Milho: além da importância econômica, o alimento é rico em tradição nos pratos goianos

A pamonha e as “pamonhadas” também estão no DNA goiano; Para a enfermeira Matilde Assis, não é suficiente só comprar a massa pronta ou ir a uma pamonharia

Postado em: 24-10-2021 às 10h23
Por: Augusto Sobrinho
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A pamonha e as “pamonhadas” também estão no DNA goiano; Para a enfermeira Matilde Assis, não é suficiente só comprar a massa pronta ou ir a uma pamonharia | Foto: Pamonharia Gourmet/Reprodução

A coordenadora do curso de Gastronomia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Cristiane Souza, destaca que “a comida do goiano é tipicamente amarela”. Além do pequi, do açafrão e outros ingredientes, acredito que podemos evidenciar, principalmente, o milho nesse cardápio, pois qual goiano seria capaz de pular a banquinha da pamonha nas festas juninas? Acredito que nenhum. Com sua enorme versatilidade na culinária, este cereal, quando está em forma de grão seco, e legume, quando fresco, merece um banquete só para ele.

Na produção do milho, podemos destacar os municípios de Rio Verde e Jataí. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na pesquisa Produção Agrícola Municipal, os rio-verdenses são os segundos maiores produtores do País, com 12,567 milhões de toneladas colhidas na safra de 2019/20, e os jataienses ocupam o quarto lugar no ranking, com a produção de 1,6 milhão de toneladas produzida em 2019.

Com mais de sete mil anos, os primeiros registros de cultivo do milho foram encontrados no México. No Brasil, essa cultura antecede a chegada dos colonizadores portugueses, pois as comunidades indígenas, sobretudo os guaranis, já tinham o cereal como o principal ingrediente de sua dieta. O que não é de se assustar, pois ele é fonte de vitaminas A, B e C e é rico em manganês, tendo assim ação antioxidante.

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Desde 2015, no dia 24 de maio, é comemorado o Dia Nacional do Milho. Com o objetivo de estimular e orientar a cultura do milho, a data também prepara o campo para as festas juninas, em que o produto é bastante explorado. Uma das épocas mais gostosas do ano, o São João traz nas quadrilhas as diversas banquinhas vendendo canjica, bolo de milho, curau, pipoca, angu de milho e, principalmente, a pamonha.

A pamonha e as “pamonhadas” também estão no DNA goiano. Para a enfermeira Matilde Assis, não é suficiente só comprar a massa pronta ou ir a uma pamonharia, pois, em sua opinião, a pamonha é sinônimo de união. Com segredos de família, que envolvem até “roubar milho em chácaras”, ela conta sobre como este legume significa momentos de estar com a família e os amigos.

“Não é fácil reunir a família e amigos para fazer uma pamonhada, demanda tempo e, às vezes, metade de um dia para esse momento. A gente compra uma ou duas mãos de espiga, [que é equivalente a 64 espigas], e coloca na área da minha mãe. Todo mundo senta em volta e é aquele momento de descascar e preparar o milho. Então, a gente conversa, ri, descontrai e conta história. No final de todo aquele momento legal, temos a pamonha como prêmio e o resultado de um dia divertido”, conta.

Para ela, a pamonha é símbolo desses instantes de alegria. “Tem um valor sentimental e cultural da minha família, que já passou por muitas dificuldades”, diz. Por isso, o milho tem um sabor de roça e simplicidade para Matilde. As pamonhadas são onde ela diz se sentir acolhida e também quando pode acolher os outros, pois, no meio daquela “bagunça” de palhas e espigas, há muita receptividade.

O milho envolve um objetivo em comum na família de Matilde, que costuma reunir 20 ou mais pessoas para esse mutirão culinário. Segundo ela, isso tem o poder de tornar a pamonha “muito” mais saborosa. “O sabor é totalmente diferente. A pamonharia pode até fazer do mesmo jeito e colocar o mesmo milho, o mesmo queijo e o mesmo óleo, mas o sabor da nossa pamonha é um sabor de recompensa. Torna-se uma memória afetiva, pois gera lembranças boas daquele momento”, salienta.

Com avós, pais, e filhos reunidos nas pamonhadas, essas lembranças e histórias acabam sendo transmitidas entre as gerações e, com isso, a realização dessa festa culinária vira tradição. “Minha mãe é agricultora e foi para Goiânia com nove filhos. Então, a pobreza era extrema, mas, às vezes, com o pouco dinheiro que sobrava, ela fazia uma trempa com tijolos, [que é tipo de suporte para panelas], e fazia uma pamonhada ou uma canjicada. Então, no meio daquelas dificuldades, a gente vivenciava momentos muito bons e felizes e, por isso, se tornou tão representativo para mim”, destaca.

Em meio a essas histórias encontra-se a identidade culinária de uma comunidade que, no nosso caso, é a goiana. A forma como as pessoas criam vínculos afetivos com pratos, como a pamonha gera um reconhecimento e uma representatividade das características do que plantamos, da forma que preparamos e de como servimos, explica esses sentimentos que sabores e cheiros suscitam. “É sobre lembrança, história e eu acho que até quando a morte me levar vão lembrar das pamonhadas que eu fazia ou sobre as histórias que vivenciamos”, acredita.

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