Goiânia carece de rampas para cadeirantes

Cadeirantes reclamam da falta de acessibilidade. Mais de 10 mil imóveis já tiveram os passeios organizados - Foto: Wesley Costa

Postado em: 11-02-2021 às 23h59
Por: Sheyla Sousa
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Cadeirantes reclamam da falta de acessibilidade. Mais de 10 mil imóveis já tiveram os passeios organizados - Foto: Wesley Costa

João Paulo Alexandre

A rotina de quem é cadeirante está cercada de obstáculos e desafios. A maioria deles é diária e está presente nas atividades mais simples do cotidiano. Segundo a prefeitura, cerca de 10 mil imóveis já tiveram seus passeios adequados. Outros 2 mil proprietários já foram notificados para que procedam a adequação de entes privados ou públicos.

A auxiliar administrativa Lusia Alves, 60 anos, conta que convive com o risco de cair sempre no momento que vai atravessar uma rua em Goiânia. Segundo ela, pela falta de rampas próximas a faixas de pedestres e em cruzamentos, é quase impossível não ir de encontro ao chão ao inclinar a cadeira para realizar a travessia.  “Eu já caí e me machuquei muitas vezes. Minha cadeira é leve já que eu consigo um bom equilíbrio com o meu tronco, mas ela não pode sofrer muitas batidas pois pode virar com mais facilidade. Além disso, é muito vergonhoso você ter que pedir ajuda depois que isso acontece”, destaca.

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Lusia mora no Setor Garavelo, em Aparecida de Goiânia, e trabalha no Setor Vila Nova, em Goiânia. Ela afirma que nota a falta de acessibilidade por todo lugar que passa. “Eu moro no Garavelo antes de se tornar um centro comercial daquele jeito. Percebo que algumas vias contam com a rampa, mas utras não. Em certos casos, tem rampa para descer, mas não tem do outro lado da calçada. Aí não adianta nada para gente”, ressalta.

Outro problema também enfrentado pela cadeirante é quando necessita atravessar uma avenida que conta com ilha. O espaço, segundo Luísa, muitas vezes não conta com a abertura necessária para se passar uma cadeira e, mais uma vez, põe a auxiliar para transitar no meio da rua.

Ela ainda relembra que teve uma excelente experiência com acessibilidade quando foi à Irlanda para disputar o jogo paraolímpico de basquete, em 1996. “Todo o lugar que a gente transitava tinha rampas e acessos facilitados para os deficientes físicos. Até uma loja que fomos tinha acesso por rampa e até um banheiro para deficiente. Infelizmente, isso não ocorre no Brasil. Não há respeito à lei do deficiente físico.”

Mais indiferença

Os relatos são repetidos, mas nada mais são pedidos de respeitos às pessoas que passam situações descritas pelos próprios cadeirantes como ‘vergonhosas’. O técnico em eletrônica, Marcelo Moraes, 47 anos, afirma que, antes da pandemia, tinha costume de sair sozinho, mas que sempre esbarrava em desafios que fazem necessária a ajuda das pessoas.

Ele conta que muita das vezes transita com a cadeira às margens do meio-fio até encontrar um lugar com uma altura mais fácil para poder subir na calçada. “Esbarro com lugares com rampas muito inclinadas, barzinhos com banheiros que não entram cadeira de rodas, calçadas quebradas ou ocupadas por carros. É muito desrespeito com a gente que tem a mobilidade reduzida. Transporte coletivo tentei usar uma vez e não consegui. Como sempre, o elevador estava estragado. Desde então uso carros de aplicativo”, explica.

Travessia

Assim como Luísa, Marcelo aponta que as ilhas que separam as avenidas da cidade, principalmente nos bairros como Vila Nova e Centro, não contam com acessos que facilitem a entrada de cadeiras de rodas para a travessia. “Raramente encontro alguma [ilha] acessível, muitas vezes somente no sinaleiro para atravessar. Acho que deveria ter alguém que entendesse a dificuldade de um deficiente para realmente ajudar. Me sinto triste por não conseguir me locomover sozinho e sempre precisar da ajuda das pessoas em lugares que a lei deveria ser respeitada”, desabafa.

Marcelo é deficiente há 17 anos. Quando perguntando o que faria se estivesse no Poder Executivo, ele responde, categoricamente, que iria fazer valer as leis para que a cidade se tornasse cada vez mais acessível para as pessoas que contam com os mais variados tipos de deficiência.

A Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh) é órgão que cuida da fiscalização do cumprimento ao Decreto Municipal nº 3057/2012, que trata da questão das calçadas acessíveis na Capital. Segundo a pasta, a responsabilidade de todo esse processo é dos proprietários. 

Inclusão da pessoa com deficiência é lei desde 2015 

O texto federal foi assinado em 6 de julho de 2015, na então gestão de Dilma Rousseff (PT), e tem como objetivo “assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.”

A lei ainda traz, no primeiro artigo do capítulo X, o direito ao transporte e à mobilidade que “será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso.”

Goiânia ainda conta com o decreto nº 3057, de 15 de fevereiro de 2015, que dispõe sobre normas dos modelos de calçadas que devem ser adotadas pelos proprietários. De acordo como documento, o calçamento deve ter três faixas: a primeira é denominada de Serviço, que consiste na situação de nivelamento rente ao meio-fio de qualquer tipo de obstáculo que possa ter no local, como posteamento, tampa de poço de visita e de caixa de passagem ou outros elementos aflorados da rede de infraestrutura urbana, hidrante, poste de sinalização de trânsito e de nomenclatura dos logradouros, rebaixamento do meio-fio para acesso de pedestre ou de veículo, recipiente para resíduos sólidos e árvore.

A segunda consiste na Faixa Livre, que fica entre a faixa de serviço e a de acesso. Ela consiste no calçamento exclusivo à circulação de pedestres e isenta de qualquer interferência que possa prejudicar as condições de acessibilidade. Já a Faixa de Acesso é a área da calçada situada ao longo e junto à divisa frontal do lote ou unidade imobiliária, constituindo área contígua aos acessos para pessoas ou veículos aos imóveis.

Denúncias

O Hoje conversou com a advogada da área civil Brunna Cardoso que orienta as pessoas com deficiência que tenham sofrido algum acidente ou problema decorrente da falta de cumprimento das políticas públicas procurar o Ministério Público para formalizar a reclamação. “A questão da acessibilidade vai muito além da atuação do Poder Judiciário em si. Uma ação individual pode até resolver um problema de uma pessoa ou indenizar por um dano sofrido por uma pessoa, mas ações coletivas propostas pelo Ministério Público surtirão muito mais efeito numa ótica mais expansiva. A responsabilidade cabe ao Poder Executivo e não ao Judiciário em si, que acaba funcionando como um tapa-buracos nessas situações”, explica. (Especial para O Hoje) 

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