Segunda-feira, 08 de julho de 2024

Com mais de dois meses fechados, bares e restaurantes estão à beira de um colapso

Os donos de bar Ana e Thiago são contra a reabertura dos estabelecimentos: “a circulação de pessoas aumenta a proliferação do vírus”

Postado em: 26-05-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Os donos de bar Ana e Thiago são contra a reabertura dos estabelecimentos: “a circulação de pessoas aumenta a proliferação do vírus”

Igor Caldas

Com locais fechados há mais de dois meses em Goiânia, bares e restaurantes têm sido um dos setores mais atingidos pela crise causada pela pandemia da Covid-19. Pesquisas feitas pela Associação de Bares e Restaurantes (Abrasel) indicam possibilidade da demissão de até 12 mil funcionários no Estado e a maior parte do empresariado do setor não consegue acesso às linhas de créditos dos bancos. Muitos restaurantes não conseguirão voltar aos negócios após a pandemia. Mesmo diante do número crescente de morte e contaminação trazida pelo Coronavírus, parte do setor pressiona por reabertura.

Algumas cidades goianas com mais de 100 mil habitantes já voltaram com atividades no setor. Anápolis, Trindade, Caldas Novas, Valparaíso, Luziânia e Formosa são algumas delas. Terceira maior cidade do Estado e terceira no ranking de casos confirmados de Covid-19, Anápolis têm restaurantes funcionando com a capacidade máxima de 30% de lotação. A Associação de Bares e Restaurantes em Goiás (Abrasel-GO) pressiona a administração do município para ampliar o limite para 50% e pede o retorno de bares em 30% de sua capacidade.

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Academias

Na última semana, as academias foram pauta entre abertura e fechamento de suas atividades, principalmente em Goiás. Atendendo ao pedido de profissionais em educação física, a Justiça goiana autorizou a reabertura desses locais com 30% da capacidade. A medida, no entanto, dividiu a população e especialistas. O Ministério Público de Goiás afirma que vai recorrer da decisão novamente para manter as portas de academias fechadas.

Para a advogada especialista em Direito do Trabalho que representa cerca de 20 bares e restaurantes na Capital, Carla Zannini, alguns estabelecimentos, principalmente do ramo alimentício também devem retornar – respeitando a capacidade de 50%- em breve. “Qual o motivo de ter algumas categorias empresariais beneficiadas e bares, lanchonetes e restaurantes serem excluídos?”, indaga a especialista.

Cerca de 10 mil restaurantes e bares estão com as portas fechadas em Goiânia, atendendo ao decreto estadual que suspendeu as atividades desde o dia 18 de março. “Foi óbvio que, no primeiro momento, todos os empresários apoiaram a suspensão das suas atividades, pensando num bem maior, já que a pandemia se trata de um inimigo oculto. No entanto, com a retomada de alguns estabelecimentos, eles ficam à deriva. E, daqui a alguns dias, eles não poderão valer da MP 936, que prevê a suspensão dos contratos de trabalho dos empregados”, alerta Zannini.

Divergência

Apesar das dificuldades e de queda de 95% em sua receita, um bar querido ao público alternativo da Capital está conseguindo segurar as contas e funcionários por meio da relação de fidelidade com os clientes aliada à visão de manutenção de saúde financeira nos negócios. Ana Laura Canedo e Thiago Farias inauguraram o Shiva-Alt-Bar há cinco anos e nadam contra a maré que pede a volta das atividades. “Primeiramente, sou contra a reabertura por uma questão de saúde pública. Por menor que seja, a circulação de pessoas aumenta a proliferação do vírus”, defende Ana.

Outro fator elencado pela empresária é que não é compensatório abrir com restrições de capacidade. “O custo de abertura com 30% ou 50% de clientes é o mesmo que o de uma volta total às atividades. Tira a força para negociações como redução do aluguel, prorrogação de impostos ou benefícios que mitiguem a crise”, declara Ana.

Ela ainda ressalta que entende que muitos donos de estabelecimentos estão acumulando dívidas e que a paralisação vai significar o fim de muitos bares e restaurantes, mas crê que uma reabertura prematura pode resultar em falta de segurança jurídica, falta de previsão de volta total de atividades e uma consequência ainda pior para gestores de negócios. Para Ana, as pressões por reabertura dos restaurantes atingem outros setores que também pedem a volta de atividades.

“O aumento de circulação do vírus vai gerar uma onda de idas e vindas de quarentenas, trazendo consequências ainda mais drásticas para os negócios”. Ela ainda diz que a situação de instabilidade na questão de paralisação vai fazer com que os gestores de negócios percam investimentos e tenham que vender tudo de maneira abrupta com o primeiro anúncio de retorno a uma nova paralisação. “Sem previsão, a pessoa vai investir para reabrir e de repente vem um novo fechamento para enterrar de vez o empreendimento”, prevê.

Colapso hospitalar

A justificativa pautada na abertura de outros estabelecimentos para ampliar a volta de funcionamento de cada vez mais atividades contribui com a tendência de diminuição da taxa de isolamento na Capital de forma perigosa. De acordo com estudo de modelagem da expansão do Coronavírus feito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), quanto mais pessoas circularem nas ruas, mais próximos estaremos de um colapso hospitalar. A pesquisa faz previsões da demanda de UTIs em três cenários distintos de isolamento social.

No cenário “azul”, mais brando apresentado pelo estudo, seria a hipótese do isolamento social ser mantido entre 50% a 55%. Nesta condição, Goiânia teria demanda diária de 12 a 24 leitos de UTI com respiradores até o dia 30 de junho. Em hipótese de um cenário classificado como intermediário ou “verde”, com nível de isolamento variando entre 32% a 50%, a Capital teria demanda diária por até 183 leitos de UTI até o fim do próximo mês. Na pior das conjecturas, com isolamento entre 25% a 30%, a demanda diária de UTIs com respiradores em Goiânia seria de 380 a 553 leitos.

Um dos pesquisadores que faz parte do grupo de trabalho da UFG, Thiago Rangel, afirma que o alto risco de colapso do sistema está em todos os municípios com o índice de isolamento abaixo de 50%. “Apenas o cenário azul nos salva de um colapso hospitalar. O cenário verde [32% a 50% de isolamento] ainda dá um fôlego adicional de uma ou duas semanas em relação ao vermelho [25% a 30%]”. Ele diz que se a crescente queda do isolamento social continuar, a situação de lockdown será inevitável em algum momento do próximo mês.

Alternativas para funcionar de portas fechadas 

O Shiva-Alt-Bar, localizado no Setor Oeste, buscou alternativas para sobreviver de portas fechadas. O estabelecimento adotou o sistema de entrega de drinks e petiscos, venda de kits de sobrevivência com camisetas de apoio ao estabelecimento e participou de programas de ajuda de marcas parceiras do bar. Uma marca de cerveja adotou um sistema de vaquinha em que ela devolve o dobro do valor investido pelo cliente em consumação na tão pedida volta das atividades após o término da pandemia.

Parceiro de Ana na vida e nos negócios, Thiago Faria destaca que um dos desafios de fazer o negócio sobreviver na pandemia foi o mergulho em atividades que antes não eram exercidas no bar. “A gente teve que fazer vários testes para adaptar os pratos que chegam a casa do cliente sem perda de qualidade”, relata. Outros fatores já adotados na preparação dos alimentos foram benéficos para o sistema de entregas em tempos de pandemia. Os drinks do bar já eram servidos em embalagens “zip loc”, perfeitamente adaptáveis a quem quer desfrutar de um aperitivo em casa.

O casal ressalta que a sobrevivência do bar está nas mãos daqueles clientes mais fiéis do estabelecimento. Ana afirma que a fidelização dos frequentadores está pautada na identidade do estabelecimento. “Nossos ideais, as bandeiras que levantamos com as quais sempre encontramos profundamente no nosso público, criando laços de amizade. Clientes que viraram nossos amigos, amigos entre si, essa nossa grande família é quem segura à gente”. 

O bar foi um estabelecimento que se posicionou politicamente em apoio às campanhas antifascistas em 2018. Outra bandeira levantada pelo estabelecimento é a sustentabilidade. “A gente sempre incentiva nossos clientes no reaproveitamento dos copos e sacos de zip-loc no ambiente do bar, então bolamos um jeito para que eles possam reaproveitar o material também em casa”, afirma Thiago. Os drinks encomendados chegam junto com sementes de hortaliças e flores, com terra, cascalho e manual de instrução para cultivo em casa. (Especial para O Hoje)

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