Em 2020, quase 100 mil crianças trabalharam em Goiás

Mapa do Trabalho infantil aponta 99.915 pessoas com idade entre 5 a 17 anos ocupadas no Estado | Foto: Wesley Costa

Postado em: 04-01-2021 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Mapa do Trabalho infantil aponta 99.915 pessoas com idade entre 5 a 17 anos ocupadas no Estado | Foto: Wesley Costa

Igor Caldas

Integrantes do judiciário afirmam que os números do último levantamento sobre trabalho infantil feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados na última quinta-feira (17) estão subnotificados. O levantamento feito pelo IBGE não apresenta dados regionalizados, mas o Mapa do Trabalho infantil, desenvolvido pela ONG Rede Peteca aponta quase 100 mil pessoas ocupadas com idade entre 5 a 17 anos em Goiás.

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) divulgada na última semana aponta que o País tinha 38,3 milhões de pessoas com idade entre cinco a 17 anos e 1,8 milhão destes estavam em situação de trabalho infantil em 2019. O número revela uma diminuição em 16,8% no contingente de crianças e adolescente em trabalho infantil em comparação com 2016, quando tínhamos 2,1 milhões de crianças trabalhando.

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Em nota, o Ministério Público do Trabalho (MPT) manifestou preocupação com a subnotificação dos números apresentados pelo IBGE. O órgão aponta que a falta de registro pode causar a falsa impressão de que o País tem avançado para garantir os direitos das crianças e dos adolescentes e afirma que o Brasil continua forçando a atividade laboral de jovens, especialmente dos mais pobres, dos negros e das meninas. 

Alexandre Piovesan, juiz do trabalho atuante em Goiânia defende que muitas vezes os dados levantados por pesquisas nem sempre refletem a realidade. “O aumento de retração econômica é sempre inversamente proporcional à diminuição do trabalho infantil”. O magistrado afirma que ver crianças pedindo dinheiro no lugar dos Pais é muito comum nas ruas da capital.

O magistrado ainda diz que o próximo levantamento deve apresentar um aumento da exploração infantil em comparação ao ano de 2019 por causa da pandemia. “Nós não temos nenhum tipo de mapeamento especifico quanto à pandemia, mas existe um consenso sensível de que a retração econômica, principalmente no primeiro semestre do ano, causou aumento da exploração infantil”.

Segundo Alexandre, esse tipo de trabalho infantil, quando a criança ou adolescente trabalha para ajudar a garantir a sobrevivência dele próprio e da família também é enquadrado como trabalho infantil. O juiz é um dos gestores do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho em Goiás.

Alexandre esclarece que trabalho infantil é a exploração do menor de idade em vulnerabilidade. “A Constituição é clara quando diz que não pode trabalhar antes dos 14 anos. Jovens que estão entre os 14 e 16 anos só pode trabalhar como aprendiz e dos 16 aos 18 anos pode trabalhar normalmente, desde que não em serviços perigosos, insalubres, penosos, ou qualquer serviço que prejudique a formação moral do menor”. 

Atividade orientada por pais não se enquadra em exploração 

O magistrado ainda alerta que situações onde o menor ajuda os pais nos negócios, nos trabalhos domésticos ou até mesmo em pequenas atividades nas propriedades rurais não se enquadram em exploração de trabalho infantil. “Esses tipos de atividades têm caráter educativo. O pai está orientando, ensinando a criança e acompanhando seu desenvolvimento”.

No entanto, a regra de que essas atividades não podem ser perigosas, insalubres ou prejudiciais à formação moral do menor continua valendo. “Não há nada de errado quando um menor ajuda seus pais a limpar a casa, a regar as plantas, dar comida aos animais ou aprender desde cedo em uma empresa, desde que não haja exploração, não há infração”, aponta. Serviços de caráter orientativo não se inserem no contexto de trabalho infantil.

Apesar das ressalvas, o magistrado declara que atividades como pedir dinheiro nas ruas, exercício de trabalhos não remunerados como vigiar carros e limpar para-brisas e vender produtos – mesmo quando considerados essenciais à subsistência do menor e adolescente – se enquadram no contexto de trabalho e exploração infantil.

Alexandre declara que o trabalho infantil é um ciclo miserável e o caminho mais rápido para combatê-lo é a melhoria da qualificação profissional dos pais para que eles possam dar uma vida digna aos seus filhos por meio da condição de estudo. “O grande problema é como vamos resolver esse problema? Não adianta a gente exercer toda ação combativa policial ou campanhas de conscientização, se a família está passando fome. Em algumas situações, se a criança não trabalhar, ela não vai comer. Nenhuma criança trabalha porque quer”.

O juiz afirma que os pais devem ter a oportunidade e possibilidade de sustentar seus filhos para permitir que essas crianças saiam do ciclo miserável de trabalho infantil e comecem a estudar. Se isso não acontecer, a criança explorada vai ser um adulto com subemprego. “Muita gente fala para denunciar. É importante, mas é necessário também conhecer a origem do problema. Qual a criança que consegue aprender com fome?”, questiona.

Racismo

De acordo com os números do IBGE, proporcionalmente, o país tinha 5,3% de suas crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil em 2016, percentual que foi reduzido para 4,6% no último ano. A pesquisa ainda aponta que a maioria das crianças e adolescentes que trabalham não são brancos.

De acordo com o levantamento, entre menores de idade em situação de trabalho infantil, 66,4% eram homens e 66,1% eram pretos ou pardos, proporção superior à dos pretos ou pardos no grupo etário dos cinco aos 17 anos de idade (60,8%).

Apesar de considerar os números subnotificados, a coordenadoria nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do MPT se manifestou sobre o perfil da criança e adolescente vítima de trabalho infantil no Brasil apresentado pelo IBGE e afirma que os números apontam que o racismo é um fator estruturante da exploração infantil no Brasil. (Especial para O Hoje) 

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