A última das divas

Testemunha dos anos de ouro de Hollywood, Olivia de Havilland completa 100 anos com carreira invejável e histórica conquista para a categoria dos atores

Postado em: 30-06-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Testemunha dos anos de ouro de Hollywood, Olivia de Havilland completa 100 anos com carreira invejável e histórica conquista para a categoria dos atores

JÚNIOR BUENO

Lançado em 1939, …E o Vento Levou é considerado um dos filmes mais importantes da história do cinema. Alguns dizem que é o maior épico de todos os tempos. Como foi lançado há 77 anos, é de se imaginar que o tempo levou todo o elenco. Só que não: há uma sobrevivente. E não é uma sobrevivente qualquer: é a atriz que fez um dos papéis principais, o de Melanie, a moça boazinha que vira alvo da inveja da chata e mimada protagonista Scarlett O’Hara (Vivien Leigh). Melanie foi vivida por Olivia de Havilland – na época, com 24 anos. Amanhã, dia 1º de julho, Olivia completa 100 anos. E é a última diva da era de ouro de Hollywood. 

Homenagens por Olivia ser a última remanescente de peso seriam justas. Só que a atriz não gosta muito delas. Em 1989, quando houve a celebração pelos 50 anos do filme, ela delicadamente recusou todas as entrevistas e homenagens por ser, já na época, a última sobrevivente do filme entre as principais estrelas. Essa é apenas uma de muitas histórias curiosas sobre Olivia Mary de Havilland. 

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A atriz, que fez carreira na glamourosa Hollywood dos anos 1930 e 1940, nasceu em Tóquio — isso mesmo, no Japão — em 1º de julho de 1916. O sobrenome de Olivia foi herdado do seu avô paterno, cuja família era de Guernsey, uma das ilhas do Canal da Mancha. Era a filha mais velha da atriz Lilian Augusta Ruse e do professor de inglês e militar Walter Augustus de Havilland. Seus pais se divorciaram quando ela tinha apenas 3 anos de idade, em1919, o que obrigou sua mãe a voltar com suas duas filhas para os Estados Unidos, estabelecendo-se em Saratoga, na Califórnia.

Olivia decidiu se tornar atriz antes mesmo de concluir o estudo fundamental. Já interpretava papéis no teatro da escola e, em uma apresentação de Sonhos de Uma Noite de Verão, chamou a atenção de Max Reinhardt, um caça-talentos. Ela tanto impressionou Reinhardt que ele a convidou para se mudar para Los Angeles, onde ela estrelaria as suas duas montagens da peça shakesperiana – uma nos palcos e outra nas telas. Daí para o estrelato foi um pulo. 

Em 1935, logo após o filme Sonho de Uma Noite de Verão ser lançado, Olivia ingressou-se na Warner Bro­thers, então um dos maiores estúdios de Hollywood. Foi imediatamente contratada pela Warner por sete anos. Mal a tinta de sua assinatura no contrato secou e ela já estava escalada para três produções: Esfarrapando Desculpas, seu primeiro filme no estúdio, O Filhinho da Mamãe e Capitão Blood, o primeiro de seus oito filmes com o galã Errol Flynn, parceria que se constitui numa das mais profícuas do cinema – como em A Carga da Brigada Ligeira (1936) e As Aventuras de Robin Hood (1938), por exemplo, onde ele era o herói e, ela, Lady Marion.

Embora conhecidos como um dos mais famosos casais do cinema, Olívia e Errol nunca estiveram ligados romanticamente. A respeito de seus sentimentos sobre o seu co-star, ela observou que se sentia atraída por ele, e recusou todas as investidas do galã com o receio de se tornar apenas mais uma dentre as inúmeras aventuras amorosas de um homem comprometido. Flynn era casado com a atriz Lili Damita, na época, e tinha fama de mulherengo. Olívia ficaria surpresa, anos mais tarde, ao ver que Flynn escrevera em sua autobiografia que esteve realmente apaixonado por ela, ou seja, ele de fato foi honesto em seus sentimentos em relação à atriz.

Em 1939, a Warner Brothers a emprestou para o produtor David O. Selzinck, da Metro Goldwyn-Mayer, que bancaria o clássico …E o Vento Levou. Vivendo Melanie Hamilton, a doce prima da mimada, porém forte Scarlett O’Hara (Viven Leigh), Olivia recebeu sua primeira indicação para um Oscar, como Melhor Atriz Coadjuvante de 1939, mas perdeu o prêmio para sua colega de elenco Hattie McDaniel, a impagável Nanny, a dama de companhia de Scarlett, e a primeira negra a conquistar a estatueta.

Depois do épico, Olivia voltou à Warner e continuou a fazer seus filmes. Em 1941, ela interpretou Emmy Brown, em A Porta de Ouro, e foi indicada pela primeira vez ao Oscar de Melhor Atriz. Só que perdeu para Joan Fontaine, por Suspeita, um filme de Alfred Hitchcock. Joan Fontaine, no caso, era Joan de Beauvoir de Havilland, a irmãzinha mais nova de Olívia. Depois desse episódio, a relação entre as duas azedou. Era uma competição constante. Olivia era uma lady, mas chamava a irmã de “doce coisinha”. Joan disse que poderia emprestar sua beleza à irmã, já que ela não tinha nada. Joan rechaçou qualquer tentativa de conciliação até morrer, em 2013, aos 96 anos.

Em seu favor, Olivia poderia dizer – e deve ter dito –  que teve mais indicações ao Oscar que Joan (cinco e três, respectivamente) e mais vitórias (duas contra uma). O primeiro Oscar como Melhor Atriz foi com Só Resta uma Lágrima (1946), em que interpretou Josephine Norris. Uma enquete em um site de fãs de Olivia aponta este – e não Lady Marion ou Melanie – como o melhor papel da carreira da atriz. A outra vitória foi com Tarde Demais (1950), de William Wyler. 

Entre esses dois, houve uma indicação por A Cova da Serpente, de 1948, em que vive uma mulher dada como louca, forçosamente internada em um hospício, apesar de sua sanidade. Foi sua quarta indicação ao Oscar, a terceira como Melhor Atriz, mas ela perdeu para Jane Wyman, uma jovem deficiente visual em Belinda.

Depois de uma forte presença nas telas, Olivia de Havilland agora podia exigir papéis melhores e mais densos do que os costumeiros, como os de “menina doce e gentil” que a Warner insistia em lhe oferecer. Suas exigências – uma insubordinação inaceitável para a época – levou a Warner a suspendê-la das suas atividades por seis meses. Na época, os estúdios tratavam seus atores sob a política de que todos não passavam de mera propriedade que estava obrigada a aceitar os papéis que lhe eram designados, sem choro nem vela, como se fosse um rebanho dócil e submisso. 

Como se não bastasse essa suspensão, faltavam poucos meses para que o contrato da atriz com a Warner terminasse, o que ela desejava ardorosamente, mas a Warner a avisou que ela teria de pagar ao estúdio os seis meses de suspensão, ficando sob o controle da empresa, sem filmar, e ainda sem remuneração. 

Olívia casou-se com o escritor Marcus Goodrich em 1946 e ambos se divorciaram em 1953. Da união entre o casal, nasceu o filho, Benjamin (nascido em 1949), que tornou-se um matemático e morreu, em 1991, após uma longa batalha contra um linfoma de Hodgkin. Após divorciar-se de Goodrich em 1953, Olivia fez uma viagem a Paris, onde conheceu o jornalista francês e editor da Paris Match Pierre Galante. Ela e Galante se casaram em 1955, e a filha do casal, Gisele, nasceu em julho de 1956, quando De Havilland tinha 40 anos de idade. Decidida a se dedicar mais à sua família, a atriz estabeleceu-se definitivamente, em Paris, no ano de 1960.

Depois de um período sabático, Olivia voltou às telas, em 1952, com Eu Te Matarei, Querida!. Os anos se passaram, e os papéis foram rareando. Seu último filme foi O Quinto Mosqueteiro (1979), no papel da rainha-mãe. Sua última aparição ocorreu em The Woman He Loved (1988), um filme para a TV.

Olivia de Havilland, sem dúvida, deve ter a sua importância reconhecida não apenas pelo seu talento como atriz, mas também por ter se tornado uma defensora pioneira dos direitos de atores e atrizes, tendo sido criada, graças a ela, uma lei que leva o seu nome, validada com o objetivo de assegurar aos mesmos importantes direitos que estes devem ter como garantia. Em 1999, ela foi nomeada uma das 500 grandes lendas do cinema pelo American Film Institute. 

Em fevereiro de 2011, De Havilland apareceu na cerimônia de gala dos Prêmios César na França. Jodie Foster, presidente da cerimônia, apresentou-a, e De Havilland foi longa e fortemente aplaudida de pé. Atualmente, a diva reclusa curte, em Paris, uma aposentadoria sossegada. Ou quase. Nos últimos anos, ela apareceu em vários programas de TV e recebeu algumas homenagens por sua longevidade. Mas que ninguém toque no assunto “a última sobrevivente de …E o Vento Levou…

 

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