Obra do BRT vira abrigo para pessoas em situação de rua, em Goiânia

Paço municipal diz ter conhecimento da situação, mas não há previsão para realocação dos moradores | Foto: Wesley Costa

Postado em: 03-03-2021 às 07h55
Por: Sheyla Sousa
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Paço municipal diz ter conhecimento da situação, mas não há previsão para realocação dos moradores | Foto: Wesley Costa

João Paulo Alexandre

A interminável obra do Bus Rápid Transit, o tão conhecido BRT, ganhou uma nova utilidade: abrigo para pessoas em situação de rua. O Hoje percorreu alguns trechos da obra e encontrou algumas pessoas abrigadas em uma das estações destinada para embarque e desembarque das pessoas. As pistas que já estão pavimentadas também estão servindo como estacionamento de carros até quando o tráfego de coletivos não é liberado. 

De maneira anônima, os moradores não são de muitas palavras, mas afirmaram que estão na estação há pouco mais de um mês. Além disso, afirmam que estão ali por não terem para onde ir. Segundo a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra), o problema já é de conhecimento da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) e que a pasta realizou a retirada dessas pessoas uma vez, mas que elas retornaram para a estação nº 24.

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Já sobre os carros parados nas vias já finalizadas, a Seinfra afirma que, quando ocorre essa utilização do espaço para estacionamento, principalmente por conta da região da 44, “solicitamos auxílio a GCM para liberação do local.”

A situação do BRT já é tida como uma novela para os moradores das regiões onde ela passa. As obras avançam a passos lentos desde quando foi iniciada em 2015, na gestão do então prefeito Paulo Garcia (PT). O trecho mais recente de canteiro de obras é a região da Avenida Circular, no Setor Pedro Ludovico. Segundo a Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM), a via no sentido centro/bairro terá circulação em pista simples até o próximo dia 19 de março. 

As obras do BRT foram orçadas em R$ 217 milhões, segundo o contrato. O prazo para o corredor de cerca de 25 quilômetros ser entregue era outubro do ano passado, o que não aconteceu. Segundo a prefeitura de Goiânia, foi necessário realizar alterações no projeto original, o que levou ao atraso da obra. 

Mudanças

O projeto passou por mudanças devido às exigências do Ministério Público Federal (MPF), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e até mesmo de situações econômicas, para diminuir o valor pago das desapropriações. A obra previa o recorte dos dois pedaços da Praça do Cruzeiro para que fossem construídas as estações de embarque e desembarque para os coletivos entraram nos espaços.Mas o espaço foi tombado como patrimônio histórico depois de uma ação judicial que finalizou em 2014. Cinco anos depois, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) e a associação de moradores do Setor Sul questionaram a obra e a prefeitura refez o projeto, mais uma vez, para manter o espaço intacto e a instalação de duas estações com estrutura mais leve e envidraçada. 

Originalmente, a pista para a passagem dos ônibus do BRT, que seguiriam no sentido Norte-Sul, a partir do Terminal Rodoviária para a Praça Cívica, não será mais utilizada e deverá ser reintegrada à via para os demais veículos particulares. A obra já está concluída desde 2016 e passa em frente à Câmara Municipal. Contudo, com a realização do projeto de prolongamento da Avenida Leste-Oeste, a opção foi para que os ônibus, em ambos os sentidos, passassem pela Avenida Goiás, na via situada entre as praças da Estação Ferroviária e do Trabalhador, que antigamente era utilizada apenas pelos veículos que seguiam o sentido Sul-Norte.

Um outro ponto marcado pelas paralisações das obras foi o cruzamento da Avenida Goiás Norte com a Perimetral Norte. O projeto também foi alterado no local, pois o objetivo inicial era que a pista do BRT seguisse o nível normal e que a Perimetral fosse rebaixada. Porém, a prefeitura teve dificuldades nas desapropriações dos lotes de esquina do trecho. Com isso, a nova proposta prevê um elevado na Avenida Goiás e que a pista da Perimetral Norte seja rebaixada em um tamanho menor para tornar a possível a construção. 

Luiz Bittencourt, secretário da Seinfra, afirmou que as mudanças irão beneficiar a população goianiense. “As alterações que ocorreram foram em função da melhoria ou de conflitos que surgiram e deveriam ser resolvidos. Às vezes não é melhor, mas precisa andar para frente”, salienta.

Além disso, o secretário reforça que as obras do BRT estão demoradas, mas terão qualidade. “Obra pública não tem data. Ela precisa ser concluída e com qualidade. O que não pode é começar uma obra e deixar no meio do caminho, como ocorreu em anos anteriores, que sofreram discussões do projeto, interferência do Iphan, Ministério Público, afetando a população. A obra não está parada, mas prorrogada”, garante. 

Especialista diz que BRT reduz o tempo de deslocamento  

O perito especialista em políticas públicas de mobilidade urbana Antenor Pinheiro aponta quatro vantagens do sistema BRT para a Capital. Segundo ele, o corredor reduz o tempo de deslocamento das pessoas em função do desempenho de melhor velocidade operacional. Ele reduz emissões de poluentes e gases de efeito estufa, uma vez que velocidades mais homogêneas racionalizam as ações de aceleração/desaceleração. O BRT colabora para a segurança viária com a economia de custeio operacional.

“Isso garante mais regularidade no cumprimento de horários e por esta razão atrai novos passageiros para o sistema. Por operacionalizar com ônibus de alta capacidade, transportam até 160 pessoas, o que reduz substancialmente a quantidade de quilômetros percorridos por veículo. Menos veículos transportando a mesma quantidade de passageiros, além de reduzir congestionamentos, possibilitam a oportunidade de substituir veículos mais antigos e, portanto, mais poluentes”.

Pinheiro explica que o BRT colabora para a gradativa migração de passageiros de transporte individual de passageiros para a opção coletiva. “A estratégia do BRT é atrair o maior número de pessoas para o sistema coletivo de transporte, o que vai induzir a outro padrão comportamental de deslocamentos urbanos. Isso resulta em mais conforto, mais segurança, menos despesas domésticas e melhor regulação e funcionamento da fluidez viária de veículos”.

Poluição

Para ele, esse sistema de transporte coletivo diminui a concentração de poluição atmosférica, tanto no entorno urbano, quanto dentro dos veículos e dos terminais. “A exposição de passageiros ao ar poluído é reduzida em decorrência do menor tempo de deslocamento, o que significa que, implementando sistemas BRT, as cidades têm uma grande oportunidade de diminuir a poluição local. Mas há outros aspectos, como sua integração aos sistemas cicloviários e sistemas de calçadas, o que vai estimular o uso da bicicleta como meio de transporte, e a caminhabilidade das pessoas”.

O especialista adverte o governo para otimizar o transporte público coletivo. “Elaborar projetos com a adoção de conceitos modernos, mais baratos, socialmente inclusivos e mais bonitos para a cidade. Deixar de imaginar que viaduto, túnel e supressão de espaços verdes melhoram o trânsito. Trata-se de um conceito atrasado, superado, que em nada contribui para a melhoria da mobilidade das pessoas. Ao contrário, ao insistir neste conceito obsoleto de gestão, o que ocorrerá é a produção de uma cidade cada vez mais egoísta, individualista e o estímulo ao uso do transporte individual motorizado em detrimento do coletivo”. (Especial para O Hoje)  

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