Nélida Piñon e as narrativas femininas

Escritora foi homenageada com comenda da Academia Carioca de Letras

Postado em: 08-03-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Escritora foi homenageada com comenda da Academia Carioca de Letras

Natália Moura com Cristina Indio do Brasil (Repórter da Agência Brasil) 

No conto Colheita (Sala das Almas, 1997) de Nélida Piñon, os personagens principais são uma mulher e um homem. Na trama, o homem abandona sua esposa para conhecer o mundo além da aldeia onde viviam. Ela fica só, em casa, à sua espera. Depois de anos, ele volta com muito a contar sobre suas aventuras, mas ela não permite. A mulher, então, preenche a casa com toda a experiência íntima que teve nos anos que passou sem ele. Esse resumo “bronco” tem sentido para além da narrativa do conto de Nélida, que pode ser visto na vida de toda escritora, inclusive da própria. Ao assumirem as narrativas de seu universo, as mulheres tomam para si seus lugares de fala, inclusive na literatura.  

Nélida Piñon foi a primeira mulher a ocupar a presidência da Academia Brasileira de Letras (ABL). Ao longo dos 120 anos da instituição, só seis escritoras ocuparam uma de suas cadeiras. De acordo com Maria Clara Dunck, doutoranda em literatura pela UnB e uma das mediadoras do  projeto Leia Mulheres em Goiânia, a ausência de mulheres nesses espaços acontecia e acontece até hoje. “As mulheres produzem, sempre produziram, mas é difícil atingir um lugar – que sempre foi delas – por várias razões, a principal delas é a falta de reconhecimento”, afirma. Segundo ela, a ABL (assim como outras associações) foi criada em forma de irmandade, por isso sempre foi favorável o reconhecimento apenas de homens. “É costume premiar seus irmãos; as mulheres nunca foram parte da sociedade, seja no âmbito artístico, literário ou geral”, conta. 

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Maria Clara também atribui isso ao silenciamento dado a “assuntos femininos” dentro da literatura. “Existe um menosprezo de tudo que é do convívio da mulher”, afirma a pesquisadora que atribui isso a uma cultura que segrega o feminino do masculino e vice-versa. Para mudar essa situação, é necessário que esses espaços sejam abertos a quem sempre foi excluído deles. Projetos como o Leia Mulheres existem com o propósito de pensar a exclusão e os excluídos. “Para a mulher ser mais lida, mais pensada e escrever mais é necessário incentivo em casa, no colégio e de toda a sociedade”, afirma. Homenagear mulheres que romperam essas barreiras é uma maneira de fazer isso. 

Nélida Pinõn

Na última segunda-feira (6), Nélida Piñon recebeu uma homenagem na Academia Carioca de Letras, também chamada de A Casa de Anchieta, no Centro do Rio. Quem entregou as honras, a Comenda da Ordem Padre José Anchieta, foi a atriz Fernanda Montenegro. “Temos praticamente a mesma idade. Somos resultado de anos vividos passando pelos mesmos processos, sobrevivendo, acreditando, trabalhando, criando, então, Nélida, é como se me dessem a oportunidade de homenagear uma irmã”, disse Fernanda ao entregar a comenda. Além da homenagem feita a Nélida Piñon, a instituição abriu  na ocasião as comemorações do Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, e definiu 2017 como o ano em homenagem às escritoras brasileiras. 

Sobre a celebração do dia 8 de março, Fernanda disse que considera importante a comemoração, mas preferia que não houvesse necessidade de que ter um dia único para a mulher. “Eu pensei na minha vida, um dia, não ter um dia especial para a mulher, não ter nada especial para índio, não ter nada especial para homossexual. Nada especial para aquilo que se possa achar o outro”, disse.

Fernanda acrescentou que fica infeliz com todas as comemorações em torno das mulheres, não porque não mereçam, mas porque isso traz à tona algo que precisa ser sacudido para saber que elas existem. “Mas tudo bem. Acho que vou daqui para um lugar aí, em uma hora aí, e infelizmente vão continuar os dias para a mulher, tapete para a mulher, mas não tem dia do homem. Vejo esse Dia da Mulher não um estado de festa. Acho que ele exite, devemos fazer este dia, mas com a consciência de que não quero uma perfumaria”, disse, acrescentando que esse momento só ocorrerá quando “o mundo estiver, completamente, equalizado”.

Para a escritora, o fato de a Academia, além de fazer a sua homenagem, antecipar as comemorações do Dia Internacional da Mulher e abrir o ano das escritoras brasileiras, foi uma conjunção formidável. “Realmente sempre fui uma feminista histórica. Fui a primeira brasileira que comemorou junto às jovens o 8 de março, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no tempo da  ditadura”, disse. 

Mesmo já tendo recebido diversas homenagens na vida, Nélida tem boas recordações de cada uma. “Cada homenagem tem uma espécie de configuração. Ela é estelar por si própria e arrasta uma intenção maravilhosa de quem outorga”.

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