Negra no nome, na pele e na voz

Nome em ascensão no samba goiano, Negra Jane revela sua história e os planos para sua carreira musical

Postado em: 16-03-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Nome em ascensão no samba goiano, Negra Jane revela sua história e os planos para sua carreira musical

Júnior Bueno

Jane Machado nem se lembra a primeira vez que foi chamada de Negra Jane. “Desde que era criança, por causa da pele negra e do jeito de moleque, sempre me chamaram assim”, ela conta. O “jeito de moleque” já não existe mais, pelo menos nos gestos graciosos da mulher que conta a própria história, mas no nome, que ela empenha ao cantar samba pelos palcos de Goiânia, ela ainda é a Negra Jane, que de dividia entre ser moleque nas ruas e ganhar festivais de música em sua cidade natal, a ribeirinha São Miguel do Araguaia, mais especificamente no distrito de Luiz Alves.

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Negra Jane começou a cantar muito cedo e, antes de se dar conta, encantava as pessoas por sua voz marcante. “Com 3 anos de idade, eu cantava com a minha irmã em cima da mesa”, ela se recorda. Dos festivais de paródias e gincanas escolares aos festivais que venceu, foi um passo natural. 

Mas ainda não havia nascido nela um samba, então ela cantava MPB e música sertaneja. “Como São Miguel é uma cidade ribeirinha, há uma influência muito forte do sertanejo, e eu cantei muito em eventos, leilões. Lá eu sou conhecida como uma cantora de sertanejo”. Sua voz acalentava bem do balanço das músicas de Sandra de Sá aos modões de amores trágicos da música sertaneja.

Mas a cidade do interior ainda guarda alguns vícios bem mais nocivos que o amor pela música sertaneja. Não foram poucas as portas que se fecharam para Jane, porque ela é negra também na pele. “Eu fazia testes, todos adoravam minha voz, mas sempre vinham com aquele papo, ‘você não se encaixa no perfil que estamos procurando’. Não ter o perfil quer dizer que eu não sou branca, entendeu?”, desabafa a cantora. 

Mas aos poucos ela conseguiu driblar o racismo e fez sobressair sua voz e sua beleza, ambas negras. Há dois anos, a cantora se mudou para Goiânia, a convite de João Garoto, conhecido músico e promoter da cidade. O samba – que eclode na capital goiana em projetos em bares, feijoadas e no Mercado da Rua 74 – a recebeu de braços abertos.

Bem antes disso, ela já tinha feito shows em Porangatu como “Alcione cover”, sua primeira apresentação como uma cantora contratada. No ano passado, teve a oportunidade de abrir o show da Alcione original, em Goiânia. A Marrom, como Negra Jane chama a sam­bista maranhense, é uma de suas referências no samba, junto com Jovelina Pérola Negra, Beth Carvalho e dona Ivone Lara. Passando por Rondônia e pelo Rio de Janeiro, onde tentou, sem sucesso ser uma caloura do programa de Raul Gil. “Estava tudo pronto para eu fazer parte do programa, aí ele mudou de emissora e o projeto não vingou”, diz ela.  Ainda no Rio, participou de um projeto em homenagem a João Donato e gravou uma faixa do álbum Sambaixada. 

Em Goiânia, ela cantou em vários lugares até chegar ao Aquarius Restaurante, onde se apresenta regular­men­te. No próximo sábado, por exemplo ela sobe ao palco com o sambista carioca Xande de Pilares. E, hoje (16), Negra Jane anima o já tradicional samba do Mercado da 74, no Centro de Goiânia.

Com uma agenda regular de shows em Goiânia e cidades do interior, Negra Jane tem projetos para este ano, como a gravação de seu primeiro CD, com composições inéditas que mesclem samba e MPB. Mas pode haver uma surpresa no percurso. “Estou pensando em levar um pouco de negritude para o sertanejo, que nunca deixei de amar”. É esperar para ver se a negra voz vai pintar um cenário tão branco como o sertanejo. 

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