Fundador do site E-Farsas revela rotina para checagem de fake news

Gilmar Lopes relembra a primeira notícia falsa que pesquisou se era verdadeira ou não. Tratava-se de uma corrente informando sobre uma criança de câncer que receberia por cada compartilhamento | Foto: Divulgação

Postado em: 24-01-2021 às 11h30
Por: Nielton Soares
Imagem Ilustrando a Notícia: Fundador do site E-Farsas revela rotina para checagem de fake news
Gilmar Lopes relembra a primeira notícia falsa que pesquisou se era verdadeira ou não. Tratava-se de uma corrente informando sobre uma criança de câncer que receberia por cada compartilhamento | Foto: Divulgação

Iniciado em 1º de
abril de 2002, o site de checagem de fake news E-Farsas, um dos primeiros do
Brasil, foi inaugurado por Gilmar Lopes, um analista de sistemas que, com um
“know-how” sobre o assunto, já pesquisava informações estranhas que recebia por
e-mail. Segundo ele, ao conseguir desmentir uma ‘corrente’ falsa via e-mail,
não parou mais. 

Hoje, o blog é o
quarto melhor de língua portuguesa do mundo sobre o assunto, segundo a agência
alemã Deutsche Welle. E, ao longo dos anos, já desmascarou milhares de mentiras
que volta e meia circulam pela internet. Segundo Gilmar, a diferença de hoje
para outros anos é que vem aumentando com muita rapidez as fake news, devido ao
alcance promovido por inúmeras redes sociais. 

Quem nunca recebeu
notícias falsas e até já repassou sem checar a informação? Para frear esse
volume de desinformação, que pode causar problemas, Gilmar e sua equipe não
cansam de ir em busca dos fatos. Ele destaca que já foram centenas de
entrevistados das mais diversas áreas, apurações minuciosas e muita
paciência. 

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E foi em um momento
de descanso que Gilmar atendeu O Hoje para contar um pouco da sua história, do
E-Farsas e das expectativas sobre os mecanismos das plataformas que tentam
identificar fake news. Para ele, que seja algo que não se assemelhe a censura
aos usuários. Confira a entrevista.

O Hoje – Como surgiu a
ideia de se criar um site para checar fake news? 

Gilmar – Lá entre 1998 e
1999 eu já recebi algumas correntes por e-mail, naquela época ainda não tinha
redes sociais. Aí eu recebi uma vez uma corrente de uma criança com câncer e
para cada e-mail repassado, essa criança ia receber alguns centavos para
tratamento dela de câncer. E tinha algumas empresas que estavam participando
dessa corrente juntamente com essa história. Mas ao invés de repassar para meus
amigos, resolvi entrar em contato para saber se aquilo era verdade ou não. E eu
descobri que aquilo era mentira. As empresas não estavam participando daquela
campanha. E aí eu mandei de volta para meus amigos, falei: ‘olha, essa história
é falsa por esses motivos’. E eles começaram a me mandar de volta algumas
outras correntes. Para ver se eu descobria se era verdade ou não. Começaram a
me mandar fotos e alguns textos para eu ir descobrindo. Eu pesquisava e depois
devolvia para eles. Até que um dia eu pensei: ‘eu acho bom ter um lugar, onde
as pessoas possam consultar estas histórias e ver quais são verdadeiras e quais
são falsas’. E no dia 1º de abril de 2002 eu criei o E-farsas para deixar tudo
organizado por lá. A ideia do site é de mostrar que qualquer um pode usar a própria
internet como ferramenta para desmentir ou confirmar as histórias que circulam
nela e que é muito fácil você dar uma pesquisadinha antes de partilhar qualquer
coisa, para não espalhar notícias falsas.

OH – Qual o volume em
média de denúncias que você recebe diariamente? 

Gilmar – Eu não tenho como
mensurar o tanto de pedidos, solicitações que eu recebo por dia, porque a gente
tem um grupo do Telegram, onde as pessoas podem entrar lá e solicitar uma
coisa, comentar uma coisa, é t.me/s/efarsas e tem um número de WhatsApp, que eu
disponibilizo para as pessoas mandarem mensagens pra mim. Então eu recebi muita
coisa e me colocaram em vários grupos. De onde eu também tiro minhas pautas. Eu
não sei cara! Acho que é mais ou menos umas 500 por dia. E eu não consigo dar
conta de tudo. Então eu dou mais prioridades para aquelas que estão sendo mais
comentadas, mas solicitadas e vou pesquisar sobre aquilo. Nem sempre acabo
descobrindo o que era aquilo, se aquilo é verdade ou é mentira, então na
maioria das vezes, quando não consigo descobrir, deixo de lado. Até que novos
dados surjam para que eu possa cravar com certeza se aquilo é verdade ou não.
Basicamente é isso, eu trabalho sob demanda, o que as pessoas estão mais
falando, mais comentando e onde eu vou trabalhar mais. E as vezes eu faço até
algumas pesquisas que eu tenho curiosidade, como às vezes eu vejo uma foto no
Facebook, falo: ‘caramba essa foto é muito interessante, deixa eu ver se ela é
verdadeira’, aí acabo fazendo uma publicação fora do que estão solicitando,
mais por curiosidade. Esses dias eu publiquei uma história no E-farsas de um
cartaz que estava sendo compartilhado como se fosse um cartão de mil oitocentos
e pouco, que seria de um movimento anti eletricidade e aí eu pesquisei e
publiquei lá no site, mas por curiosidade. E a história é meio verdade, fora de
contexto, porque esse cartaz de eletricidade não era um movimento do que estava
acontecendo na época, era uma revista de humor que na época fez uma charge de
um acidente fatal de uma cara lá em Nova York, que morreu eletrocutado e eles
fizeram essa charge em cima dessa fatalidade e aí começaram a espalhar agora
como se fosse uma campanha anti eletricidade. 

OH – Nessas quase duas
décadas, quais períodos foram os mais difíceis para se trabalhar com a checagem
de informações?

Gilmar – Eu acredito que
atualmente está mais difícil de você publicar alguma coisa a respeito de
qualquer assunto. A gente teve uma época que a escassez de informações
dificultava nosso trabalho, então não tinha muita ferramenta para a gente usar
para pesquisar. Atualmente a gente tem muito mais acesso a informação, mas a
gente tem algumas times, a gente tem torcidas na internet. Se eu faço uma
pesquisa contra alguma coisa que o governo falou ou contra alguma afirmação
envolvendo o governo, alguns fãs vão lá e começa a criticar a página do site,
dizendo que a gente é contra o governo. Quando a gente faz a favor do governo,
aí outro tipo de militante de fã, vai lá xingar o site, dizer que o site é a
favor do governo, que a gente é de ultradireita. Então assim, principalmente
notícias envolvendo política é o que está sendo mais complicado.  Mas o
site não vive só de um tema, eu procuro sempre diversificar e se hoje eu falei
sobre saúde, amanhã vou falar sobre esporte, depois de amanhã vou falar de cinema.
E eu procuro diversificar sempre, os assuntos do site para não ficar monotema.
Mas infelizmente a gente está tendo que falar muito de política, porque de 2018
pra cá, é o que mais tem se falado nas redes sociais. Uma enorme quantidade de
notícias falsas compartilhadas nas redes sociais têm aumentado muito,
principalmente envolvendo política, então a gente é obrigado a falar sobre esse
assunto. Mas assim, atualmente está muito mais fácil, porque a gente tem muito
mais ferramenta para pesquisar e antigamente demorava mais, inclusivo no
comecinho do site eu publicava uma vez por semana, uma vez a cada 15 dias e de
uns anos para cá temos que publicar umas cincos ou seis por dia, porque senão a
gente não dar conta de tudo.

OH – Ao longo desses
anos, já diminuiu a quantidade de notícias falsas ou tem aumentado?

Gilmar – Tem aumentado
muito a quantidade de notícias falsas, muito mesmo. Engraçado, conforme a gente
acha que o acesso a informação vai fazer com que diminua as notícias falsas, é
ao contrário, a gente acaba tendo muita mais disseminação de notícias falsas.
Eu acredito que não só aumentou a quantidade como também o alcance. Qualquer um
consegue enviar uma notícia para mil pessoas rapidamente e isso vai
exponencialmente espalhando aí, e rapidinho você consegue alcançar a milhões de
pessoas, com apenas um Twitter ou com apenas um vídeo no YouTube. 

OH – Nesse contexto de
fake news, como você analisa as iniciativas das redes sociais para freá-las?

Gilmar – As redes sociais
têm tentado diminuir esse alcance, mas o que eles fazem é muito pouco, não dá
conta. E outra coisa também, é que as redes sociais usam de algoritmos para
tentar cercar um pouquinho o alcance dessas notícias falsas. Mas isso é meio
difícil de fazer ainda mais porque o algoritmo não entende quando é um sarcasmo
ou quando é uma piada, quando uma pessoa está apenas compartilhando uma coisa,
que não necessariamente seja falsa. Então é muito difícil. Um exemplo que
aconteceu com a gente, foi assim, a gente fez uma pesquisa sobre uma notícia,
dizendo que caiu uma ponte lá na China ou no Japão, não lembro, é essa ponte
foi refeita em poucos dias, e aqui no Brasil, uma ponte caiu lá no Rio de
Janeiro, e levou mais de meses para ficar pronta de novo. E eu fui pesquisar
essa história e realmente essa ponte caiu mesmo a ponte e foi refeita, mas não
em um ou dois dias como está dito, mas foi em alguns meses também. Ainda assim
mais rápido do que aqui no Brasil, mas demorou meses para ficar pronta. Aí
quando eu fui publicar o desmentido no Facebook, ele bloqueou minha postagem,
justificando que essa notícia tinha sido verificada por um site de checagem de
fatos no exterior e que isso era mentira. Eu vou procurar esse site para ver.
Era um site da Indonésia e ele usou as minhas informações do E-Farsas para checar
a informação. Então, fui bloqueado por mim mesmo (risos). Isso é um exemplo de
como os scripts podem causar erro, ou bloquear alguém nas redes sociais, mas
ainda assim é um começo. Eu acredito que isso evolua. Eu acho que o ideal seria
não bloquear, não proibir a pessoa de falar, porque acho que isso seria uma
maneira de censurar a pessoa. Mas deixar ela falar e colocar embaixo uma
marquinha informando: ‘isso pode ser falso, por isso, isso e
isso’.

 

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