Museu de Arte de Goiânia expõe obras de Tancredo de Araújo

O Bosque dos Buritis será ocupado pelas cores e traços do artista goiano Tancredo de Araújo, com a exposição Viver

Postado em: 19-07-2016 às 10h00
Por: Redação
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O Bosque dos Buritis será ocupado pelas cores e traços do artista goiano Tancredo de Araújo, com a exposição Viver

Elisama Ximenes

Para além da paisagem natural conhecida do
Bosque dos Buritis, o parque será ocupado pelas cores e traços do artista
goiano Tancredo de Araújo, com a exposição Viver. Após sua morte, em setembro
de 2008, a família ficou responsável pelo seu ateliê e a exposição, que começa
amanhã, é alimentada pelas obras que ficaram desde a partida do artista.
Nascido em Anicuns, Tancredo utilizava a sua pintura como arma de luta. O ápice
de sua militância artística se deu durante o período da ditadura militar e é,
nesse contexto, que o anicuense construiu sua arte com um regionalismo crítico.

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“Com uma pintura forte, Tancredo apontou para
diversas direções”, avalia o curador do Museu de Arte de Goiânia, Enauro de
Castro. Para ele, apesar de sua obra ser, aparentemente, prolixa, o artista
conseguiu levar um novo campo artístico para o Goiânia. Novo no sentido tanto
visual quanto semântico de sua obra. Mais que inovador, o artista conseguiu
imprimir em sua obra uma militância artística. Tendo o ápice de sua arte sido
contemporâneo ao período de Ditadura Militar no país, Tancredo escolheu a arte
como sua voz na luta contra o sistema vigente.

Para entender o nível de inovação do artista,
Enauro de Castro é categórico ao afirmar que a obra de Tancredo não cabe em
“ismos”. Quando for visitar a exposição, tente não encaixar os quadros em
escolas artísticas ou tipos, porque não entra em algum. “O que se pode dizer
sobre sua obra é que ela rompe com um regionalismo tradicionalista local”,
explica. Enauro ainda completa que o que cabe adjetivar sobre a obra de
Tancredo é que se trata de um regionalismo crítico em relação à arte brasileira
vigente de sua época.

A exposição em si também demonstra o anseio
por uma valorização do que é marginal enquanto luta contra-hegemônica. A mostra
das obras de Tancredo faz parte de um desejo crescente do Museu de Arte de
Goiânia de trazer à tona a produção de artistas que não foram reconhecidos pela
arte brasileira. A intenção dos curadores do museu, com isso, é de recuperar o
acervo de pintores que foram colocados à margem do sistema, historicamente,
sendo restringidos a categorias locais abrangentes.

Tancredo de Araújo era aberto a tudo aquilo
que representasse uma contra-cultura, em época de crescente imperialismo
estadunidense. Com isso, é perceptível, em suas obras, certa influência afro e,
também, fazia questão de retratar os conflitos sociais e políticos que ocorriam
na América Latina, às vezes, de forma abstrata. Em declaração dita em 1984, o
artista ressalta a pintura é “o instrumento que tenho para defender minhas
ideias, minhas convicções políticas e sociais. Eu seria um mutilado se não pudesse
pintar”. O fato de ter sido marginalizado pela história da arte brasileira foi
justificada por ele, enquanto estava vivo, pelo fato de suas temáticas serem de
resistência ao que era vigente.

A arte andava com ele desde sempre. Ainda na
declaração de 1984, Tancredo conta que desenhava em todos os cadernos do grupo
escolar e, desde então, não mais parou. O fato de não ter sido reconhecido em
seu país, no entanto, não lhe incomodava. Isso porque, apesar disso, o goiano
ganhou reconhecimento fora do país. Sua primeira exposição individual foi
realizada na Colômbia e só um tempo depois começou a ser convidado para expor
no Brasil. Esteticamente, sua obra tinha o suporte do óleo, do desenho e da
serigrafia. E sua temática, além de militante, também era marcada pela valorização
da figura humana.

O goiano estudou Belas Artes em Goiás e no
Rio de Janeiro, de 1962 a 1973. O último ano de graduação coincidiu com o ano
da sua primeira exposição individual. Aquela na Colômbia. Depois disso,
Tancredo expôs em diversos países da América Latina e, também, nos Estados
Unidos e Canadá. “Não sou badalado, apenas um cara que pinta, tem uma proposta
e defende bravamente aquilo em que acredita: o povo, o ser humano”, declarou
Tancredo à imprensa em 1988. A insurgência era, de fato, uma das
características mais marcantes de Tancredo, tanto ideologicamente quanto
tecnicamente.

Nunca deixou-se amarrar pelos pressupostos
técnicos de vanguardas, por exemplo, preferia insurgir e expressar, com força,
suas ideologias nas obras. O fato de se mostrar resistente aos padrões de
escolas artísticas hegemônicas justifica-se no fato de que Tancredo preferia se
ligar às tendências artísticas latino-americanas. Além disso, também ansiava
desamarrar-se dos padrões norte-americanos ou eurocêntricos. Sua luta
transcendeu os quadros; quando mudou-se para o Rio de Janeiro, integrou-se ao
movimento estudantil e a intelectuais que contestavam o regime militar. Para
Enauro, essa ida ao Rio de Janeiro também possibilitou uma discreta
contaminação de suas obras pelo movimento de vanguarda. Mas isso não o fez
perder a característica margianl de suas obras. A veia esquerdista de Tancredo
era tão forte, que mal conseguia dar preço em seus quadros. A ideia de
capitalizar as obras, que eram tão engajadas, lhe parecia absurda.

“A mistura, de tradição e modernidade,
talvez, seja o que melhor caracteriza a obra de Tancredo”, entende Enauro de
Castro, em artigo escrito neste mês. O artista goiano morreu em 23 de setembro
de 2008, no Rio de Janeiro. A exposição de suas obras permanece no Museu de
Arte de Goiânia até o dia 11 de setembro. Em 1994, Tancredo teve texto
publicado no livro Poemas GEN: 30 anos. Nele, o artista deixa o legado para a
arte brasileira: “Muito tenho ainda pela frente e acredito que, depois da
reviravolta que colocar em cheque todo o sistema de arte brasileiro,
necessariamente haverá uma nova e mais profunda reavaliação do real caminho do
que virá a ser a arte brasileira contemporânea”.

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