Crimes em nome da espiritualidade dos seguidores

Líderes espirituais acusados de cometerem crimes sustentam inocência apesar do grande volume de casos | Foto: reprodução

Postado em: 12-02-2021 às 23h59
Por: Sheyla Sousa
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Líderes espirituais acusados de cometerem crimes sustentam inocência apesar do grande volume de casos | Foto: reprodução

Daniell Alves

A série de reportagem sobre crimes cometidos em nome da fé continua neste fim de semana, abordando os escândalos que envolvem denominações religiosas. Esta edição aborda os casos por médiuns ou líderes do espiritismo nos últimos anos. O caso mais recente e que teve repercussão nacional foi do médium João Teixeira de Faria, mais conhecido como João de Deus. Ele foi condenado a mais de 60 anos de prisão por porte ilegal de arma de fogo e crimes sexuais cometidos contra mulheres.

De acordo com o Ministério Público de Goiás (MP-GO), são 13 denúncias contra João pelo crime de estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude. No total, são 18 denúncias contra ele. Os promotores de Justiça que assinaram a última denúncia, Ariane Patrícia Gonçalves e Luciano Miranda, explicaram que, em relação a 11 vítimas, os crimes estão prescritos e, nesse caso, elas figuram como testemunhas para reforçar a forma de agir de João de Deus.

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A Justiça já havia recebido outras 12 denúncias contra João Teixeira de Faria por crimes sexuais. Em duas já houve condenação – em uma delas, 19 anos e quatro meses de reclusão por violação sexual mediante fraude, na modalidade tentada; violação sexual mediante fraude; e dois estupros de vulneráveis; e na outra, 40 anos de reclusão por cinco estupros de vulneráveis. Ele também já foi condenado a quatro anos de reclusão por posse irregular de arma de fogo de uso permitido e por posse irregular de arma de fogo de uso restrito.

A denúncia foi realizada em dezembro do ano passado. De acordo com o MP, o documento apresentado traz relatos, testemunhos, documentos e fotografias relativos a crimes que ocorreram entre 1999 e 2018. O MP ainda aponta que as 18 vítimas que relatam abusos nesta denúncia são dos estados de Goiás, Santa Catarina, Pará, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Bahia.

Defesa sustenta inocência

A defesa de João de Deus se manifestou por meio de nota. O advogado Anderson Van Gualberto, que representa o réu, informou que a defesa “sustenta sua inocência e no curso do processo a comprovará”. Segundo ele, a nova denúncia trata-se “de mais um pernicioso capítulo da estratégia do Ministério Público do Estado de Goiás que vem fazendo do processo judicial um verdadeiro espetáculo público, e estrategicamente, apresenta nova denúncia exatamente na data em que completou dois anos da prisão do médium e se utiliza deste expediente para reacender e inflacionar o sentimento de ódio contra João de Deus”, diz o texto.

Crimes sexuais

Segundo as denúncias do Ministério Público, são três condenações por crimes sexuais cometidos contra nove mulheres: A primeira por porte ilegal de arma – pena de quatro anos em regime semiaberto. A segunda é por crimes sexuais cometidos contra quatro milhares. Neste crime, João foi condenado a 19 anos em regime fechado. A terceira também é por crimes sexuais contra cinco mulheres, sentenciado a 40 anos em regime fechado.

Em 23 de outubro do último ano, ele precisou ser internado em um hospital de Anápolis por causa de problemas cardíacos. No mesmo dia, ele foi transferido ao Hospital Sírio Libanês em Brasília. Ele chegou a passar por uma cirurgia no dia 4 de novembro, mas já recebeu alta médica e vem fazendo acompanhamento na unidade quinzenalmente.

Antônio Miguel Rodrigues

Já o médium Antônio Miguel Rodrigues foi acusado no início de 2019 por ter envolvimento na morte de quatro pessoas. Cleiton Matos Souza denunciou, quatro anos depois do óbito da mãe, à Polícia Civil de Goiás (PC-GO) que ela teria morrido após passar por cirurgia espiritual com o médium.

Segundo ele, a mãe, Raimunda Matos de Souza, de 55 anos, foi tratar de uma pedra na vesícula com o médium, no ano de 2015, em Aparecida de Goiânia. “Ela tinha pedra na vesícula. Foi lá, fez cirurgia com ele, falou que voltaria para liberar ela para ir embora. Ela morreu no local, onde ele ia atender ela, depois de tomar um chá”, contou.

Antônio é investigado pela morte de duas pessoas na Bahia e três em Goiás. O médium afirma ser inocente diante das acusações. Ele explicou à época que usa agulhas nas cirurgias espirituais e estas não seriam capazes de “levar à morte de uma pessoa”. “Lamento muito, queria ter ajudado essas pessoas, mas não tenho culpa e vou provar”, afirmou.

Os atendimentos eram realizados pelo médium em Aparecida e Barreiras (BA). Ele confirmou que atendeu as pessoas que vieram a óbito, porém não contribuiu para as mortes. “Essas pessoas me procuraram com patologias. Patologias sérias. Eu realmente fiz tratamento espiritual, sem cortes. Faço com as mãos e uso também agulha subcutânea. As entidades aplicam energias sobre as agulhas e fazem desmaterializar as enfermidades”, explicou.

A PC chegou a ouvir filhos de três pessoas que morreram após passar por tratamento espiritual com o médium. Os casos apurados são da mãe de uma depiladora, Sebastiana Peixoto, que morreu 17 dias após passar pela cirurgia, e Raimunda Matos, que morreu duas semanas após fazer tratamento para uma pedra na vesícula.

Familiares de um idoso, 80 anos, também foram ouvidos pela Polícia. Eles informaram que o pai fazia pagamento por vários tratamentos com o médium. Duas filhas foram ouvidas como testemunhas sobre a conduta do Antônio. 

Diego Augusto Morais 

Em 2017, um líder de uma seita religiosa começou a ser investigado também pela PC suspeito de oferecer o próprio sêmen como forma de purificação para os seguidores, em Goiânia. As investigações apontaram que o jovem Diego Augusto Morais, conhecido como Mestre, atuou por cerca de três anos em uma entidade denominada Essenium. Além disso, o jovem era investigado suspeito de induzir crime de pirâmide financeira, lavagem de dinheiro, de abusar sexualmente de integrantes e da prática de sexo mediante fraudes.

O delegado que era responsável pelo caso na época, Isaías Pinheiro, explicou que o líder espiritual começou a ser investigado após pais de jovens que participavam da seita procuraram a Central de Flagrantes da Capital. “Eles disseram que os filhos foram vítimas de abuso sexual na entidade. No entanto, como não configurou um crime em flagrante, o caso foi encaminhado para investigação aqui no 1º DP. Desde então, já ouvimos testemunhas e alguns participantes, que relataram sobre os crimes cometidos por Diego”, contou.

Entre os relatos das testemunhas, o que mais chamou atenção dos agentes policiais foram as denúncias da distribuição do “sêmen divino” do próprio líder espiritual. “Temos informação que mais de 100 pessoas participam da seita. Destas, Diego selecionou cerca de 30, que participavam de uma divisão secreta, chamada de Kether. Eram na maioria jovens do sexo masculino, sendo que temos a confirmação da participação de apenas uma jovem. Essas pessoas recebiam o sêmen do líder em copinhos plásticos ou mesmo direto da fonte, por sexo oral. Mas ressalto que não eram todos os participantes da seita, apenas os integrantes do grupo seleto”, explicou o delegado na época.

De acordo com a Polícia, a única jovem identificada como integrante do Kheter prestou depoimento na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), mas não soube dizer se era vítima de abuso. “Ela confirmou que teve visões do líder da seita fazendo sexo com ela, mas não tem certeza de que, de fato, isso aconteceu. No entanto, outras testemunhas confirmaram que ela foi vítima de vários abusos por parte do Diego”. A reportagem não conseguiu localizar a defesa do acusado.

Os dois últimos casos foram denunciados à Polícia Civil de Goiás. A reportagem entrou em contato com o órgão para saber o andamento das investigações, mas não obteve resposta antes do fechamento desta edição. (Especial para O Hoje) 

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