Moda sem gênero existe?

Algumas redes ensaiam o lançamento de coleção com gênero neutro, mas, na prática, comprar roupas na arara vizinha já é um hábito de consumidores

Postado em: 24-04-2016 às 09h00
Por: Sheyla Sousa
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Algumas redes ensaiam o lançamento de coleção com gênero neutro, mas, na prática, comprar roupas na arara vizinha já é um hábito de consumidores

Júnior Bueno

Quando Coco Chanel criou roupas para mulheres baseadas no que os homens vestiam, na década de 1920, mal imaginava que hoje o conceito de peças “sem gênero” seria tão discutido e apoiado. Quem é mulher e gosta de usar camisetas provavelmente já visitou a área masculina das lojas para ver se encontrava algo que lhe agradasse. O mesmo para homens que compram calças skinny feitas – originalmente – para o público feminino. 

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A estudante Rebeca Ximenes, por exemplo, sempre frequenta a arara de roupas masculinas das lojas de departamento. “Sempre é lá que eu encontro as melhores estampas, como heróis e caveiras. Na sessão feminina, é muito raro encontrar e, quando se acha, são poucas opções. E as caveiras têm umas flores, muito rosa, coisas que eu não gosto muito”, diz ela. Ana Cláudia Capelesso, analista de sistemas, é fã de quadrinhos, heróis e videogames. E não costuma achar camisetas interessantes nas araras cor-de-rosa. “Eu sempre compro camisetas nas sessões masculinas mesmo. O segredo é ir nos modelos menores ou infantis”, ensina ela.

A jornalista e blogueira Bruna Aidar concorda, e compra, mesmo não achando modelos no seu tamanho. “Eu compro muita camiseta de banda e de time de futebol. Infelizmente, é muito complicado achar camisetas dessas áreas para quem é magrinha que nem eu. Eu compro e mando para costureira”, diz Bruna. 

Alguns homens também têm problemas com a numeração nas lojas e acaba achando peças que vistam bem na sessão vizinha. O advogado Renato Martins não consegue achar numeração de calças nas sessões masculinas. “As camisetas e calças 38 ficam folgadas em mim e, na sessão feminina, eu acho peças que vestem melhor”, ele conta. Thiago Santana, ator, queria porque queria uma jardineira jeans, e nada de achar. Até que encontrou na sessão feminina. Ele também é dos que procuram peças legais na loja toda – não apenas no setor marcado com o bonequinho azul. “Já comprei cachecóis, meias, mochilas, camisetas. O macacão, especificamente, foi devido à longa procura por um nas sessões de roupas masculinas e nunca ter encontrado”, diz ele.

Os consumidores da nova geração estão em busca de roupas que lhe agradam, independente se foram criadas para um gênero específico. Se gostou, qual o problema em levar para casa e usar no dia a dia? A moda sem gênero ficou mais forte em 2015 nas passarelas das semanas de moda. O desfile da Gucci, assinado por Alessandro Michele com peças feitas tanto para homens e mulheres, trouxe novos ares para o mercado. Com a iniciativa, vieram Rick Owens, Alexandre Herchcovitch, Dudu Bertholini, que já apostava em um visual mais livre, e outros estilistas que apostaram em um estilo sem regras.

Algumas marcas apostaram em coleções aparentemente sem gênero, mas acabaram abraçando a causa de maneira errada. A Zara lançou, recentemente, uma coleção sem gênero em uma tentativa de mostrar que está se adequando às mudanças das passarelas. Frise-se “tentativa”, pois a coleção mais parece algo como “Pijama Outono-Inverno” que roupas sem distinção de sexo. A coleção é composta por moletons na cor cinza, camisas largas, calças de pijama e casacos em verde  musgo. Cadê a graça?

Já a C&A, líder do varejo brasileiro, fez uma campanha bem interessante com direito a um vídeo gritando “liberdade de expressão, mudanças e ousadia”. Todo mundo pelado correndo em direção às roupas que querem usar. Tem até um homem colocando o que talvez seja um vestido, já que só foram dois segundos de uma cena que seria algo revolucionário no mercado da moda brasileira. Apesar de uma festiva recepção nas redes sociais, a C&A em nenhum momento afirmou textualmente que esta seria uma coleção sem gênero. No site da marca, a nova coleção é dividida entre peças masculinas e femininas.

Como já foi dito, não há impedimento em ir até a arara vizinha e experimentar peças que, em tese, não foram feitas para o seu gênero. Mas e as pessoas que não se enquadram em gêneros? E as pessoas que se identificam com o outro gênero? Na teoria, cada um usa o que quer, experimenta o que quer e, se tiver dinheiro, leva para casa. Mas, na prática, quem nunca ouviu uma história sobre ser mal-atendido, em uma loja, por não corresponder a um padrão dito normativo? 

Falta ainda muito para que se possa de fato anunciar que uma loja ou uma coleção seja sem gênero, como frisa a blogueira Bruna. “Sem gênero não é necessariamente camiseta básica. O ideal seria, por exemplo, que os meninos pudessem ir e comprar um vestido ou que as meninas comprassem um terno,” opina ela. 

Foto: reprodução

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