Obras na Rua da Divisa no Setor Jaó impactam nascente de córrego

Prefeitura afirma que as nascentes na APP não existem, mas documentos da Amma atestam o contrário - Foto: Igor Caldas

Postado em: 01-10-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Prefeitura afirma que as nascentes na APP não existem, mas documentos da Amma atestam o contrário - Foto: Igor Caldas

Igor Caldas

A pretensão de executar a duplicação da Rua da Divisa no Setor Jaó interligando o bairro à BR-153 e a duplicação da Avenida João Leite, no Santa Genoveva, interligando a pista à Perimetral Norte vem enfrentando entraves para a realização desde 2009. Associação representativa dos moradores do Jaó e Santa Genoveva alerta sobre a falta de estudos sobre os reais impactos ambientais da obra, que coloca as nascentes do córrego Jaó em risco.

A Prefeitura de Goiânia afirma que as nascentes no local da obra, uma área de preservação ambiental, são fictícias. No entanto, a equipe do jornal O Hoje teve acesso a relatórios técnicos da própria Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) que comprovam a existência de nascentes difusas na Área de Preservação Permanente (APP), próximo a Rua da Divisa, onde se pretende realizar as obras. O Relatório Técnico 042/2015 configura a área da nascente do Córrego Jaó como nascentes difusas localizadas na cabeceira do curso d’água, com vários pontos de afluência dentro da área de proteção ambiental.

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Em documento enviado a 19º Vara Cível e Ambiental da Comarca de Goiânia, o Conselho Comunitário de Segurança do Jaó afirma que a Licença Ambiental Prévia expedida pela Amma para a duplicação da via não faz nenhuma menção à Unidade de Conservação do Parque Jaó, ou ao fato de que a obra viária passará por cima das nascentes do Córrego Jaó.

O Parque Jaó corresponde toda a extensão das duas margens do córrego, desde sua nascente até a foz, no rio Meia Ponte, conforme levantamento feito pelo professor Osmar Pires Martins Júnior em laudo pericial feito sobre a degradação ambiental de áreas públicas e/ou de preservação permanente do Setor Jaó, anexado nos autos do Inquérito policial da Delegacia Estadual do Meio Ambiente (Dema), instaurado por iniciativa da 15ª Promotoria de Justiça de Goiânia.

A obra viária prevê o alargamento da pista dos atuais sete metros para novos 32 metros e instalação, no leito da nascente, de um bueiro duplo celular de concreto acompanhado de trabalho de terraplanagem no local é feito a partir da remoção da vegetação presente na área da nascente. Em seguida uso de maquinário pesado para a escavação do solo, e ainda a sua escarificação, remoção, regularização e compactação do leito da nascente do Córrego Jaó.

Este mês o Conseg Jaó divulgou um vídeo tecendo críticas contra a duplicação da Rua da Divisa por ser uma obra que afetará as nascentes do Córrego Jaó. Em nota, a Prefeitura de Goiânia respondeu que a Amma esclarece que o órgão ambiental emitiu uma licença prévia da obra com base nos estudos técnicos e projetos apresentados pela Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras e que atendem a legislação ambiental, além dos pareceres técnicos. A Amma reafirma que não existe nascente no local e que o vídeo que circula pelas redes sociais é uma montagem com a finalidade de apresentar uma nascente fictícia.

Paralisação

Em julho deste ano o Ministério Público de Goiás (MP-GO) pediu ao Município de Goiânia e a Amma para que as obras de duplicação da Rua da Divisa no Setor Jaó fossem paralisadas até que fossem regularizadas algumas pendências apontadas na Ação Civil Pública (ACP). Na ação movida pela promotora de Justiça Alice de Almeida Freire, também é requisitada suspensão dos efeitos do edital do pregão eletrônico para contratação da empresa que executará a obra, bem como da licença ambiental emitida pela Amma.

De acordo com a promotora, a Prefeitura de Goiânia feriu a legislação ao realizar pregão eletrônico para contratação da obra. O edital licitatório estabeleceu que o processo de escolha da empresa responsável seria do tipo menor preço e sob o regime de empreitada por preço unitário, para executar serviços de terraplanagem, pavimentação, sinalização e galerias de águas pluviais. Alice esclarece que esta modalidade não se aplica para a execução da obra, pois pode ser usada apenas para aquisição de bens e a contratação de serviços comuns e serviços comuns de engenharia.

No documento fica claro que a obra de duplicação da Rua da Divisa não se encaixa nesta categoria, pois exige estudos ambientais complexos devido sua localização em área de preservação permanente. A promotora ainda menciona que ao ser emitida a licença prévia da obra de duplicação da Rua da Divisa, houve menção de forma genérica aos reais impactos ambientais que a ação poderia causar e que o Estudo ou Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) deveria ser realizado.

“Para elaboração do EIA/Rima, há que se conhecer previamente o projeto que se pretende implementar e cotejar seus impactos no meio ambiente em que se pretende inseri-lo, de modo a permitir a adoção de medidas mitigadoras e até alterações no projeto, com o objetivo de causar o menor impacto ambiental possível, conforme determina a Resolução Conama nº 1/1986. Essas considerações, ressalvadas as peculiaridades de cada tema, também são aplicáveis à questão do trânsito e aos impactos de vizinhança, estudos e relatórios que não foram até então elaborados”, declarou a promotora.

Trânsito no Setor Jaó pode ser impactado  

De acordo com a entidade representativa do bairro, a duplicação da via fará surgir um novo corredor viário entre a BR-153 e a via Perimetral Norte, através da passagem das avenida Sucuri e Rio Branco, ambas no Setor Jaó e a avenida João Leite, a essa altura com duplicação estendida até a sua intersecção com a via Perimetral Norte. Segundo o Conseg Jaó, tal alteração representaria o aumento de tráfego de veículos pela via, passando dos atuais 3 mil a cada suas horas para aproximadamente 10 mil veículos.

Vizinho da Área de Proteção Ambiental, André Godoi mora em uma das casas que se localiza ao longo da Rua da Divisa. Ele afirma que o trânsito já é pesado no local, com tráfego intenso de caminhões. No entanto, diz que nem sempre foi assim. “Antes havia placas que proibiam a circulação de veículos pesados na via”, declara. Ele acredita que a situação do trânsito deve piorar muito após a obra de duplicação da via.

O morador do Setor Jaó ainda afirma que é difícil dormir à noite com a intensa poluição sonora provocada pelo tráfego de caminhões. “Essa via não foi feita para o trânsito desses tipos de veículos”, aponta. Ele descreve falhas ao longo da via, como o desaparecimento de uma rotatória. “Só tem o sinal da rotatória porque os caminhões passam por cima e já afundou ela”, lamenta.

Ele ainda afirma que se a obra acontecer, a outra parte da via será construída ao lado das casas, tendo como limite o próprio muro das residências. Ele mostrou à reportagem um piquete instalado em frente ao muro de sua propriedade. “A prefeitura nunca nos deu nenhuma notificação ou promoveu alguma audiência pública conosco”, lamenta.

Além disso, André ressalta que os danos ambientais da obra podem ser irreversíveis. “Se eles acabarem com as nascentes do Córrego Jaó, o bairro e Goiânia estarão perdendo uma fonte de recurso hídrico importante para o meio ambiente”, defende.

Segurança

O documento enviado ao judiciário pelo Conseg Jaó aponta preocupações em relação aos efeitos que a duplicação da via pode causar na segurança do bairro e afirma que a passagem do tráfego intenso, vai aumentar a circulação de pessoas no local de forma exponencial e pode acarretar um aumento nos índices de criminalidade no setor. “Sobretudo pela característica de sua ocupação com predomínio absoluto de residências unifamiliares, sendo certo o incremento de assaltos à residências, uma vez facilitada a rota de entrada e fuga”, aponta o documento. (Especial para O Hoje)

 

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