Burocracia para executar dois pilares em UBS emperra obra por mais de quatro anos

Construção da UBS do setor São Carlos começou em 2015 e prefeitura culpa dois pilares mal executados por atraso| Foto: Wesley Costa

Postado em: 18-05-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Construção da UBS do setor São Carlos começou em 2015 e prefeitura culpa dois pilares mal executados por atraso| Foto: Wesley Costa

Igor Caldas

Burocracia para executar dois pilares mal executados na obra da Unidade Básica de Saúde do bairro São Carlos em Goiânia emperra obra por mais de quatro anos. O local abandonado está com a estrutura comprometida, serve como esconderijo de bandidos e oferece risco à população. A estrutura interna do prédio expõe a promessa não cumprida de atendimento à saúde de pessoas carentes. Moradores denunciam sofrimento para conseguir encontrar médicos nas unidades de saúde da região Noroeste da Capital.

Segundo a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos (Seinfra), essa obra foi iniciada pela empresa Barros e Silva e foi rescindido o contrato devido à má execução por parte da contratada. “Houve erro na execução de alguns pilares, foi feita dispensa para convocação do segundo colocado (Geo Engenharia) para retomada”, disse por meio de nota. Porém, como nessa modalidade não pode ter aditivo de serviços, a Secretaria garante que fará os reparos nos pilares e após isso a obra será retomada pela empresa Geo Engenharia. Mas a Secretaria não definiu uma data para que esses reparos ocorram. 

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O espaço abandonado ocupa uma grande praça do setor que é usada pela população como espaço de lazer. No entanto, os moradores revelam preocupação com as crianças que podem adentrar ao local. “Tem uma fossa aberta e profunda nos fundos do prédio. Como é que dá pra ficar tranquila, quando as crianças brincam nesse local com o risco de cair lá dentro? É muito perigoso”, afirma Cristiana Izabel dos Santos, que mora em uma casa em frente à praça, há 18 anos.

A mãe de Cristiana, Cleuza Izabel dos Santos, 63 anos, sente revolta ao ver a estrutura do edifício se deteriorar dia após dia. Ela é hipertensa e já desistiu de buscar assistência pela saúde particular. Cleuza não pisa em um consultório médico há mais de um ano. “Tudo que eu tenho que fazer em relação à médico, pago pela rede particular porque, graças a Deus, meus filhos me ajudam ”. Ela denuncia que todas as vezes que precisou ir até uma unidade de saúde pública municipal recebia a resposta de que não havia médicos para atendê-la. “É muita humilhação ficar indo de Cais em Cais e recebendo não como resposta”, lamenta.

Cleuza admite que se a promessa de um posto de saúde no local tivesse sido cumprida ela teria feito mais consultas médicas ao longo do ano. “Eu iria ver como está minha saúde mais vezes, a gente vai ficando velho e os problemas começam a aparecer. É bom sempre ter assistência por perto, mas depender da saúde pública não presta”. Ela ainda declara que até mesmo os medicamentos fornecidos pelos postos de saúde no tratamento da hipertensão não faziam efeito. “Eu tive que comprar, porque os remédios que eu pegava do postinho não funcionavam”, denuncia.

A filha de Cleuza concorda que o atendimento à saúde no município encontra-se tão degradado quanto o prédio abandonado que avizinha sua casa. “Quando a gente precisa ir ao médico tem que pingar de Cais em Cais na cidade e só leva não como resposta”, lamenta. Ela ainda declara que os moradores tentam ir até as unidades de saúde que funcionam em outros bairros da região Noroeste, mas sempre relatam falta de médico. “Essa Unidade de Pronto Atendimento do Jardim Curitiba é grande e bonita, mas não têm profissionais”, diz Cristiana.

Silvano dos Santos tem um estabelecimento comercial ao lado da obra abandonada da unidade de saúde do setor São Carlos. Ele se declara revoltado com o desleixo em que a obras se encontra. O trabalhador lamenta o dinheiro jogado fora enquanto a estrutura se degrada com tempo. “Essa gestão entrou, está saindo e não conseguiu terminar esse posto de saúde. Eu vi começarem do zero e concluírem obras em outros lugares, mas aqui fica assim. É vergonhoso”, lamenta.

Menos da metade é atendida pela atenção primária 

Reportagem feita pelo Jornal O Hoje revelou que mais da metade da população da Capital não recebe cobertura de atenção primária à saúde (APS), prestada pelas equipes de saúde da família. Apenas 49% dos habitantes de Goiânia são atendidos nessa modalidade. De acordo com o Ministério da Saúde (MS), a cobertura ideal seria de 100% da população com a capacidade de cada equipe de Estratégia da Saúde da Família (ESF) atender, em média, 3,5 mil pessoas. 

Atualmente, a Capital conta com 193 equipes ESF que atuam em 59 Unidades Básicas de Saúde. O déficit chega a 1,406 profissionais. O dado exclusivo foi estimado a partir do cálculo feito pelo Jornal O Hoje por meio da metodologia de produção de indicadores de saúde orientados pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). A fórmula matemática leva em consideração a média da cobertura feita pelas 193 ESFs em relação ao número de habitantes de Goiânia, estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1.560 milhão de pessoas em 2019.

A Estratégia de Saúde da Família (ESF) é composta por equipe multiprofissional que possui, no mínimo, médico generalista ou especialista em saúde da família ou médico de família e comunidade, enfermeiro generalista ou especialista em saúde da família, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS). Agentes comunitários de saúde são profissionais ligados à atenção primária que atuam dentro da comunidade, monitorando a saúde da população local e levando essas demandas para as unidades de saúde.

A médica especialista em medicina da família da Secretaria Municipal de Saúde, Denise Vaz explica que a atenção primária é a porta de entrada da população aos serviços de saúde. “Na atenção primária é possível resolver 90% dos problemas de saúde dos cidadãos”. A médica afirma que se a quantidade de profissionais for reduzida ou alguma unidade fechada resulta em perda do acesso da população a saúde pública.

De acordo com a presidente do Sindicato de Servidores da Saúde de Goiás (SindSaúde/GO), Flaviana Alves, o déficit de atendimento em APS prejudica qualidade do serviço de toda cadeia da Saúde Pública, pois atua na medicina preventiva, promoção e proteção à saúde e gera economia em tratamento e procedimentos médicos. Um estudo realizado em 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que para cada dólar investido em prevenção de saúde são economizados três dólares.

Ela ainda alega que a situação da Saúde Pública em Goiânia é muito grave. “Está desse jeito desde muito antes da gestão do prefeito Iris Rezende, mas a administração atual não fez nada para melhorar esse quadro em quatro anos de gestão”, lamenta. Ela ainda afirma que a falta de profissionais da saúde já foi denunciada ao Ministério Público de Goiás (MP-GO) e ao Ministério Público do Trabalho de Goiás (MPT-GO). “A prefeitura afirma que vai abrir novos concursos para contratação de profissionais, mas até agora não foi feito”.

Mudanças

O Ministério da Saúde mudou a forma de financiar a atenção primária à saúde no último ano. O repasse de recursos vai levar em conta o número de pacientes cadastrados nas equipes e o desempenho medido por indicadores de qualidade do pré-natal e controle de doenças como diabetes e hipertensão. O MS estipulou prazo até o dia 10 de abril para cadastrar usuários nas Unidades Básicas de Saúde da Família.

Segundo Flaviana, o novo modelo deve gerar uma subnotificação no número de pessoas cadastradas e resultar na diminuição do orçamento para atenção primária. “Não temos equipes suficientes para cadastrar todo mundo que precisa em tempo hábil. Isso vai resultar em um subfinanciamento do que já é subfinanciado”, lamenta. Flaviana esclarece que as unidades básicas de saúde só funcionam com famílias cadastradas e cada agente comunitário é responsável por mil pessoas no bairro.

O governo ampliou a responsabilidade do agente comunitário de saúde. Antes, eles deveriam atender até 750 pessoas. A presidente do Sindicato dos servidores de saúde credita que isso pode levar à diminuição destes profissionais nas unidades. “O governo quer diminuir o número de agentes para expandir e transformar as unidades de atenção à família em pronto atendimento para não terem que construir novas UPAs”. (Especial para O Hoje)

 

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