Quinta-feira, 01 de agosto de 2024

Um conhecedor de infinitos

Acompanhado da banda Albatroz, Cícero lança seu novo disco. Em entrevista, artista revela a O HOJE detalhes de sua criação e diz que trabalhar em grupo nada mais é do que um processo agregador

Postado em: 26-12-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Um conhecedor de infinitos
Acompanhado da banda Albatroz, Cícero lança seu novo disco. Em entrevista, artista revela a O HOJE detalhes de sua criação e diz que trabalhar em grupo nada mais é do que um processo agregador

Guilherme Araujo*

Ares levemente sombrios dão o tom a um cenário marcado por uma esquina aleatória em obras – uma ambientação que reflete sem grande esforço a realidade das grandes metrópoles. No centro disso tudo, em meio a desconhecidos, um personagem com feições absortas e que agoniza, embora ternurento. É sob esta narrativa que Cícero Rosa Lins faz seu retorno à música com a canção A Cidade, considerada a síntese do disco Cícero & Albatroz (Sony Music), lançado na primeira semana de dezembro nas plataformas digitais.

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Menos solar do que em sua produção anterior, A Praia (2015), o artista buscou para o lançamento novos tipos de experimentações que vão além do sonoro. Desta vez troca os violões por guitarras e abusa de arranjos ousados, assinando o projeto ao lado da banda Albatroz – formada por Bruno Schulz, Uirá Bueno, Gabriel Ventura, Cairê Rego, Felipe Pacheco Ventura, Vitor Tosta e Matheus Moraes. 

Nas dez faixas, que falam deliberadamente sobre temas como amor, solidão, medo e cansaço, consolida-se mais uma vez como um dos grandes músicos do País, compondo, a cada passo, câmbios em sua engenhosidade. Diante de seu recém-explicitado senso colaborativo, Cícero, que anunciou nesta semana uma apresentação em Goiânia no dia 05 de maio de 2018, desnuda sua poesia e encontra respostas para o processo de exploração dos espaços que o cercam. Confira a entrevista a seguir:

Como surgiu a parceria com os rapazes do Albatroz?

Nos discos anteriores a Cícero & Albatroz, meu processo consistia em gravar tudo em casa, sobrepondo instrumentos… Agora não. Trata-se de um projeto que já vinha sendo desenvolvido há algum tempo. Sugeri que trabalhássemos com a composição e os arranjos em conjunto, afinal queríamos um resultado diferente. Quando tocávamos as músicas dos outros discos, ao vivo, elas muitas vezes ficavam até mais legais e ganhavam outra cara. Percebíamos a recepção das pessoas, e decidimos aproveitar o momento. 

Você começou sua carreira musical na Banda Alice, mas esta foi a sua primeira vez trabalhando em grupo depois de algum tempo?

Isso. Mesmo sem nunca ter deixado de trabalhar com outros músicos, já tinha um tempo que essa galera não trabalhava comigo, por exemplo, em aspectos como a composição. Cheguei até a fazer algumas parcerias, mas nada sério. Trabalhar com a banda completa foi algo novo desde 2008, quando me desliguei da Alice. Analiso essa experiência como algo ótimo, porque já tínhamos sete anos de convivência – com alguns desses caras, até posso dizer que esse tempo se supera. Além disso, éramos donos de intimidade o suficiente para discutir ideias, dizer o que estava bom e o que não estava, o que poderia ser feito de diferente. Foi bastante agradável, divertido (risos).

Esse senso de coletividade sempre foi algo presente?

Em áreas diferentes, sim. Comecei com a minha banda, e, depois, quando fui produzir meu primeiro disco solo (Canções de Apartamento, 2011), era comum chamar amigos para participar das gravações. No entanto existia uma coisa de os discos serem bem autoriais. No caso de Cícero & Albatroz, essas mensagens vem de uma série de pessoas diferentes, o que origina um resultado final que faz a sonoridade fluir de maneira mais plural, e isso é muito legal.

Você passou boa parte da sua vida no Rio de Janeiro. Viver nesse lugar interferiu de que maneira no seu desenvolvimento?

Sem dúvida, interferiu no meu desenvolvimento como pessoa. A cidade do Rio de Janeiro norteou e participou basicamente de toda a minha vida. Minha infância foi a típica infância do subúrbio carioca, porque nasci e cresci na zona Oeste, onde fiquei até os 20 anos. Lá, ficava na rua, e observava as coisas, situações que me fizeram desenvolver uma relação bem menor com a praia e maior com a rua, os ônibus, os trens. Então sempre enxergo com a ótica do carioca, traçando paralelos e diferenças com o Rio dos lugares que já tardiamente conheci.

E, para esse trabalho, o que te inspirou?

Dessa vez, a inspiração veio da minha volta para o Rio, depois de dois anos morando em São Paulo. Assim que me mudei para lá, fiz o disco A Praia, relacionado à falta que tudo aquilo fazia no meu entorno, porque nessas minhas andanças também morei por dez anos perto da praia. Voltando, estava com aquele aspecto paulista, de metrópole, muito forte. Observando o lugar de onde saí, voltei a enxergar as coisas de maneira diferente, como na minha juventude. 

É possível perceber na sua obra uma escalada de sentimentos, de texturas e algumas mudanças, de um trabalho para outro. Agora, como você avalia a aura deste novo disco? 

Acho que A Praia era mais ‘clean’. O centro da mensagem naquele momento era mais solar. Cícero & Albatroz é um disco mais duro, que possui uma ótica nem sempre otimista das coisas, com arranjos que carregam personalidade de cada músico. Isso faz com que haja sentimentos diversos e até adversidades, como quando o baterista, o guitarrista e eu, juntos, acabamos fazendo com que uma letra que não era tão feliz assim acabasse se transformando em algo do tipo ao longo do processo. É uma outra linguagem. O resultado foi um disco com mais sensações diferentes. 

O ambiente que te cerca é algo muito latente na sua obra…

Sim. Meus discos sempre partem do meu entorno, das relações que tenho com as pessoas, com os lugares, com relações que se desenvolvem. Sempre produzo os discos sob este ponto de vista. Como sempre, lanço um material dentro de um espaço de tempo. A cada dois anos, eu tento atualizar minha ótica sobre as coisas, o que acompanha minha mudança humana. Viajando para tocar: acho que isso me faz absorver muito da cultura do lugar – quanto mais você volta. Isso tudo foi mudando minha noção de espaço, e é algo que reflete na música, na ambiência dos espaços.

Você tem alguma faixa predileta?

Ainda não. Acho que a partir de agora, vendo como as músicas se relacionam com as pessoas, comigo mesmo e ao longo do tempo… 

No clipe de A Cidade, é possível perceber um visual que remonta dias cinzentos. Isso seria um reflexo desses tempos atuais?

Eu acho que sim. Na verdade, essa música representa um apanhado do disco, de toda a mensagem que tentamos passar. Em suma, é a visão que tenho da cidade grande. Nunca vivi na zona rural ou na serra para conseguir formar um contraponto sobre isso – e, futuramente, quem sabe não o faça? – mas todos os lugares em que já morei são espaços muito urbanos. Costumo ver, com muita clareza, os problemas e a vida que se leva nessas grandes cidades, como o clipe tem o objetivo de demonstrar. A imagem é só um recorte disso.

Existe uma força de aspectos visuais na sua obra, explícita, inclusive, nos encartes. Para você, isso estabelece uma ligação com a poesia?

Acho que sim. A poesia, o poema, uma forma de traduzir a poesia, uma das características dele é resolver uma questão estética. A sonoridade das palavras, dos nomes… se você usa o espaço físico do papel ou não. Há uma gama de possibilidades nisso. Sempre que faço a arte gráfica de um álbum, reflito sobre, e, a cada trabalho, tento me debruçar sobre essa outra linguagem, de uma forma diferente, tal qual trato o áudio. Já usei em poesia concreta; em intervenções com tinta, um material que poderia ser usado como elemento político; em palavras escritas, como um contraponto à cantada; Por aí vai. Para se ter uma ideia, às vezes escrevo de um jeito, canto de outro, canto o que não está escrito e vice-versa. É um desafio lidar com essa linguagem, porque toda forma de expressão é estética.

Em janeiro, você se apresenta no Rio e em São Paulo para o lançamento do disco, e em maio desembarca em Goiânia. O que os fãs podem esperar desse novo show?

É uma nova experiência. São músicas novas, tocadas por uma galera que participou de todo o processo de criação e gravação. Isso ocasiona uma produção muito próxima ao que se viu no disco, o que é algo diferente. As músicas antigas virão com novas roupagens, novos formatos, e eu acho que é uma coisa que o público sempre espera de mim, que eu sempre tenha algo novo na manga. Então estou sempre com essa intenção, querendo que meus próximos passos sejam sempre algo que ainda não tenha feito. 

*Guilherme Araujo é integrante do programa de estágio do jornal O Hoje.

Foto: Eduardo Magalhães

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