Segunda-feira, 01 de julho de 2024

A arte que corre nas veias de Davidson Xavier

"A gente vê uma dança, um quadro num museu ou um grafite na rua, e um pedaço dessa arte fica na gente"

Postado em: 14-02-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: A arte que corre nas veias de Davidson Xavier
"A gente vê uma dança, um quadro num museu ou um grafite na rua, e um pedaço dessa arte fica na gente"

Catherine Moraes/especial para o hoje

Ator, bailarino e educador, Davidson Xavier tem arte correndo nas veias e uma sede imensa de ensinar e aprender. Formado em Teatro pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), em Minas Gerais, foi membro do extinto Balé do Estado de Goiás e, atualmente, ministra aulas no curso de Dança no Instituto Federal de Goiás – Campus Aparecida de Goiânia. No último mês, Davidson ministrou a oficina Dramaturgia do Corpo para o Das Los Grupo de Dança, do qual também já foi bailarino, sob direção de Tassiana Staciarini. Em convite do jornal O HOJE, ele bateu um papo com o Essência e falou sobre dança, teatro e a necessidade de investimento na cultura que pode transformar pessoas. Confira a entrevista na íntegra.

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Você ministrou, no último mês, a oficina Dramaturgia do Corpo para o Das Los Grupo de Dança. Como mesclar dança e teatro para bailarinos?

O termo dramaturgia se preocupa em identificar e estabelecer critérios para uma criação. Sempre ouvimos falar da dramaturgia de um autor teatral ou de um novelista na TV, mas nunca pensamos nesse termo para refletir sobre o corpo. O termo drama significa “agir”! Nas minhas aulas, seja de teatro ou dança, me preocupo como o intérprete vai criar, como ele pega o seu universo e joga para fora. É complicado falar de um termo tão recente, como dramaturgia do corpo ou da dança, e mostrar para os alunos que isso está dentro deles. Todo mundo tem um potencial criador, só que muitas vezes esbarramos no ‘certo’ ou ‘errado’ ou nos apoiamos num ideal aristotélico, que para a arte contemporânea é totalmente defasado. Acredito que cada aula seja diferente da outra, e, cada oficina, diferente da outra, justamente pelo conjunto dos seus componentes. É como aquela expressão que diz que nenhum homem se banha no mesmo rio, porque o rio é outro, e o homem também é outro. O ser humano sempre projeta um futuro e, atualmente, minhas propostas de trabalho corporal se preocupam com o corpo no aqui e agora.

Bailarino, ator e educador. Qual o maior desafio da arte, hoje, e como você acredita que podemos melhor o cenário brasileiro e goiano?

Eu sou natural de Minas Gerais, me formei no interior de São Paulo e, posteriormente, vim para Goiânia. Aqui, percebi que o maior desafio da arte é vencermos nossos próprios medos como artistas. Tenho um olhar bem ‘pedagógico’ quanto ao fazer artístico. Todo artista tem o dever de tornar-se acessível a seu público: tornar-se compreensível sem entregar de bandeja o seu trabalho cênico. Quando o artista torna-se consciente de que ele é um potencial formador de sua plateia, ele se percebe pertencente ao mundo que o cerca. A arte na escola, por exemplo, ainda não é valorizada, e muitos acham que ela deve ser tirada do currículo básico. Isso me causa profunda tristeza, pois a arte abre mentes e liberta o artista-educando. O aluno torna- se dono de si, descobre-se cheio de ideias, torna-se criativo e abre-se para possibilidades. Acho que nós, artistas, seja da dança ou do teatro, devemos nos tornar acessíveis a perguntas, compreensíveis a pensamentos ainda não estruturados sobre o que é arte. Percebo que, hoje em dia, nunca houve tanta procura por atividades artísticas! Todo mundo quer ser artista! Apesar disso, ainda há um caminho longo para nossa classe se tornar respeitada. Ainda tem gente que me pergunta: que legal! Você é bailarino! Mas você trabalha mesmo com o quê? As pessoas ainda não têm a ideia de que fazer arte é trabalhoso, oneroso e demanda muito tempo de um profissional.  Estaria feliz quando algum empresário me perguntasse como poderia me ajudar a partir de dedução do seu imposto de renda! Muitos empresários ainda não conhecem essa possibilidade, e o fazer artístico necessita dessa triangulação: artista, plateia e empresário/ poder público.  Quando essa tríade acontecer, a cultura no Brasil começará a caminhar. 

Você está com o Das Los desde o princípio. O que mudou até agora? Como tem sido a experiência de trabalhar com o grupo?

O Das Los mudou muito neste período. Umas das possibilidades que o fez crescer realmente foi o apoio do Fundo Cultural do Estado. Tive que me afastar dos palcos em 2016, mas sempre estive presente nas decisões do grupo. O grupo acredita que a dança deve ser exposta, e a distância entre artista e comunidade deve ser diminuída. Só conseguimos fazer essas oficinas gratuitas durante todo o ano de 2016 devido ao investimento do Fundo de Arte e Cultura.  Fizemos apresentações gratuitas para escolas, universidades, grupos de artistas, e um dos encontros mais significantes foi quando dançamos para pessoas com baixa visão: mesmo sem conseguir enxergar, com recursos audiodescritivos, o grupo dançou para cerca de 100 pessoas cegas da cidade de Goiânia. Alcançamos outro objetivo, que é de ajudar na formação de novos artistas da dança, e, paralelo a isso, nos capacitamos – uma mão ajudando a outra, e as duas lavando o rosto. Eu projeto no grupo muitas ideias pessoais, e elas estão intimamente ligadas a ações gratuitas, sejam em escolas ou espaços abertos, e essas ações só foram possíveis com o investimento estadual. A ideia do grupo é manter nossas aulas gratuitas para a população, mas os professores convidados também são artistas e precisam de auxílio financeiro! Espero que algum incentivador em potencial esteja lendo isso e fique curioso sobre nossos processos e trabalhos de acessibilidade a bens culturais.

De que forma você acredita que a arte pode transformar os jovens?

Eu trabalhei no ano de 2016, no Itego Basileu França, no curso de Teatro e no curso Técnico de Arte Dramática. Ali, eu vi como o artista em formação percebe-se corporalmente, e, em consequência, o mundo. Tornam-se mais compreensíveis, mas perceptivos, mais ativos frente a desafios. É lindo ver a transformação de cada um deles e cada um avançando no seu ritmo. Acompanho esses artistas em formação e, a cada dia,  fico mais orgulhoso deles e do trabalho desenvolvido pela coordenação de teatro do Basileu França! Uma equipe de professores que preza pelo trabalho artístico sem se esquecer de que o ser humano é um bem que deve ser lapidado. Na minha formação na faculdade,  também tive inúmeras vivências de como a arte transforma vidas – não só as dos jovens, mas também do seu entorno.  Isso é o bonito da arte: a gente vê uma dança, vê uma encenação, vê um quadro num museu ou um grafite na rua, e um pedaço dessa arte fica na gente. O ser humano é um ser osmótico! Somos semipermeáveis, e a arte é um elo.

Falta investimento para que a arte possa ser profissão em Goiás? 

Infelizmente falta. Todos os bailarinos e atores que conheço na cidade trabalham com outra função. O trabalho profissional em arte cênica, na Capital, ainda não é estimulado pela grande mídia nem incentivado, a contento, por mecanismos federais, estaduais e municipais. Existem muitos trabalhadores da arte por esse Goiás que trabalham sem incentivo nenhum. Não que o governo tenha que sustentar o artista, mas falta um pouco de óleo nessa engrenagem. Acabamos de ver a crise da Quasar Cia. de Dança que balançou muita gente pelo Brasil e pelo mundo, mas não é só a Quasar que está com esses problemas. Muitos grupos do Rio, de São Paulo, da Bahia estão sem recursos… Falta a nós, artistas, mais criatividade para pensar, além das nossas cenas no palco, nossa atuação na vida. Um exemplo triste da falta de investimento em Goiânia foi a extinção do Balé do Estado de Goiás, no fim de 2014, que acabou sem quase nenhum alarde da comunidade artística ou a própria cidade.

Como a arte entrou na sua vida e como foi a decisão de seguir como profissão? 

Eu queria usar a arte de forma instrumental. Muitos alunos chegam para mim e falam que querem perder a timidez. Esse foi o meu principal meio para chegar ao teatro. Ainda me lembro das minhas aulas de corpo no Conservatório Estadual de Musica Lorenzo Fernandez, em Montes Claros. Eu, travado, duro e sem abertura para o novo. Mas, depois de um ano de processos, me apresentei num palco. Sentir as luzes quentes no rosto, as borboletas no estômago e a sensação de que aquilo ali será único e maravilhoso. Foi nesse dia que resolvi fazer teatro como profissão. Posteriormente, comecei a fazer balé clássico, ainda na minha cidade, e depois de ir a festivais de dança percebi que era isso que queria fazer. Por isso acho tão importante a criação de mecanismos de incentivo à cultura. Esses mecanismos e artistas entrando na escola, fazendo arte na rua, expondo em lugares acessíveis farão a população goiana  mais curiosa quanto ao que a cerca e, consequentemente, farão estas pessoas reverem seu lugar no mundo. 

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