Juiz suspende retirada de famílias em área ocupada, em Goiânia

A desocupação deveria ocorrer no sábado (14), mas decisão estabeleceu novo prazo em função da pandemia | Foto: Wesley Costa

Postado em: 12-11-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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A desocupação deveria ocorrer no sábado (14), mas decisão estabeleceu novo prazo em função da pandemia | Foto: Wesley Costa

Eduardo Marques

A dois dias para o fim do prazo para a retirada de cerca de 500 famílias que ocupam uma área da União no Jardim Novo Mundo, na região Leste de Goiânia, o juiz da 8ª Vara Federal da Capital, Urbano Leal Berquó Neto, acatou o pedido dos advogados de defesa Fernando e Leandro Salles e suspendeu os efeitos da ordem liminar para a desocupação. A decisão foi assinada na noite dessa terça-feira (10). O magistrado interpretou que em razão da pandemia do novo coronavírus as famílias podem permanecer na área por mais 12 meses.

Na decisão, Urbano narra que tanto a União quanto o município de Goiânia se manifestaram pela manutenção da decisão que concedeu a medida liminar, mas ao mesmo tempo requereram a suspensão do cumprimento da provisoriedade até que ela se mostre viável. O mesmo ocorreu no Ministério Público Federal (MPF).

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De acordo com o juiz, “não há como se dar efetividade à ordem de desocupação dada no dia 14 de novembro de 2019, sem gerar tumulto social, eis que não fora disponibilizada às pessoas habitantes do local, opção de nova moradia”. Ao deferir o pedido de suspensão da desocupação da área, o magistrado retomou a insistência que autoridades municipais, estaduais e federais tomem providências para que, no prazo de um ano, as famílias sejam transferidas para unidades habitacionais. 

A Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh) informou que a dilação de prazo concedida pela Justiça para reintegração de posse da área pertencente à União, conhecida como Residencial Emanuelle, na região Leste da Capital, também foi um pleito da Prefeitura de Goiânia, via Procuradoria Geral do Município. “Na última segunda-feira (9) o Secretário de Planejamento, Ariel Silveira, reuniu-se com uma comissão de moradores do Residencial Emanuelle e com a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e informou aos mesmos a decisão tomada pela Prefeitura de Goiânia nesse sentido, considerando o período da pandemia e acordo celebrado com a Superintendência de Patrimônio da União”, diz a nota.

A Prefeitura esclarece, ainda, que aguarda o envio pela União de um termo de cooperação técnica para análise e assinatura com vistas à celebração de parceria para uma melhor solução para o caso.

Já a Agência Goiana de Habitação (Agehab) reitera que a referida área no Jardim Novo Mundo não é de propriedade do Estado e nem da Agência e, também, que não é parte na ação de reintegração de posse promovida pela União e que tramita na Justiça Federal. Informa que só tomou conhecimento desse litígio em 14/11/2019, data em que participou de audiência de mediação como terceira interessada. “Naquela oportunidade, houve decisão do juiz no sentido de que, para melhor solução, seria necessária a participação da tríade da Administração Direta e Indireta, nesse caso, a União, que é a proprietária da área, o Município de Goiânia e o Estado de Goiás, por intermédio de um de seus órgãos, neles incluso a Agehab. A Agehab não recebeu nenhum comunicado oficial relativo a adiamento do cumprimento da liminar do processo de reintegração de posse”, revela o comunicado.

Mas, desde que foi procurada pela Superintendência do Patrimônio da União em Goiás (SPU-GO), responsável pelo terreno da União e pelo processo em curso na Justiça, a Agehab disse que colocou-se à disposição para ajudar no processo de regularização fundiária da área e das moradias ali existentes. A SPU-GO já ofertou a área para o Município regularizar. Apesar da responsabilidade ser da União, estamos abertos ao diálogo para ajudar numa solução do problema. 

Para o advogado que representa as famílias, Fernando Sales, os moradores receberam a decisão do adiamento com alegria. “Nós [advogados], vamos ter um tempo aí de doze meses para vir com as medidas junto aos órgãos do Município de Goiânia, Estado de Goiás e também a União, para que seja promovido o processo de regularização fundiária e urbanização. Então, acreditamos que as famílias têm essa expectativa, tendo em vista que elas se encontram consolidadas numa área por mais de seis anos, onde ali elas constituíram um nicho social”. 

Risco de desabamento

O líder comunitário Ederson Santana Rodrigues, que mora em uma das casas próximo ao “buracão”, mantém perseverança e acredita que vai conseguir resolver o problema com ajuda de outros moradores. “A Defesa Civil veio aqui e interditou o local. Falaram que a gente não pode morar aqui. Mas o poder público não dá outra casa para gente morar, então nós mesmos vamos arrumar a condição para morar aqui”.  Ele diz que a erosão aumenta pela falta de tubulação que escoa a água pluvial que desemboca no Córrego Buritis. As manilhas que escoavam a água foram rompidas pelas últimas chuvas e infiltram o solo, deixando o local cada vez mais propício para o desmoronamento. A luta das famílias pela moradia própria se reflete no andamento dos trabalhos de construção de novas casas e na insistência de tampar o buraco com entulho.

A outra líder comunitária Geovana Nascimento pede às autoridades sensibilidade para o problema que estão enfrentando ultimamente, mantendo as famílias na área e a legalizando. “Peço encarecidamente que as autoridades tenham sensibilidade de nós. As famílias criaram raiz aqui dentro. Para onde iremos? Nós buscamos dignidade e encontramos aqui. Nessa área. Hoje nós vivemos em paz”, afirma. 

Desocupação pode virar um Parque Oeste Industrial 

Quando as máquinas para demolição levaram a baixo as paredes das últimas casas da ocupação no Setor Parque Oeste Industrial, há 15 anos, um drama acompanhado pelos moradores e a imprensa mundial durante nove meses teve uma pausa. Erguidas pela primeira vez em maio de 2004, em uma área particular daquele bairro, as simples barracas logo se multiplicaram e depois deram lugar a casas de alvenaria, que compunham o cenário encontrado na manhã de 16 de fevereiro de 2005, e que horas depois já não se via mais.

A partir do momento em que foi expedida a reintegração de posse, os moradores decidiram que iriam resistir. Construíram barricadas e se organizaram para o embate. O espaço foi cercado pelo lado de fora por viaturas da Polícia Militar (PM). Todos os pontos de entrada e acesso ao bairro foram fechados.

Moradores relataram que, antes da chamada Operação Inquietação, houve noites de terror. Bombas, tiros e gritaria, se somaram ao corte de energia e água. O intuito era abalar o psicológico dos ocupantes e desestabilizar o movimento de resistência. Dez dias depois, em 16 de fevereiro, a PM deu início à Operação Triunfo e entrou no bairro.

Do total do contingente, de acordo com levantamentos do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), 767 policiais portavam armas de fogo: pistolas 9mm, calibre .40, revólveres calibre .38 e espingardas calibre .12. O saldo oficial, segundo o Governo Estadual, foi de dois mortos e 14 feridos encaminhados para o Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo). Cerca de 800 pessoas foram detidas e levadas para o 7º Batalhão da PM, no Jardim Europa. (Especial para O Hoje)

 

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