Segunda-feira, 01 de julho de 2024

Sobre músicas e orquídeas

Com uma coleção de hits enraizada no cancioneiro popular, Djavan faz show em Goiânia e, em entrevista exclusiva, fala sobre racismo, crise política e a relação entre cultivar flores e compor canções

Postado em: 29-03-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Com uma coleção de hits enraizada no cancioneiro popular, Djavan faz show em Goiânia e, em entrevista exclusiva, fala sobre racismo, crise política e a relação entre cultivar flores e compor canções

Djavan é um homem discreto, que pouco fala de si. E é, ao mesmo tempo, um dos artistas que mais falam à alma do apreciador de música brasileira. Com uma carreira iniciada há 43 anos, o cantor coleciona sucessos tão enraizados no cancioneiro popular, que ele pode se dar ao luxo de chamar alguns de seus hits de “clássicos,” sem parecer cabotino. O que pouca gente sabe é que o cantor, que canta hoje à noite em Goiânia, também adora cultivar plantas e tem uma predileção por orquídeas. E até relacionou a arte de compor com o hobby de cuidar de plantas em entrevista ao Essência (leia abaixo). Não à toa, um de seus clássicos se chame Flor-de-lis e outro é batizado de Pétala.

O álbum mais recente de Djavan, Vidas Pra Contar, é também o mais autobiográfico. São, segundo o cantor, histórias de várias vidas, incluindo a dele mesmo, que homenageia a mãe em Dona do Horizonte, e, em Vida Nordestina, canta sua região natal (o cantor é alagoano). O show Vidas Pra Contar, inédito em Goiânia, foi escolhido para a estreia da temporada deste ano do projeto Flamboyant In Concert.

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Na estrada, depois de dois anos, a turnê traz, além de canções do novo disco, muitos dos sucessos conhecidos do público, como Outono, Boa Noite e Eu te Devoro. Djavan é acompanhado pelos músicos Carlos Bala, na bateria; Jessé Sadoc, que toca flügelhorn e trompete; Marcelo Mariano, no baixo e vocal; Marcelo Martins, na flauta e no saxofone; Paulo Calasans, com teclados e piano, e João Castilho, que toca as guitarras e os violões. O artista é quem assina a direção do espetáculo.

O Flamboyant in Concert é um projeto artístico do Shopping Flamboyant, e todos os ingressos são em troca das notas fiscais das lojas. Para o show de Djavan, os ingressos estão esgotados.

O show ‘Vidas Pra Contar’ tem como ponto de partida o álbum homônimo. Como você faz para misturar novas composições às músicas consagradas que o público sempre pede?

Fazer um roteiro de um show, sobretudo com um número tão grande de clássisos – hits desde o começo da minha carreira – demanda um certo trabalho. Eu considero um show um evento que necessita de interatividade entre o público e o artista. E ter um número grande de clássicos aparentemente poderia ser mais fácil na hora de montar o roteiro, mas não é. Eu tento manter um elo com as novas gerações, então devo misturar músicas conhecidas de várias épocas, músicas menos conhecidas de várias épocas e músicas do disco novo. Mas o roteiro desse show está bem delineado. Em Goiânia, eu faço o sétimo show desta turnê, com uma boa receptividade onde passamos.

O álbum ‘Vidas Pra Contar’ tem sido apontado como o mais biográfico de sua carreira. É verdade?

Talvez seja mesmo o mais biográfico mesmo. Eu não costumo falar de mim com frequência. Mas, neste disco, eu falo sobre a relação com a minha mãe, sobre a ligação que nós tivemos. Foi ela que me apresentou a música, eu achava que era uma escolha. Não foi uma escolha, foi por influência dela. Eu canto sobre o Nordeste, que foi a região que formatou a minha história. É um disco sobre vidas, a minha vida, a vida das pessoas, dos bichos. Tem toda inserção da vida possível, da vida imaginada, da vida do povo neste disco. 

Você costuma cultivar plantas e até projetou o orquidário do seu sítio. Qual a relação entre compor músicas e cultivar orquídeas?

A relação pode começar pela contemplação. Não são apenas orquídeas; eu tenho uma relação muito estreita com as plantas, com o verde em geral. E a relação delas com a música tem a ver com a poesia, porque demanda sensibilidade e contemplação.

Em tempos de crise política, a melhor posição do artista, em sua opinião, é se posicionar como cidadão ou se manter à parte dos acontecimentos?

Manter-se à parte ninguém consegue. Essa crise é um processo que envolve a vida do povo, a economia, o comportamento. O Brasil vive um período riquíssimo, único, para pensarmos soluções, compartilhar ideias, saídas. Temos que ter uma democracia madura, todos os organismos funcionando, como um legado para as gerações futuras. E esperança que o Brasil encontre seu caminho.

Cantar músicas de amor é um ato político?

Sim, óbvio! O que é o amor? É a própria vida. O amor comanda todas as etapas da vida, e cantar o amor também é uma afirmação, uma posição em relação à vida.

Nos anos 70, você foi vítima de racismo ao ser preso. O racismo ainda existe na sociedade brasileira?

O racismo está enraizado na cultura do Brasil que, por séculos, sempre alijou, eliminou, tirou todas as possibilidades e colocou o indivíduo negro sempre nas últimas posições. As possibilidades de formação intelectual, as capacidades eram contestadas. Por preconceito. Então, ao longo da história, o Brasil acabou por incapacitar o negro de assumir um lugar. E a eliminação desse racismo é fundamental na evolução de qualquer sociedade. O povo negro sabe cada vez mais que precisa derrubar essa barreira. Ao negro é dado o trabalho triplo de adentrar círculos para participar da sociedade, democraticamente. Por mais que o sujeito branco diga que não, por mais que um amigo seu diga que não é racista, existe o preconceito de não querer o negro dentro de casa, se casando com uma filha dele. E isso tem que ser combatido. As mídias, essas redes sociais, têm sido bem úteis em combater essa cultura contra o negro. 

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