‘Fragmentado’: a ressurreição de Shyamalan

Toni Nascimento

AM. Night Shyamalan é um dos diretores mais controversos do cinema contemporâneo. O indiano, naturalizado americano, alcançou o auge da sua carreira no início dos anos 2000 e foi reconhecido pelo público como o novo Steven Spielberg e, às vezes, até mesmo como o novo Stanley Kubrick. Conhecido por ser um simpatizante de longos close-up e por sempre incluir grandiosos plot twist (reviravolta na história) nos finais de seus filmes, como no seu maior sucesso O Sexto Sentido, de 1999, ele se tornou um queridinho de Hollywood. Infelizmente, ele experimentou os dois lados da moeda, e foi do apogeu à queda.

O diretor logo perdeu a mão e, mesmo com os grandes orçamentos dos estúdios para realizar seus longas, M. Night Shyamalan já não conseguia mais satisfazer as expectativas do seu público que, a esta altura do campeonato, já dependia dos plot twist como um viciado depende do seu vício. Além disso, a sua vaidade contaminou sua obra e o seu juízo de valor, levando Shyamalan a realizar filmes como Fim dos Tempos, de 2008 (que, apesar de ruim, leva a sua assinatura autoral), O Último Mestre do Ar, de 2010, e Depois da Terra, de 2013 (filmes totalmente de estúdio, sem nenhuma assinatura). Todos achavam que o diretor estava acabado.

Eis que, em 2015, M. Night Shyamalan começa uma parceria com a BlumhouseProductions, produtora conhecida por fazer filmes de terror de baixo orçamento se tornarem bastante rentáveis na tela grande (a produtora é conhecida como a “Pixar do Horror”), e o primeiro fruto é A Visita, de 2015, filme que apesar de mediano traz de volta as características que tornaram o diretor um sucesso. Mas a verdadeira ressurreição de Shyamalan veio em 2017, com o segundo fruto da parceria dele com a produtora, o filme Fragmentado.

O longa conta a história de Kevin, interpretado por James McAvoy (X-Men: Primeira Classe), portador do transtorno dissociativo de personalidade (TDI) que possui 23 personalidades e que está passando pelo estágio de surgimento de uma 24ª personalidade, bem no momento em que sequestra e mantém em cativeiro três jovens garotas. O roteiro, escrito pelo próprio diretor, foi inspirado pelo caso real de Billy Milliga, que foi diagnosticado com 24 personalidades e acabou tendo sua circunstância usada como defesa, no tribunal, quando foi julgado pelos seus crimes.

Apesar das boas atuações da jovem estrela Anya Taylor-Joy (A Bruxa), que interpreta uma das garotas raptadas, e da atriz que faz a psiquiatra de Kevin, Betty Buckley (Carrie, a Estranha), o filme é do britânico James McAvoy. Shyamalan, pela primeira vez ao longo de quase 20 anos, mostrou uma capacidade incrível na direção de atores e fez de Fragmentado o filme que fará McAvoy ser lembrado como um excelente ator por muitos e muitos anos.

McAvoy, além de conseguir dar singularidade a cada uma das personalidades que representa, consegue transitar entre elas mesmo sem nenhum corte na cena para lhe auxiliar. Em dois momentos da projeção, um no meio e outro logo no fim, McAvoy consegue passar de um personagem para outro (lembrando que ele faz isso sem cortes na cena) com a maior naturalidade do mundo. Além disso, a singularidade de cada personalidade vivida pelo autor não se encontra apenas na fala ou nos maneirismos, mas também na corporalidade. É como se o corpo de McAvoy (em total sincronia e coerência com o roteiro) adapta-se a cada uma das vidas que habita aquele corpo.

Apesar de não existir um grande plot twist no fim do filme (e não existir uma grande plot twist em um filme do Shyamalan já é um plot twist), Fragmentado é um grande respiro cinematográfico se comparado ao que vem sendo produzido para o grande público. O final conta com um possível gancho e uma ligação com outro filme do diretor. Além de revelar o quão bom ator é James McAvoy, Fragmentado nos fez lembrar de que M. Night Shyamalan também é um exímio diretor quando está inspirado.