Crimes em nome da fé

Acusações contra figuras religiosas ainda tramitam na Justiça. Grande parcela dos fiéis acredita na inocência - Foto: Divulgação

Postado em: 05-02-2021 às 23h59
Por: Sheyla Sousa
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Acusações contra figuras religiosas ainda tramitam na Justiça. Grande parcela dos fiéis acredita na inocência - Foto: Divulgação

Daniell Alves

Começa neste fim de semana no Jornal O Hoje uma série de reportagem sobre crimes cometidos em nome da fé. Denominações religiosas se viram envolvidas em diversos escândalos nos últimos anos. As acusações contra figuras religiosas de Goiás ainda tramitam na Justiça. Grande parcela dos fiéis acredita na inocência dos líderes religiosos. O tema será abordado nos fins de semana. Esta edição aborda os casos ocorridos na Igreja Católica. O mais recente é o caso do padre Robson de Oliveira.

O padre Robson, ex-presidente da Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), era investigado na Operação Vendilhões, do Ministério Público (MP-GO), por possíveis crimes de apropriação indébita, lavagem de capitais, organização criminosa, sonegação fiscal e falsidade ideológica. O processo que investiga o caso está interrompido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ). O MP aguarda uma decisão por parte do Supremo.

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A operação foi deflagrada em agosto do ano passado e cumpriu 16 mandados de busca e apreensão na sede das Afipes, empresas e residências em Goiânia e Trindade. Naquele mês foram bloqueados judicialmente R$ 60 milhões em bens imóveis e valores em contas bancárias dos envolvidos. De acordo com o promotor de Justiça Sebastião Marcos Martins, que coordenou a ação, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) descobriu uma grande teia de movimentações financeiras, envolvendo a compra e venda de imóveis – casas, apartamentos e fazendas – em Goiás e outros Estados, além de transferências de valores entre contas bancárias.

Defesa

A defesa do padre Robson, o advogado Pedro Paulo de Medeiros, alegou que membros do Ministério Público divulgaram publicamente “material obtido irregularmente em busca e apreensão de operação que o Tribunal de Justiça mandou arquivar”. Para o advogado, as alegações do MP não podem ser usadas em nenhum processo, pois a cautelar que determinou a busca e apreensão foi declarada ilegal pelo Judiciário, pois não havia crime. “Por fim, repito: nenhum dinheiro foi desviado da Afipe”, ressaltou.

Pedro enfatizou que “nunca houve ilegalidades enquanto padre Robson presidiu a Afipe”. Segundo explicou, as decisões sobre recursos e investimentos eram divididas entre os 10 membros da diretoria. “Por não haver dinheiro público, a Afipe, entidade privada, é gerida e fiscalizada por este conselho, em atenção às regras constitucionais”, finalizou.

Em carta, a Arquidiocese de Goiânia e Congregação e Congregação dos Redentoristas de Goiânia afirmaram que respeitam as decisões e atos praticados “pela autoridade jurídica do Estado de Goiás” e se colocaram à disposição das devidas autoridades para “apurar, com transparência, quaisquer denúncias em desfavor de seus membros”.

Dom José Ronaldo Ribeiro

Outro padre que se envolveu em escândalo financeiro foi o bispo Dom José Ronaldo Ribeiro, apontado pelo MP como participante de um esquema de desvio de dinheiro e apropriação indébita de recursos da Diocese de Formosa, além de algumas paróquias ligadas a ela em outras cidades. O prejuízo estimado é de mais de R$ 2 milhões. Trata-se da Operação Caifás, deflagrada em março de 2018. Durante a operação, foram detidas nove pessoas, entre elas o bispo Dom José, quatro padres, um monsenhor, um vigário-geral e dois funcionários ligados à administração da Cúria, e cumpridos 10 mandados de busca e apreensão, em diferentes locais.

No detalhamento das investigações, o MP relatou que muitos padres das paróquias da Diocese – ela atende 20 municípios, com 33 paróquias – sofriam intimidações para que não denunciassem o que estava ocorrendo. Isso aconteceu, inclusive, com a vinda do juiz eclaesiástico, que teria o papel de pressionar os religiosos a apoiarem o bispo – até mesmo um relatório falso de auditoria de contas teria sido apresentado com essa finalidade.

O advogado do bispo, Lucas Rivas, explicou que não há processos dentro da igreja abertos contra o cliente e, por isso, entende não haver obstáculos para que ele continue exercendo o sacerdócio. “Ele renunciou à administração da Diocese de Formosa logo após sair da prisão, mas não perdeu suas credenciais de bispo. Portanto, não vejo nenhum empecilho ou problema dele fazer celebrações”, destacou Lucas.

As investigações se iniciaram após o Ministério Público ter recebido denúncias de apostolados leigos (fiéis) dando conta que os desvios haviam sido iniciados em 2015. Acionado, o MP apurou as denúncias que culminaram com a operação. Na época, Dom José Ronaldo alegou que não “tocava” no dinheiro e não havia pedido, por parte do grupo, para apresentação de contas. “Não tem nada de impropriedade. Não toco nos repasses financeiros das paróquias que são destinados à manutenção das necessidades da Diocese, casa do clero, seminário, estrutura da cúria, funcionários etc”, declarou.

Após ser acusado dos crimes, o bispo renunciou o cargo em setembro de 2019 e o Papa Francisco acolheu o pedido. O anúncio foi divulgado pelo Vaticano e divulgado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na semana que aconteceu a primeira audiência do julgamento dos religiosos envolvidos. A Diocese de Formosa informou, à época, que a renúncia foi apenas do ofício de bispo e que ele ainda mantinha o vínculo com a Igreja. Questionada pela reportagem se Dom José ainda mantém relações com a Diocese, a entidade não respondeu antes do fechamento desta edição.

De acordo com o MP, o processo ainda está em andamento. Agora, ele tramita na 1ª Vara dos Feitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa e de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores de Goiânia. Anteriormente o processo estava na Justiça em Formosa, mas foi redistribuído para essa vara, que é especializada em crimes de organizações criminosas e passou a concentrar processos dessa natureza. A redistribuição ocorreu em outubro de 2019. Com a criação recente da 2ª Vara especializada, em janeiro, a previsão é que os autos sejam redistribuídos.

Luiz Augusto 

Ferreira da Silva

Já o padre Luiz Augusto Ferreira da Silva foi acusado improbidade administrativa em 2015. O promotor de Justiça Fernando Krebs propôs ação civil e sustentou que o padre seria servidor da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) desde 1980, mas que após sua ordenação sacerdotal, tornou-se servidor fantasma, uma vez que, desde 1995, continuou a receber sua remuneração regularmente sem dar a contrapartida exigida por lei.

De acordo com o MP, entre 1995 e 2000, o padre esteve lotado no gabinete de José Luciano da Fonseca, sem prestar serviços, provocando prejuízo de mais de R$ 900 mil aos cofres públicos. Depois da morte do deputado, o padre foi lotado na Presidência da Alego, o que, segundo o promotor, atrai para os seus então presidentes a responsabilidade pela irregularidade em relação ao padre.

Quando foi acusado, o padre afirmou que utilizava o dinheiro para ajudar outras pessoas. “Sou funcionário efetivo e fiz uma opção para ganhar um salário da Assembleia um pouquinho maior, hoje de R$ 7,3 mil líquidos. Pago Ipasgo [plano de saúde para servidores públicos estaduais] para as pessoas doentes que eu cuido e sobra R$ 6,3 mil para comprar algum alimento para eles”, disse.

Segundo ele, o fato de não haver registro de frequência não seria suficiente para demonstrar que não prestou serviço, explicando que se desincumbia de atividades externas no exercício de seu cargo público. Em junho de 2017, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) condenou o padre a ressarcir para os cofres públicos o valor de R$ 1,3 milhão pelo período em que foi funcionário-fantasma da Alego.

Dois anos depois, o TCE anulou a parte que condenava ele a devolver o valor. Com a decisão, o padre não precisaria devolver o dinheiro em um primeiro momento. Entretanto, o conselheiro Edson Ferrari, determinou a abertura de uma nova investigação com base no que pediu a defesa de Luiz Augusto.

A defesa do padre pediu, então, ao TCE que fosse “reaberta a instrução processual, mediante a conversão do processo em tomada de contas especial, para apurar esses fatos, identificar os responsáveis e quantificar o dano”. A reportagem entrou em contato o padre, mas não obteve resposta antes do fechamento desta edição. Atualmente, Luiz é pároco na Paróquia Santa Terezinha, em Aparecida de Goiânia.

Em nota ao O Hoje, a Arquidiocese de Goiânia informa que já se pronunciou sobre os dois casos: do padre Robson e padre Luiz Augusto e não tem nada a acrescentar, já que ambos seguem em tramitação na Justiça. “Apenas reitera o desejo de que seja feita a Justiça, conforme a verdade da apuração dos fatos”, diz o texto. Conforme explica o MP, a ação criminal foi trancada pelo STJ. Quanto à ação de improbidade proposta pela 57ª Promotoria de Justiça de Goiânia, ela está em tramitação ainda, na 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual – o processo tramita desde 2016 e já teve 347 movimentos. (Especial para O Hoje). 

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