Trajetória de luta indígena está em pauta no premiado documentário ‘Taego Ãwa’

Longa estreia em circuito comercial rompendo uma paralisia de 20 anos de obras audiovisuais goianas sem distribuição

Postado em: 11-05-2017 às 06h30
Por: Sheyla Sousa
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Longa estreia em circuito comercial rompendo uma paralisia de 20 anos de obras audiovisuais goianas sem distribuição

Bruna Policena

Os irmãos cineastas Henrique e Marcela Borela se depararam com um material digno de roteiro de filme, e assim o fizeram. No documentário Taego Ãwa, que estreia no dia 11 de maio pela Sessão Vitrine Petrobras, registros recentes se misturam a imagens antigas dos índios Ãwa. O longa chega ao circuito comercial de salas de cinema após um hiato de 20 anos. Taego Ãwa é o primeiro filme goiano, em duas décadas, a receber um convite curatorial de uma distribuidora, por sua relevância temática e estética.

Foi por meio de cinco fitas VHS com registros dos índios Ãwa, mais conhecidos como Avá-Canoeiros do Araguaia, achadas numa faculdade, que Marcela e Henrique deram início ao projeto. A partir daí, encontraram outros materiais e foram em busca daquele povo, investigando a fundo a origem e a trajetória dos Ãwa, até aqui, inclusive o passado de enfrentamento com os brancos, o histórico de reclusão, a luta por demarcação de território e pela restituição das terras.

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Marcela ainda era muito nova: aos 19 anos de idade, estava no seu segundo ano de faculdade em Comunicação Social (Jornalismo), em uma viagem com a turma e professores, e,  quando soube da existência das fitas, ela estava em uma aldeia indígena, no nordeste do Tocantins, fazendo um trabalho de comunicação comunitária. Na sua faculdade eram feitos vários projetos nesse sentido, ajudando comunidades a se capacitarem em relação a ferramentas de comunicação, como fotografia, jornal, vídeo, rádio, etc. Logo quando voltou de viagem, buscou as fitas. Assistiu ao material, que estava em sua maior parte em língua indígena. Naquela época, seu irmão ainda tinha seus 14 anos. 

Anos depois, o irmão passou no vestibular para Ciências Sociais, e seu interesse pela etnografia e antropologia fez com que os irmãos revissem o material, agora com outros olhos, pois já haviam tido contato com a produção de cinema. E das fitas surgiu a ideia de fazer o filme. Marcela Borela conta que, apesar de terem feito o filme ao longo de 12 anos em busca de imagens de arquivo, a motivação das filmagens só poderia surgir em parceria com os Ãwa. “Nossa primeira intuição foi a de não filmá-los, mas sim mostrar a eles o conjunto de informações e conteúdos que vínhamos juntando sobre suas histórias”, diz Marcela, que completa: “Queríamos que o filme partisse do gesto de devolver aos Ãwa aquelas imagens de arquivo que narravam 40 anos de seu desterro e cativeiro em busca de  justiça. Aquelas pessoas haviam sido filmadas demais e fotografadas demais, em uma redoma de um discurso de extinção, invisibilidade e animalidade que nos chocava. De certa maneira, carregávamos uma revolta. Descobrimos que eles estavam reivindicando Taego Ãwa, a terra tradicional, depois de 40 anos de silêncio. Foi nessa primeira visita à Ilha em 2011. Ali, propusemos o filme, mas eles estavam desconfiados. Estavam sofrendo retaliações por estarem encorajados em voltar à terra”.

O irmão,Henrique, acrescenta: “Seis meses depois da nossa primeira visita, os Ãwa entraram em contato conosco e disseram que eles queriam que o filme fosse feito. Aí nós fomos novamente à Canoanã, na Ilha do Bananal, em 2012, quando tratamos do filme e de como ele seria. Decidimos, ali, que seria sobre a terra, que se chamaria Taego”.

E, por fim, Marcela retoma: “No Taego Ãwa, a gente filma junto, nós e nossa equipe, com a família Ãwa do Araguaia (Tutawa, seus filhos, netos, bisnetos). Somos dois irmãos, uma família, filmando outra família. Acho que esses laços ficam potencializados nesse trabalho. Decidimos coisas entre nós, como diretores e roteiristas, decidimos coisas com nossa equipe, mas sempre vibrando mais relação com a família Ãwa, bastante liderados pelos netos de Tutawa, jovens da nossa idade”.

Taego Ãwa é uma produção da Barroca e F64 filmes em parceria com a Associação do Povo Ãwa (Apãwa), da Cinemateca Brasileira, do  Núcleo de Produção Digital de Goiás (NPD-GO), do Instituto Federal de Goiás (IFG) – Câmpus Cidade de Goiás, da Ideia Produções e da Balaio Produções, tendo como produtora associada Luana Otto. O filme foi viabilizado por meio do Edital Longa.doc 2013, Edital de Fomento ao Documentário Brasileiro, da SAv/Minc e recebeu também patrocínio da SPcine – linha 3, para sua distribuição.

Marcela diz que muitas produções goianas de filmes, séries e documentários estão por vir, e que os próximos meses aguardam lançamentos muito relevantes para o incentivo da produção do cinema regional. “As distribuidoras de conteúdo já estão percebendo a participação dos filmes feitos em Goiás dentro do cenário nacional. Taego Ãwa teve uma excelente estreia nacional e mundial, e foi aos poucos sendo percebido como um filme relevante para o cinema feito no Brasil”, acrescenta ela.  

Contexto político nacional

No longa-metragem, o grupo Avá-Canoeiro do Araguaia narra sua trajetória de desterro, cativeiro e luta pela reconquista de sua terra tradicional, também chamada Taego Ãwa – que leva o nome da primeira mulher de Tutawa, Taego, que é mãe de Kaukama – ela que, por sua vez, é mãe, avó e bisavó de todos os Avá-Canoeiro do Araguaia que nasceram após o contato de 1973. No contato, realizado pela Funai, os Ãwa foram retirados à força da Mata Azul e, depois, foram enjaulados e expostos para visitação pública. Boa parte do grupo morreu de doenças alheias. Os remanescentes acabaram entregues aos Javaé – ocupantes de uma terra vizinha ao território Avá-Canoeiro. Tutawa, capturado ainda jovem pela frente de atração da Fundação Nacional do Índio (Funai), morreu em 2015 sem ao menos ter o direito de serenterrado no último refúgio de seu povo antes do trágico contato: o Capão de Areia.

A Terra Indígena Taego Ãwa, que aguardava demarcação do Ministério da Justiça desde 2012, teve portaria declaratória publicada e homologada pela então Presidente da República Dilma Rousseff, pouco antes de ela ser afastada de suas atividades, no dia 12 de abril de 2016. Na ocasião da demarcação da TI Taego Ãwa, ocorria o 13º Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília (DF), organizado pela Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que se repete em 2017 como o maior encontro pelos direitos constitucionais dos povos indígenas no Brasil.

Diretores

Henrique Borela e Marcela Borela são irmãos. Ele tem 27 anos e nasceu em Goiânia, e ela tem 33 e veio pequena para a cidade, com a família, que saiu de Araguari (MG). Formado em Ciências Sociais pela UFG, Henrique vive e trabalha em Goiânia, é realizador cinematográfico, pesquisador, curador e produtor cultural. Desde 2006, trabalha com cinema, exercendo diversas funções dentro da cadeia produtiva. Assinou a direção e o roteiro de cinco curtas-metragens, dentre os quais se destacam: Ainda Que Se Movam Os Trens, de 2013, e Sob Nossos Pés, de 2015, realizados em codireção com Marcela Borela e Vinicius Berger –  e Porfírio, também de 2015. 

Marcela é realizadora audiovisual, pesquisadora, professora, curadora e gestora de projetos cinematográficos. Vive e trabalha na Cidade de Goiás. Antes de formar-se em Jornalismo, escolheu o cinema quando participou de um set como figurinista. Desde 2004, reúne experiências em diferentes áreas do audiovisual e realizou cinco curtas como diretora e roteirista, além de um média, Mudernage, exibido na rede pública brasileira de TV, em países da América Latina e na China. Marcela tem especialização em História Cultural pela UFG e mestrado em História pela mesma universidade. Foi diretora e curadora do Cine Cultura – Sala Eduardo Benfica, em Goiânia, entre 2011 e 2013, e hoje é professora no Instututo Federal de Eduação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG) – Câmpus Cidade de Goiás. Henrique e Marcela são diretores do Fronteira – Festival Internacional do Filme Documentário e Experimental, que vai para sua 4ª edição, em 2018, juntamente com Camilla Margarida e Rafael Parrode – festival  realizado pela Barroca, empresa brasileira de produção independente.

Serviço:

Filme goiano ‘Taego Âwa’ na Sessão Vitrine da Petrobras

(Documentário, longa-metragem, 75 minutos)

Início de exibição: 11 de maio

Duração mínima da temporada: duas semanas – podendo ser prolongada

Sessão Vitrine, com debate: 14 de maio (Cine Cultura)

Presença de: cacique Davi Ãwa, antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues (responsável pelos estudos de demarcação do território Ãwa), diretores do filme e equipe da distribuidora Vitrine

Onde: Cine Cultura (Centro Cultural Marieta Telles Machado), Praça Cívica – Goiânia 

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