“Estamos bem visíveis”

Vetando o isolamento cultural como justificativa, dificuldades enfrentadas pelos kalunga vão muito além das pontes caídas, enchentes e estradas ruins

Postado em: 07-04-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Vetando o isolamento cultural como justificativa, dificuldades enfrentadas pelos kalunga vão muito além das pontes caídas, enchentes e estradas ruins

Luisa Guimarães e Elisama Ximenes (Especial para O Hoje)

Na edição de ontem (6), foi publicada a primeira parte da matéria especial sobre o Projeto Kalunga, divulgado recentemente pela Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop) em seu portal oficial, e a opinião de moradores da comunidade remanescente quilombola kalunga sobre este e outros projetos criados ao longo dos anos para a área e a população. Procurada pelo O HOJE, a Agetop explicou sobre o surgimento do projeto, as motivações, os objetivos e quais são essas melhorias propostas para as vias de acesso à comunidade.

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O Projeto

Em entrevista, o engenheiro Victor Emmanuel dos Reis disse que “o projeto leva em consideração a fragilidade e as características do ‘sítio histórico’ para a implantação das melhorias, bem como das características geomorfológicas da área, que apresenta topografia bastante acidentada e pequeno volume de tráfego, aliados à necessidade de conservação ambiental em toda área de abrangência”. Ele explica, ainda, que a proposta é encontrar uma solução que consiga conciliar viabilidade técnica/econômica e sustentabilidade. As vias de acesso contempladas pelo projeto serão das comunidades Engenho II, Vão do Moleque, Pouso do Padre e Vão de Almas.

As rampas do perfil vertical serão mantidas no mesmo nível das já existentes, e bueiros e pontes pré-moldados já foram projetados. “Quanto aos serviços de terraplenagem, propõe-se a melhoria na geometria e plataforma dos caminhos existentes, o encabeçamento das pontes e bueiros e, ao final, será feito o revestimento primário com o encascalhamento desta plataforma”, completa o engenheiro. Ainda segundo ele, em reunião do Comitê Gestor em outubro de 2010 é que o projeto das vias de acesso executado pela Agetop foi apresentado.

Entre alguns nomes que estão envolvidos juntamente com a Agetop, ele citou as secretarias Estadual da Mulher, do Desenvolvimento Social, da Igualdade Racial, do Desenvolvimento Humano e Trabalho (Secretaria Cidadã); as secretarias do Meio Ambiente, de Recursos Hídricos, de Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos (Secima) e a Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir).

Políticas públicas

Ainda de acordo com Victor Emmanuel, no dia 12 de março de 2004, o Programa Ação Kalunga foi lançado pelo então presidente Luiz Iná­cio Lula da Silva, com uma série de medidas a serem implementadas nas comunidades quilombolas da região. A principal delas é a ação Luz para Todos, com mais de 19 quilômetros de eletrificação rural. “O presidente inaugurou o primeiro ponto de luz elétrica na comunidade de Engenho II, com a presença de vários ministros e do governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo”.

Bia do Kalunga, liderança quilombola, porém, foi assertiva: “o que acontece é que nós, da comunidade, é que buscamos as condições de sobrevivência no território, não tem dedo do governo para ajudar”. A continuação do projeto Luz para Todos também está inviabilizada pela carência da mobilidade, segundo ela. “Com a situação das estradas, fica difícil a chegada dos carros com os postes de luz à parte que ainda não foi bene­ficiada”, explicou a quilombola. 

Cultura e turismo

Rogério também contou que a região dos kalunga, em Monte Alegre de Goiás, é a “que menos recebe incentivos culturais e para o turismo”. Ele especula que isso se deve ao fato de a acessibilidade à área ser, também, a mais prejudicada. O Instituto de Estudos Sócio-Ambientais (Iesa), da UFG, promoveu uma pesquisa para mapear os locais com potencial para turismo na região. “Eles ministraram oficinas, mas o projeto não teve continuidade porque houve corte de verbas federais”, explicou.

O engenheiro da Agetop também comentou sobre o assunto. “O ecoturismo e o turismo de aventura serão amplamente beneficiados com melhores condições de trafegabilidade, já que a região é muito rica em atrativos naturais e cercada por inúmeras serras”. Para Victor, em resumo, “a melhoria na qualidade de vida destas comunidades é o efeito esperado, com esta abordagem sistêmica para inserção econômica social”.

Tanto Rogério quanto Bia disseram que, se o projeto da Agetop for consolidado, vai ajudar bastante a população remanescente quilombola em todos os aspectos. Des­de o acesso a hospitais, até o intercâmbio cultural facilitado. Isso porque, segundo Bia, um problema é que esse intercâmbio tem sido feito em uma via só. “Os jovens saem para a cidade para estudar e, quando voltam, querem sair de novo para buscar o que não encontram aqui”, conta. 

Início do projeto

O início das ações, segundo Victor Emmanuel dos Reis, está condicionado à alocação de recursos financeiros necessários às obras, para então passar pela licitação para contratação e emissão de ordem de serviços. “Inicialmente, desde a primeira reunião, datada de 2009, ficou a cargo da Seppir iniciar as ações planejadas”. O projeto ficou pronto em 2010, ficando a cargo do Estado de Goiás sua implementação e, posteriormente, adicionalmente à Agetop, que licitou o Programa de Gestão Ambiental (PGA), necessário ao licenciamento das obras e serviços (Licença de Instalaçao – LI). 

“Desta forma, restou celebrar por meio de Convênio entre órgão federal (a Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste – Sudeco), o Ministério da Integração Regional e a Agetop, tendo como interveniente o Governo do Estado de Goiás”. As obras e serviços, portanto, seriam licitadas e fiscalizadas pela Agetop por meio deste convênio. “Após a conclusão, os segmentos seriam incorporados à malha rodoviária estadual para sua manutenção e conservação”, acrescenta.

“Tentou-se a celebração deste convênio, algumas vezes – após termos cumprido todas as formalidades necessárias à sua aprovação –, esbarrando, ao final, no contingenciamento dos recursos por parte do governo federal”. Ainda de acordo com o engenheiro, o valor das obras e serviços fica em aproximadamente R$ 23 milhões.

Visibilidade

A neta de Dona Procópia, Bia Kalunga, reforça que, apesar dos 79 quilômetros de distância de Monte Alegre de Goiás, com 42 quilômetros de estrada de terra, a sua comunidade não está mais em situação de isolamento cultural. “Estamos bem visíveis, e não dá para falar de preservação da cultura, porque ela já está bem misturada”, justifica, ao associar essa mescla cultural com o êxodo rural crescente promovido pelos jovens kalunga. Para Bia, o que falta é a expansão da cultura para além das pontes caídas. 

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