UPA já dura três anos e a unidade permanece fechada. Flaviana teme que o atraso se reproduza nos outros Cais que estão fechados. “Querem fazer todas as obras de uma vez, sem planejamento. É um prefeito que quer a imagem da cidade como um canteiro de obras, mas não se importa se isso vai prejudicar a população”, lamenta. (Especial para O Hoje)

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