Fome durante pandemia começa a ameaçar famílias

Mais de 100 mil famílias de baixa renda podem passar fome por falta de renda e benefícios - Foto: Divulgação

Postado em: 30-03-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Mais de 100 mil famílias de baixa renda podem passar fome por falta de renda e benefícios - Foto: Divulgação

Igor Caldas

A crise desencadeada pela pandemia do novo Coronavírus começa a deixar famílias goianas em situação de desespero. Com o emprego informal em alta, principalmente na população de baixa renda, o fechamento do comércio impede que muitos consigam trabalhar. Nesta situação, a fome passa a ser uma ameaça real em muitos lares da Capital. No Residencial Buena Vista IV, famílias pedem socorro enquanto aguardam benefícios prometidos pelo governo federal e estadual. Existem pouco mais de 100 mil famílias cadastradas no CadÚnico em Goiânia.

O presidente da associação de moradores do bairro, Lindomar Rodrigues Soares, alerta que há pelo menos 4 mil famílias (3,7mil cadastradas no CadÚnico) que estão ameaçadas pela fome no local. “Algumas mães de família cozinharam o último punhado de arroz no almoço de hoje [ontem]”, lamenta. Ele ainda afirma que uma carteira de trabalho assinada é raridade no setor onde a maior parte da população sobrevive nos empregos informais. O setor foi duramente atingido pelo fechamento do comércio e isolamento social necessário ao combate da doença.

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“Aqui se instalou um estado desesperador. A maior parte das famílias está sem renda e a comida está nas últimas”, expõe Lindomar. Na casa de Divina Sueli Ribeiro, 61 anos, o pouco de arroz e óleo que restam deve ser suficiente para apenas mais um dia. Ela vive com seu filho, Daniel Ribeiro de 44 anos. O trabalhador autônomo é responsável por 80% da renda que entra na casa. No entanto, ele está há duas semanas sem trabalhar devido as restrições aplicadas ao comércio. “Quando ele está trabalhando conseguimos uma renda de R$ 200 por mês”, afirma Divina. A aposentada diz que a única renda atual vem do benefício da Bolsa Família de R$ 91.

Há um ano e meio Divina quebrou o fêmur e passou por uma cirurgia no Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO). Ela se recuperou, mas ficou com sequelas que a impedem de trabalhar. “Eu não consigo andar de ônibus e nem carregar peso algum. Dependo do que meu filho traz aqui para casa”, diz enquanto mostra os poucos grãos de arroz que restam na dispensa da sua cozinha. Ela viu pela televisão que o governo federal anunciou uma ajuda de R$ 600. “Só falaram isso. Não disseram quem vai se enquadrar e nem como e quando esse dinheiro vai aparecer. Isso deixa a gente preocupado demais”.

Idosos

Lindomar, que também é presidente da Organização Não Governamental Projeto Ação Popular (PROAP), com sede localizada no Residencial Buena Vista IV, diz que já agilizou parte da vacinação no local. “Eu disponibilizei a sede para a vacinação de idosos, já que fica muito longe para eles irem até o posto de saúde do bairro”. De acordo com Lindomar, pelo menos 30% da população acima de 60 anos já foi vacinada no setor, elas estão incluídas no grupo de risco da Covid-19, doença causada pelo novo Coronavírus. Divina foi vacinada na sede do PROAP.

Moradora do Residencial Buena Vista IV, Gelma Lima Santos, 38 anos, trabalha como diarista fazendo faxinas. Desde que começaram as restrições para combater a epidemiaela está sem trabalho e com a maior parte da renda comprometida. A trabalhadora mora com suas quatro filhas em uma casa de dois cômodos. “Estamos tomando todos os cuidados possíveis para evitar a proliferação do vírus”, afirma. Ela diz que higieniza as mãos com frequência, mas não conseguiu comprar álcool em gel e máscaras porque o preço desses produtos estava elevado nas farmácias.

Gelma tem comida suficiente para alimentar sua família por um dia. Ela ainda afirma que é impossível alimentar cinco pessoas dentro de casa sem nenhum trabalho. “Estou precisando de ajuda. Tenho um pouco de arroz e metade de um litro de óleo. Quando estava trabalhando, recebia e ia ao mercado para garantir alguma coisa”. As filhas de Gelma têm entre 6 e 19 anos e nenhuma delas trabalha. “A maior parte das famílias daqui estão nesta situação, principalmente as mães solteiras”, lamenta.

A filha mais velha de Gelma cursa letras no Instituto Federal de Goiás (IFG) e antes da epidemia, começaria a dar aulas particulares duas vezes por semana. A renda que poderia ajudar a família também foi prejudicada pela pandemia. “Ela não trabalhava antes porque não conseguia arrumar emprego”, recorda. Somando suas faxinas semanais, o trabalho de costura para facções que fazia em casa e o benefício do Bolsa Família, ela consegue R$ 800 para sobrevivência de sua família.

Toda família de Gelma tem consciência de que o isolamento social é necessário para o combate da nova doença. “Não saímos de casa. Até minha menina de 6 anos fala que não podemos ficar saindo”. Ela afirma que se preocupa em pegar a doença e contaminar suas filhas. “Eu penso nelas, mas ficar sem trabalhar está muito difícil porque precisamos sobreviver”. Gelma concorda que o isolamento social é necessário, mas cobra celeridade na ajuda das autoridades. “Não dá para viver desse jeito sem ajuda de ninguém, somos muitas famílias nesta situação”.

Fome vai chegar antes dos benefícios  

Lindomar duvida que os benefícios do governo chegarão a tempo. “Essa ajuda que o governo está falando que vai dar parece mais uma chacota. Esse dinheiro tinha que estar depositado para ontem”. O líder comunitário ressalta que se a ajuda não vir com rapidez, as famílias vão começar a passar fome. “Estou pedindo ajuda à população porque se depender do governo, vamos passar fome”, apela o líder comunitário.

Auxílio mensal 

Na última quinta-feira (26), a Câmara dos Deputados aprovou auxílio mensal de R$ 600 a trabalhadores informais por três meses em razão da pandemia do Coronavírus. A mulher que for mãe e chefe de família vai poder receber até R$ 1,2 mil. Ainda não foi informado a data de início do pagamento porque o benefício vai ser criado por um Projeto de Lei (PL) e precisa passar pelo Senado antes de entrar em vigor. A demora no recebimento do auxílio vai resultar em fome para um grande número de famílias de baixa renda.

De acordo com o projeto de lei, o benefício deverá ser pago a trabalhadores informais, desempregados e microempreendedores individuais (MEIs). O beneficiário também deverá estar inscrito Cadastro Único (CadÚnico) para Programas Sociais do Governo Federal até o último dia 20 de março; cumprir o requisito de renda média (renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa, e de até 3 salários mínimos por família) até 20 de março de 2020 e ser contribuinte individual ou facultativo do Regime Geral de Previdência Social.

O auxílio não poderá ser concedido a quem recebe benefício previdenciário ou assistencial, seguro-desemprego ou outro programa de transferência de renda federal que não seja o Bolsa Família. No caso do Bolsa Família, o beneficiário deverá optar por substituir temporariamente o programa pelo auxílio emergencial, se esse for mais vantajoso.

Na última sexta-feira (27), o governo estadual anunciou a inclusão de 30 mil famílias em situação de extrema pobreza e pobreza no programa Bolsa Família até abril. Goiás tem 46 mil famílias aguardando a inclusão e 282 mil famílias já recebem o benefício federal. Auxílio alimentação receberá um acréscimo de R$ 75 por aluno para famílias que recebem o Bolsa Família. O valor é referente a 15 dias. Em Goiás, 103.980 estudantes das escolas estaduais têm direito ao benefício. (Especial para O Hoje) 

Quer ajudar? 

A Projeto de Ação Popular (PROAP) está recebendo doações para ajudar milhares de famílias do bairro Residencial Buena Vista IV. Elas estão precisando de alimentos, remédios e materiais para prevenção de contaminação do novo Coronavírus. 

– Diretamente no endereço da sede: Rua Sabará, Quadra 99 Lt1 Residencial Buena Vista IV

– Depósitos na Agência 0679-3 | Conta Poupança 0039335-5  | Banco Bradesco. Favorecido: Weider Cassio da Cruz

Mais informações: Lindomar Rodrigues (62) 99290-8765

 

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