Pioneira do punk completa 71 anos neste sábado (30)

Patti Smith se afirma como ícone feminino atemporal – e cada vez mais ativo

Postado em: 30-12-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Patti Smith se afirma como ícone feminino atemporal – e cada vez mais ativo

GUILHERME ARAUJO*

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O ano era 1974. No badalado CBGB, um dos clubes noturnos mais famosos de Nova York, tinha espaço um recorte da cena cultural mais efervescente da cidade – algo que pouco se veria nas décadas seguintes. Talvez pareça a leitura de um roteiro de filme relacionar este local a uma jovem cheia de sonhos, recém-chegada da interiorana Chicago e que ainda há pouco havia entregado o filho bebê para a adoção. Largando tudo para trás a fim de matar sua sede por arte, tinha na escassa bagagem um exemplar roubado do clássico Les Illuminations, de Rimbaud, poeta francês que viria a influenciar toda uma obra.

Com a cabeça borbulhando em ideias, ela as compartilhava com o amigo inseparável, confidente e também amante, Robert Mapplethorpe. Dispunham de pouquíssimo capital para concretizá-las, vivendo em situação de extrema pobreza. No entanto, foi nesse cenário frenético como um borrão na memória, e que incluiu uma breve estadia no famoso Chelsea Hotel, que eclodiu a poesia de Patti Smith. Apelidada como poetisa do punk, suas primeiras apresentações no CBGB renderam uma canja daquilo que ao longo dos anos fariam de sua obra– boa parte eternizada nos livros de memórias Só Garotos e Linha M, ambos publicados no Brasil pela Companhia das Letras – algo emblemático. 

Conservando um visual andrógino, eternizado em camisas, coturnos e paletós – ao mais puro estilo tomboy – foi impulsionada pela admiração que sentia por Baudelaire, Verlaine e Blake. Em pouco tempo ganhou importantes admiradores, como Lou Reed, que pressionou a gravadora para que ela fosse contratada. Não o bastante, cercada por amizades como Jim Morrison, Janis Joplin e Jimi Hendrix, saiu da inércia e investiu em suas criações. Para que chegasse a publicações como livros Seventh Heaven, passou a apresentar acompanhada do guitarrista Lenny Kaye, poemas como Piss Factory, seu primeiro compacto.

Não demorou muito para que, acompanhada de uma banda, o futuro Patti Smith Group, gravasse numa só noite 9 faixas que dariam vida ao disco Horses. Lançado em um sábado, 13 de dezembro, é considerado um marco no rock n roll e completa, neste mês,  42 anos. O material foi o responsável por abrir portas para que o gênero se tornasse menos machista, permitindo que mulheres se aventurassem nos vocais, além de ter sido o precursor da incursão de intelectualidade em um dos movimentos de maior força na segunda metade da década 1970 – o punk.

Produzido por John Cale, do Velvet Underground, logo na abertura Patti diz que Jesus morreu pelos pecados de alguém, mas não pelos seus. Os trechos da canção Gloria, um cover de Van Morrison, são o carro chefe de outras faixas que apresentam na sequência características que denotam um trabalho rico em simbologias. Nesta combinação de música e poesia, Horses narra, embalado por letras dramáticas e uma voz rasgada,entre outros episódios encontros furtivos gays regados a ácido (Land)ou a evocação de memórias da mais nova de seus 4 irmãos (Kimberly), tudo regado a boas doses de psicodelia.

Outside Society

No ano seguinte, em 1976, mostrou que nada poderia pará-la além dela mesma. Durante uma apresentação na Flórida caiu de um palco de 3m de altura. Fraturou uma vértebra do pescoço, mas se recuperou, rapidamente, voltando à cena ainda naquele ano. Uma verdadeira sobrevivente, tanto pelo acidente, como também se mostraria ao ver seus amigos partirem um a um, seja pelo vício em drogas ou pela AIDS, a artista tomou seus próximos passos com manifestos de uma criatividade aparentemente inesgotável. 

Vieram na sequência Radio Ehiopia (1976), Easther (1977) – que originou uma parceria com Bruce Springsteen e seu maior sucesso comercial, a faixa Because The Night –, e Wave (1979), tido como sua primeira rusga séria com a crítica especializada. Em um estado que reforçava a ideia de que pouco lhe importava o que pensavam, foi somente aqui, por vontade própria, que resolveu pendurar as surradas botas de couro por um tempo.

Casou-se com o músico Fred ‘Sonic’ Smith, ex-MC5, e decidiu se retirar da música para se dedicar a projetos pessoais. Os holofotes só retornariam em 1989, com o anúncio de People Have The Power, sua última colaboração musical e fotográfica com o marido e com Mapplethorpe, que faleceram logo na sequência. De cunho abertamente político, a faixa-título viria a se tornar um hino atemporal de lutas mundiais, fazendo parte ainda hoje do repertório da própria Patti e de artistas como o U2.

Acompanhada dos dois filhos, ela viveria seu luto até 1994, quando voltou à ativa lecionando literatura pela manhã e acompanhando Bob Dylan pela noite, em turnê. Como o despertar radiante da manhã, não demoraria muito para retornar ao estúdio e liberar os quase simultâneos GoneAgain(1996) e Peace and Noice (1997). Indicada ao GRAMMY e elogiada por trazer trabalhos mais sérios, apresentava vocais fortes e melhor trabalhados. Foi nesse período que se interessou por questões ambientais e humanistas, como a perda.

Agora mais madura, não só pelos fios brancos que adquirira ao longo dos anos, mas também por seguir com as madeixas tão desgrenhadas quanto as da rebelde que desbravou Nova York nos anos 1970, seguiu sua receita de novas formas de se fazer rock no disco Gung Ho (2000). Voltou a percorrer o mundo em turnê a se converter em uma verdadeira viajante – modo de vida que defende ainda hoje, em plena atividade e com apresentações marcadas até agosto de 2018.

Em suas andanças, tornou-se ativista, reflexões estampadas no disco Trampin (2004), seu mais expressivo lançamento até então, onde critica a invasão norte-americana no Iraque na faixa Radio Baghdad. Além de cantar para multidões, hoje seu maior prazer reside em se sentar em seu café favorito e escrever, fazendo peregrinações periódicas acompanhada de sua inseparável câmera polaroid. Seus planos que não dizem muito mais a respeito de coisas que não lhe dão vontade – tudo isso, talvez, um reflexo do título de sua última publicação, Devotion. De fato, aos 71 anos Patti Smith não quer nada além de exercer sua própria devoção pela arte.

*Guilherme Araujo é integrante do programa de estágio do jornal O Hoje 

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