Cai o número de notificações de violência contra a mulher em Goiânia

Tribunal de Justiça também registrou queda em mais de 3 mil medidas protetivas de 2019 para o ano passado | Foto: Reprodução

Postado em: 29-03-2021 às 08h05
Por: Sheyla Sousa
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Tribunal de Justiça também registrou queda em mais de 3 mil medidas protetivas de 2019 para o ano passado | Foto: Reprodução

João Paulo Alexandre

Após um ano de pandemia da covid-19, reflexos negativos ainda são sentidos em diversas esferas da sociedade. Comércios, eventos, serviços foram alguns dos segmentos que amargam prejuízos. Mas outro reflexo traz preocupações com as autoridades: a diminuição dos números de medidas protetivas e notificações de violência contra a mulher.

Segundo dados do Boletim Epidemiológico de Violências Contra a Mulheres e Feminicídio, publicado pela Prefeitura de Goiânia, em 2020, foram registradas 1038 notificações contra 1346 que foram formalizadas em 2019. Ou seja, 300 notificações a menos durante o período pandêmico. O boletim destaca aqueles casos onde a violência da mulher é detectada durante o atendimento médico e auxiliam o Núcleo de Prevenção a Violência e Promoção da Saúde (NVVPS) na criação de políticas públicas de proteção às mulheres.

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“O boletim aponta uma redução de 22% das notificações entre 2019 e 2020. A queda pode ser consequência de diversos fatores, uma delas, o receio de procurar as unidades de saúde devido ao cenário epidemiológico. São dados preocupantes, especialmente sob o ponto de vista da saúde pública”, explica o secretário municipal de Saúde, Durval Pedroso.

Os dados trazem que 84% das violências ocorreram dentro de casa. Marta Maria Alves da Silva, médica da Gerência de Violências e Acidentes da SMS, aponta que as violências mais praticadas foram a física (53%) e a violência sexual (26,9%). Ainda de acordo com o levantamento, 20% dos casos o autor era o próprio companheiro da vítima. A maioria das agressões acontecia por meio da força corporal ou espancamento e com utilização de objetos cortantes.

No ano passado, 4,4% das mortes em Goiânia foram feminicídio, ou seja, quando uma mulher é assassinada pelo fato de ser mulher. A maioria das vítimas, 31,25%, eram mulheres adultas. Os meios mais utilizados nas agressões que resultaram em óbito foram as armas de fogos e objetos cortantes, ambos com 43,8%. O local onde mais ocorreram violências letais são vias públicas, também com 43,8%. 

Em relação à raça/cor da pele, 62,5% das vítimas eram negras. A maior frequência da escolaridade foi do ensino médio, que representou 43,8% dos óbitos. “Essas informações são extremamente reveladoras em relação à magnitude da violência contras as mulheres e de como ainda vivemos em uma sociedade misógina e machista. Precisamos levantar ainda outros dados para conhecer ainda mais sobre essa violência, inclusive contra mulheres trans e lésbicas, das quais ainda não temos dados, mas que precisam ter uma pesquisa mais aprofundada,” explica a médica.

Políticas

A Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres (SMPM) destaca que o número traz preocupação e que a queda desses registros deixa a situação mais apreensiva durante esse período de pandemia, já que os agressores passaram mais tempo com as vítimas e isso dificultou a busca por orientação e ajuda.

“O isolamento social está à frente dessa diminuição, aliada diretamente com a falta de suporte financeiro para essa mulher. A maioria dessas vítimas depende financeiramente de seus parceiros, que muitas vezes usam isso para intimidá-las. Infelizmente, essas mulheres não têm sequer dinheiro para ir a uma delegacia para denunciar, então imagina nesse momento de isolamento social e desemprego. É crítico”, destaca Tatiana Lemos, titular da pasta.

Ela conta que o velho ditado que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” não deve ser aplicado na atualidade. E que foi por ele que muitas mulheres se tornaram vítimas fatais de uma sociedade cada vez mais violenta com elas. “Devemos todos meter a colher porque isso pode definir se essa mulher vive ou entra para as trágicas estatísticas deixando inclusive crianças órfãs. Fazemos parte de uma campanha que tem como objetivo exato incentivar os vizinhos a fazer a denúncia. Hoje, graças a mais uma conquista, não é necessário que a própria vítima registre a agressão, qualquer pessoa pode fazer a partir do momento que acredita que uma vida esteja em risco, totalmente amparada pela legislação”, afirma.

Tatiana destaca que as vítimas acabam se submetendo a essa situação por não entender como funciona o ciclo de violência. “O enfrentamento da violência contra a mulher é contínuo e de responsabilidade de todos nós, homens e mulheres. Saber identificar o ciclo, acolher a vítima e demonstrar existir um caminho de libertação mediante acionamento dos órgãos responsáveis, como a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Delegacia de Polícia.”

Tatiana afirma que a secretaria investe em políticas públicas para que as vítimas consigam identificar que estão sendo vítimas de violência e como uma pessoa que presencia essa situação pode ajudar para que ela saia dessa situação. “Incentivar a denúncia através dos canais abertos para a população. Temos várias campanhas em andamento que auxiliam, informando que essa mulher tem uma rede de proteção à sua disposição. Muitas vezes as mulheres nem sequer têm conhecimento das leis que as amparam e dos serviços prestados pela prefeitura para dar suporte e acolhimento para essas vítimas”, explica.

A rede de proteção à mulher conta hoje com a Patrulha Mulher Mais Segura da Guarda Civil Metropolitana (GCM), a Patrulha Maria da Penha da Polícia Militar (PM), a Casa Abrigo Sempre Viva que acolhe essas vítimas encaminhadas pelas Delegacias Especializadas ao Atendimento à Mulher e o Centro de Referência Cora Coralina.

“É oferecido suporte social, psicológico e jurídico para essas mulheres. Também tem o Centro de Formação da SMPM, que ajuda a romper com o ciclo de violência na medida que ajuda na independência econômica. Em paralelo estamos lançando uma campanha de arrecadação de alimentos, produtos de higiene e roupas para auxiliar essas vítimas nesse momento tão crítico de pandemia. 

Medo de se contaminar também pode ter ajudado 

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) também apresentou dados que trazem a diminuição nos números de medidas protetivas ofertadas para mulheres. Em 2020 foram 9.706 proteções expedidas pela Justiça. Em 2019, foram mais de 12 mil oferecidas para as crianças.

Gabriela Marques Rosa Hamdan, coordenadora do Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), destaca o que pode ter causado essa diminuição de notificações. Talvez por conta do covid elas estejam acessando menos os serviços de saúde, como foi sentido em relação a todos os tratamentos médicos. As pessoas ficam desestimuladas de buscar tratamento com medo de pegar covid e a própria sobrecarga dos serviços de saúde por conta da pandemia.

Apesar disso, Gabriela reforma que na DPE os números de notificações sofreram um aumento se comparados os meses de janeiro deste ano e do ano passado. Em 2020, foram 110 notificações e no último mês de janeiro os registros dobraram. Segundo ela, a tecnologia foi uma aliada muito importante para identificar esses agressores.

“O atendimento médico serve como um balizador das políticas públicas adotadas em relação à mulher vítima de violência. Para a investigação criminal mesmo, o ideal é que essa vítima procure a instauração do devido inquérito através da Polícia Civil. E outra coisa: como a lei da notificação compulsória foi alterada, essas mulheres podem estar desestimuladas a procurar os serviços de saúde, por essas e outras razões a Defensoria Pública foi contra essa modificação.” (Especial para O Hoje) 

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