Mais que pontes erguidas

Além de visibilidade e reconhecimento, a comunidade remanescente kalunga quer infraestrutura completa que garanta mobilidade

Postado em: 06-04-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Mais que pontes erguidas
Além de visibilidade e reconhecimento, a comunidade remanescente kalunga quer infraestrutura completa que garanta mobilidade

Luisa Guimarães e Elisama Ximenes (Especial para O Hoje)

Bia Kalunga, parte da liderança da comunidade quilombola no Nordeste goiano, é categórica: “Um monte de projeto aparece aqui, mas no fim das contas a gente continua na mesma”. Por outro la­do, a Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop) divulgou mais um. Depois da série de enchentes e queda de pontes que acometeram a comunidade no período de chuvas do mês de janeiro, a Agetop publicou recentemente um projeto de melhoria da mo­bilidade na região.

Continua após a publicidade

Segundo nota divulgada no site da própria Agência no dia 1º de março, a intenção é de construir 200 bueiros, 40 pontes e 80 quilô­me­tros de estrada. Procurada pelo O HOJE, a Agetop falou sobre o intitulado Projeto Kalunga. “As intervenções propostas justificam-se por permitirem propiciar condições mí­nimas de trafegabilidade e garantir, duran­te todo o ano, sua continuidade”, explicou o en­genheiro civil Victor Emmanuel dos Reis, especialista em Gestão Ambiental e em Engenharia Rodoviária. “Para tanto, foi projetada a implantação de pontes e bueiros nos locais onde, no período de chuva, existe a interrupção do tráfego, com passagem somente ‘a vau’, e melhoria na geometria e plataforma dos caminhos existentes”, acrescenta.

“Eu mesmo não estou sabendo de nada so­bre isso”, afirmou Tico do Kalunga, membro do Conselho Fiscal da Associação Quilombola Kalunga e vice-prefeito do município de Monte Alegre de Goiás, localizado 571 km de Goiânia, no extremo Noroeste do Estado, município que concentra boa parte dos kalunga goianos. Ainda segundo ele, a única ajuda que receberam desde o início das enchentes foi a doação de roupas e calçados por organizações variadas.

As enchentes

Segundo publicação do dia 2 de fevereiro do portal Goiás Agora, o tenente-coronel Marcos Abraão Monteiro, comandante da Operação Enchentes e Alagamentos da De­fe­sa Civil, afirmou que 112 moradores da comunidade Kalunga, em Cavalcante, foram atin­gidos, sendo 83 adultos e 29 crianças. O município está localizado no Nordeste do Estado – a 513 km de Goiânia – e sofreu com a enchente do Rio Prata, na madrugada do dia 29 de janeiro. O tenente-coronel afirmou que, após a visita no local, “a gente passou o levantamento das condições para a Agetop para eles tomarem as providências cabíveis”. 

Mas, segundo Bia do Kalunga, esta situação alarmante passada recentemente pelos moradores da comunidade não foi surpresa nenhuma. “Aconteceram essas enchentes, mas todo ano a estrada fica ruim nessa época de chuva”, explicou. A neta de Dona Procópia dos Santos Rosa, remanescente quilombola indicada ao prêmio Nobel da Paz em 2005, também não estava sabendo de projetos do governo até o contato para esta reportagem. “Desde as enchentes, a gente continua na mes­ma, nem o prefeito apareceu”, reforça. Em Teresina de Goiás – a 490 km de Goiânia –, a Ponte do Rio dos Bois foi levada pelas águas, deixando centenas de moradores isolados. Para o engenheiro da Agetop, “o que preocupa é quanto aos acessos às comunidades, sem constar do programa estadual; a manutenção desses precários acessos está a car­go das prefeituras locais”. 

A comunidade

Os kalunga são uma comunidade remanescente do quilombo de mesmo nome. O território tem área de 253,2 mil hectares, com aproximadamente 4 mil habitantes, segundo tese de doutorado da pesquisadora da Universidade Federal de Goiás (UFG) Ana Cláudia Gomes. A extensão territorial ocupa as regiões dos municípios de Monte Alegre de Goiás, Cavalcante e Teresina de Goiás. 

Além de pontes e estradas, casas foram destruídas nas duas primeiras cidades, segun­do Bia. O kalunga Rogério Ribeiro esteve na região do Rio Prata, logo que houve a enchente, e contou que demorou seis horas para chegar ao local. Antes, ele percorria a mesma distância em duas horas. Segundo Rogério, em Teresina de Goiás, onde a ponte caiu, só dá para atravessar quando o rio baixa. Aguardar o movimento do rio foi a maneira que a população encontrou de garantir a mobilidade. Na edição de amanhã, as ações do governo em prol da comunidade.

continua na edição de amanhã 

Veja Também