Moradores acolhem cães abandonados às margens da GO-219, entre Guapó e Aragoiânia

Mais de 60 cachorros vivem com 38 famílias em situação precária e de total solidariedade | Foto: Wesley Costa

Postado em: 26-02-2021 às 08h00
Por: Sheyla Sousa
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Mais de 60 cachorros vivem com 38 famílias em situação precária e de total solidariedade | Foto: Wesley Costa

João Paulo Alexandre

A expressão ‘coração de mãe sempre cabe mais uma’ nunca fez tanto sentido para os moradores de um assentamento às margens da GO-219, no trevo com a GO-040, entre Guapó e Aragoiânia. As 38 famílias que vivem ali acabaram adotando vários cães que são abandonados nas proximidades do local.

Segundo os moradores, o desamparo dos animais teve início a partir do momento que as barracas foram instaladas no local. As barracas de lojas e madeiras começaram a ser montadas há mais de 10 anos e, desde então, os animais começaram a ganhar carinho dos que ali estavam.

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Graciella Aparecida, de 33 anos, mora na residência que era do sogro há um ano. Segundo ela, desde quando chegou já se tinha muitos cachorros no local. “Só de filhotes eu cuido de 10 e tem mais de 50 cachorros adultos. Tem duas cachorras para parir. Na última semana, uma cadela pariu oito e não para de chegar”, conta.

A moradora relata que o número de habitantes no local cresce com a mesma intensidade que muitos morrem atropelados por veículos que passam em alta velocidade pela rodovia. Graciella acredita que a ausência de câmeras no local encoraja as pessoas a abandonarem os animais no local. Segundo ela, mais de 200 cachorros já passaram pelo local e a maioria deles já morreu.

A situação no lugar é um misto de solidariedade com a preocupação. Isso porque os gestos das pessoas é algo louvável, pois vivem com muitas dificuldades e ainda auxiliam serem ainda menos favorecidos. Mas, no local, tem animais que precisam de muita ajuda: animais com feridas, desnutridos, com vários tipos de doenças e tudo isso sem nenhum tipo de amparo do poder público.

“A gente vive numa situação completamente esquecida. A gente fica no meio de Guapó, Aragoiânia e Abadia. Mas nunca ninguém veio aqui. Os políticos aparecem apenas no momento das eleições. Isso quando vem. A gente sobrevive de doações de pessoas que trazem rações ou a gente que compra para não deixá-los passar fome”, ressalta.

Graciela calcula o gasto de sete sacos de ração onde cada um pesa 25 quilos por semana. Uma soma rápida realizada pela reportagem mostra que o preço médio do mesmo produto que a reportagem encontrou no local é R$ 232,90. Semanalmente, o gasto médio é de R$ 1.630,90 e, por mês, soma-se R$ 6.521,20.

Divisão

Os animais que estão no local precisam de um cuidado mais intensificado, com o acompanhamento de um profissional. A solidariedade se faz necessária para poder manter todos os animais que se sentem acolhidos. “O saco de ração é dividido entre todos os moradores aqui. Mas quando não tem, a gente faz um mingau de fubá para eles não passarem fome. Eu também plantei umas ervas aqui que são muito boas para ajudar na cicatrização como mastruz e o São Caetano, que ajuda até mesmo a abrir o apetite para aqueles que não querem comer”, afirma Adelson Teixeira, de 57 anos, que mora no lugar há 10 anos.

Ele relembra com muita dor a perda da Mary Jane, um vira-lata que era seu xodó. A cadelinha o seguia para todo o lugar que ele iria, mas, infelizmente, ela foi atropelada por uma caminhonete que transitava em alta velocidade pela rodovia. Mas o homem não se deixa abater, pois há muitos mais ‘filhos’ que precisa do pai.

“Evito pegar, mas  fico muito com dó quando eles chegam aqui. É um ruim que se torna bom porque aqui eles têm um lugar para se proteger. Tem algumas pessoas que soltam os animais lá no lixão e eles ficam sem água ou comida. A gente acaba indo lá para levar ração, pois alguns não conseguem vir para cá. Tem uns três cachorros nessa situação”, afirma.

Adelson acredita que há muita discriminação com o animal quando, já mais velho, fica doente com mais facilidade e, assim, abandonado pelo público. “Agora o ser humano precisa trabalhar essa cultura do ‘ver e quer’. Quando vir miudinho ele quer bonitinho, mas quando o vê maior e aparece alguém problema, ele quer descartar e isso aqui não é objetivo. Eu fico grilado com isso.”

O morador afirma ainda que os animais lhe dão acolhimento depois de toda a dificuldade que passou em sua vida e sente que eles são muito fiéis. “Eles dão carinho e energia para gente. As pessoas não sabem o que estão perdendo sem eles, pois eu os vejo como a minha família”, diz. Graciela completa: “Eu estava passando mal e desmaiei e um deles que chamou a vizinha e eles me socorreram.” 

Animais carecem do básico para viver 

Vicenza Alencar de Araújo, de 57 anos, mais conhecida como dona Linda, confessa que querer deixá-la magoada é fazer algo com os cachorros dela, que também se refere como filhos. “É muita maldade de gente que não tem coração. Se faz isso com um animal, imagine o que não faz com um ser humano. Hoje [ontem] mesmo apareceu quatro gatinhos lá em casa e dei para algumas pessoas aqui para cuidarem”, ressalta.

Ela conta que o local ainda carece de um olhar de instituições voltadas para ajudar animais e até mesmo do poder público. Os cachorros, por exemplo, nunca foram vacinados contra nenhuma doença. “A situação mudou um pouco quando Graciella começou a colocar nas redes sociais. Algumas pessoas se sensibilizaram mais e a gente ajuda um ao outro. Mas eles precisavam de um veterinário, por exemplo. Tem animais que precisam ser consultados e até mesmo medicados.”

Ela relembra do primeiro animal que chegou em seu bar, que fica próximo ao assentamento. “Era o Bruninho e a Nina. Esse apareceu com uma bicheira no rabo. Nós cuidamos, mas infelizmente morreu. A gata apareceu com uma ferida próxima à nuca e demorou um pouco para tratar, mas ela sumiu e nunca mais apareceu. Quando a gente perde algum deles, seja doente ou morto, é a mesma coisa de está perdendo um filho”, relata.

Os moradores contam que muitos animais são vítimas de todo o tipo de crueldade. “Teve um cachorro que chegou aqui que estava com um corte de faca, porque não poderia ser outra coisa. A crueldade foi tanta que era da cabeça ao rabo dele e ele era filhote. Eu não sabia como a gente iria cuidar dele. Isso machucou muito a gente e levou até à dona Linda e passei um remédio e foi fechando o ferimento até se curar”, relembra Adelson.

O assentamento se tornou referência para se deixar cachorros aqui. “Esses dias uma mulher do Garavelo me doou três chow-chows. Eu não pude dizer não e distribuí aqui. Eu acho que essa atitude é melhor que abandonar. Pelo menos a pessoa está sendo sincera que não dará conta de cuidar”, conta dona Linda.

Os moradores pedem que quem puder ajudar façam doações, medicamentos, vacinas e materiais de construção para fazer contenções para evitar que os animais fujam para a rodovia. Toda a comunidade reclama da falta de assistência em várias áreas. O lugar não conta com a infraestrutura necessária e os moradores sequer recebem assistência social de nenhum dos três municípios que estão no meio do imbróglio. (Especial para o Hoje) 

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