O pioneirismo do Sealand na cena do Cheer em Goiânia

Conheça a história do time de cheerleading de Goiânia, Sealand

Postado em: 09-10-2022 às 16h30
Por: Maria Gabriela Pimenta
Imagem Ilustrando a Notícia: O pioneirismo do Sealand na cena do Cheer em Goiânia
Conheça a história do time de cheerleading de Goiânia, Sealand | Foto: arquivo do time

E um, dois, três, quatro. Cinco, seis, sete e oito. E um, dois, três, quatro. Cinco e seis e sete e oito. Essa é a contagem ouvida repetidas vezes ao passar pela porta de entrada da Escola Inforzato de Patinação Artística, no bairro Jardim América, local onde o time de Cheerleading, Sealand, treina aos domingos. Enquanto marcam o tempo dos passos sincronizados, a equipe não deixa o cansaço vencer. Movimentos de braços firmes e bem executados, palmas, entusiasmo e um largo sorriso no rosto. Isso justifica o motivo do esporte ser praticado por atletas chamados animadores ou líderes de torcida.

O Cheer

O Cheerleading surgiu em 1887, nos Estados Unidos, na Universidade de Princeton. Desde então, é amplamente praticado neste país. No Brasil, o esporte ainda está crescendo e conquistando seu espaço. Até hoje, a maioria dos brasileiros conhecem o “cheer” apenas como um grupo de meninas com pompons nas mãos torcendo para times de futebol, como é retratado nos filmes americanos.

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Em 2008, a prática chegou ao Brasil por meio da Comissão Paulista de Cheerleading, não sendo reconhecido, ainda, como esporte. Apenas quatro anos depois, em 2012, o SportAccord, organização que reúne todas as federações internacionais de esportes, reconheceu o cheerleading como tal.

Atualmente, existem diversas competições de Cheerleading no Brasil, como o Cheerfest e o Campeonato Brasileiro de Cheerleading (CBC), além de vários outros torneios universitários. Basicamente, os times são divididos em duas categorias principais: All Star e Universitária. Dentro destas categorias, as equipes são separadas por níveis de 1 a 7, sendo o primeiro o nível da iniciação e o último, do mundial.

Com o intuito de preparar os atletas brasileiros, o CBC foi pensado com o objetivo de proporcionar experiência aos atletas dentro das Arenas Olímpicas, uma vez que o Cheerleading está sendo cotado para se tornar uma modalidade nos Jogos Olímpicos de 2028, que acontecerá em Los Angeles, nos Estados Unidos, o berço do cheer.

Movimentos do Cheerleading

A performance do cheerleading acontece a partir de cinco movimentos principais que se dividem em subcategorias: jump, tumbling, stunt, pirâmides e dança.

Os jumps se dividem em três formatos: os spread eagles, que são saltos com os braços e pernas estendidos; os tucks, em que o atleta leva a perna o mais próximo do corpo e mantém os braços estendidos; e os hurdles, quando o cheerleader salta com uma perna esticada, enquanto a outra se matem dobrada.

Os tumblings são as acrobacias realizadas no ar e podem ser subdividos em diversas categorias: como cambalhotas, reversão, parada de mão e estrelas.

Os stunts são as bases que sustentam as flyers pelos pés e as auxiliam para que elas subam alto.

As pirâmides são a junção de dois ou mais stunts e podem crescer de acordo com a rotina da equipe.

A dança no cheerleading possui movimentos e passos marcados, sempre em sincronia. Neste momento, os atletas trabalham muito as expressões facial e corporal.

Pirâmide / Sealand no Campeonato Brasileiro de Cheerleading 2018 | Foto: reprodução

O Sealand

O Sealand, atualmente, é um time que se enquadra na categoria All Star, ou seja, ginásios independentes que competem contra outros ginásios também não vinculados a nenhuma Universidade. Mas, nem sempre foi assim.

O Sealand surgiu como um projeto de extensão da Faculdade de Educação Física e Dança (FEFD) na Universidade Federal de Goiás (UFG). A ideia foi concebida, em 2017, pela Ellen Gomes, atual treinadora da equipe, juntamente com Igor Lucena, quando ainda era acadêmica de Educação Física na UFG.

A coach foi atleta de ginástica artística por oito anos, antes de entrar na Universidade. Durante um intercâmbio para a Nova Zelândia, quando ainda cursava o terceiro ano do Ensino Médio, ela teve seu primeiro contato com o cheerleading. Inclusive, chegou a integrar o time neozelandês do colégio em que estudou. A identificação foi tanta que decidiu trazer essa experiência para Goiânia, formar sua equipe e passar para frente o que aprendeu.

“No terceiro ano eu fui fazer intercâmbio para Nova Zelândia”, comenta. “Eu não sabia ainda se ia para a Psicologia ou para a Educação Física. Lá foi o meu divisor de águas, de verdade. Se eu não tivesse vivido o que eu vivi, a minha vida teria tomado um rumo totalmente diferente que não consigo nem imaginar”, desabafa. “Eu fui lá, competi no final do ano, nível 1. Eu nem entendia, não sabia e não entendia nada os nomes em inglês”, ri. “Nós ganhamos, foi uma experiência surreal e eu amei o esporte”.

Ellen, ainda, relembra o motivo que levou o cheer a chamar tanto a sua atenção. Como ela veio da ginástica artística, que é um esporte individual e tomado por rivalidades, notou que na nova paixão isso não existia.

“(O cheer) une pessoas totalmente diferentes dentro de um tatame que vão trabalhar em cooperação, sabe? Então, é realmente uma engrenagem. É preciso do outro para poder fazer acontecer.” No raciocínio, Ellen comenta perceber verdadeiramente um sentimento de união e de amizade dentro da equipe. “Foi quando eu pensei: ‘Meu Deus, o cheerleading é muito melhor que ginástica artística’”, conclui.

Ao desvincular da UFG e se tornar um ginásio, em 2019, o Sealand ainda precisava de ajuda de local para os treinos. Com isso, utilizaram a escola de ginástica artística Mário Sérgio (Ms), que cobrava um valor irrisório para a equipe utilizar o local. Um tempo depois, a Secretaria de Esporte e Lazer passou a apoiar o projeto e migraram do Ms para a praça dos esportes, onde treinaram gratuitamente. Em contrapartida, cada um do time precisou arcar com as despesas do campeonato (inscrição) e da viagem para o Rio de Janeiro (transporte e hotel), o que não foi fácil para a maioria do pessoal. Para resolver este problema, até hoje, os atletas contam com a ajuda da família e realizam venda de rifas para alcançarem o montante necessário para que todas as despesas que envolvem o campeonato sejam custeadas.

Neste ano, 2022, os treinadores Ellen e Igor decidiram efetivar o ginásio e providenciar sua própria aparelhagem.

“Neste ano nós decidimos efetivar o nosso ginásio, ter os nossos tatames e não depender do Estado”, falou. “Até porque eu e ele somos formados em Educação Física, então o plano era, realmente, ter os nossos próprios materiais necessários para dar uma boa qualidade para os meninos treinarem, que foi o que a gente fez”, explicou. “Nós já temos um plano de ter o nosso próprio espaço ano que vem e não depender mais de aluguel”.

Time Sealand | Foto: arquivo do time

O projeto de extensão

Ao finalizar o intercâmbio, quando voltou para Goiânia, Ellen entrou para o curso de Educação Física na UFG e, no segundo semestre, iniciou a escrita do projeto de extensão para apresentar à coordenação do curso. Ela estava confiante de que, finalmente, colocaria em prática sua proposta.

“Vamos fazer esse trem funcionar”, ela ri lembrando como foi o início. “Comecei a juntar uns gatos pingados, ia perguntando quem tinha interesse em participar.”

Antes mesmo de entrar no curso, quando tudo ainda era um sonho, a idealizadora do projeto conheceu Igor Lucena, que também é responsável pela organização do Sealand.

“Conheci ele na UFG, durante as férias, o resultado do ENEM ainda não tinha nem saído. Comentei com ele que queria montar um time de cheerleading quando fosse aprovada.” Lucena, que na época era da patinação artística, tinha um blog sobre cheerleading e, logo surge uma identificação entre eles, que o levou a abraçar a ideia.

Com subsídio da Universidade, o Sealand, em 2017, finalmente, se tornou um projeto de extensão e no ano seguinte, a equipe já almejava o campeonato.

Igor Lucena e Ellen Gomes | Foto: arquivo do time

Performances no Campeonato Brasileiro de Cheerleading

O Campeonato Brasileiro de Cheerleading acontece todo ano na Arena Carioca, no Rio de Janeiro, e conta com as melhores equipes All Star e Universitárias do país. O evento oferece estrutura olímpica, auxiliando o esporte a alcançar o profissionalismo, que merece, segundo Lara Magalhães, chefe da equipe de organização do campeonato, e carece de infraestrutura maior e melhor.

“A gente preza muito por ter um campeonato de qualidade em todas as áreas, desde questões de estrutura, passando pela questão técnica, dos jurados, tudo que está no universo do campeonato”, afirma Lara em entrevista ao Cheer Chanel. Ainda, o Campeonato tem apoio da Secretaria de Estado de Educação e Esporte, o que abre caminho para uso da infraestrutura olímpica.

O Sealand, que em 2018 participaria do seu primeiro campeonato, como nível 2 na categoria Universitáia, treinou incansavelmente, para conquistar sua primeira vitória no Campeonato Brasileiro de Cheerleading.

“Faltavam dois meses para a competição quando começamos a criar uma rotina”, relembra Ellen. “A gente treinava de segunda a domingo. Éramos 14 pessoas na época. Tudo doido, né?!” A professora de educação física conta como, neste momento, estava despreparada para exercer a função de treinadora e, por isso, deu início a cursos e começou a estudar o regulamento, escrito em inglês. Desta forma, passou a dar aulas teóricas também, priorizando as regras, as faltas e as pontuações. A teoria foi essencial para o Sealand vencer.

“Nós nos apresentamos. Os meninos saíram chorando, achando que tinham errado tudo. Quando ganhamos, a gente nem acreditou”. O Sealand, neste ano, conquistou o primeiro lugar na categoria mais competitiva do campeonato, disputando contra outras 12 equipes.

No ano seguinte, o time campeão competiu novamente como nível 2, mas, pela primeira vez, na categoria All Star, o que aumenta a dificuldade e a qualidade das equipes. Neste ano, 2019, o Sealand competiu contra ginásios que já possuíam mais de 10 anos de história e ocupou a quinta posição nos resultados finais.

Em 2021, o Sealand entrou na competição com duas equipes, uma de nível 1 e a outra, nível 3. O resultado foi positivo para o grupo, que conquistou o ouro em ambas as divisões.

Momento da vitória | Foto: arquivo do time

Esteriótipos

Existe uma categoria dentro do esporte chamada “sideline”. Diferente da divisão competitiva, os cheerleaders desta categoria não participam de campeonatos, sendo o intuito apenas torcer pelos times durante os jogos e engajar a torcida. O “sideline” se caracteriza por danças, pompons, pulinhos de alegria, palmas e gritos de guerra. Infelizmente, o que acaba de ser descrito é a visão mais comum das pessoas sobre o cheerleading, nutrida, durante a vida, pelos filmes de adolescentes em que líderes de torcidas são introduzidas como garotas populares, bonitas, malvadas e sexualizadas. Gomes comenta sobre esta questão e como o time combate os estereótipos.

“Realmente, a gente não gosta muito dos filmes. Eles retratam o cheerleading competitivo, você vê as acrobacias, mas eles focam muito nas rixas e vulgarizam muito a mulher – este é um estereótipo que a gente tenta quebrar até hoje”, diz. “Muita gente acha que o cheerleading é só de mulher, e a minha equipe tem mais homem do que mulher”, enfatiza. “Então, é totalmente o contrário.” A treinadora, conclui dizendo que é um esporte inclusivo, que qualquer pessoa que desejar pode participar. “Muita gente pensa que só homossexuais vão querer participar, mas não tem nada a ver. Por isso eu sempre convido para uma aula experimental, porque aqui temos altos, baixos, magros, gordos, pessoas que nunca fizeram ginástica na vida e pessoas que fizeram há muito tempo. E colocamos todo mundo numa equipe só, com o objetivo de pontuar lá na competição.” Ellen volta a dizer o quanto ela admira o cheer por ser tão diversificado. “Tem lugar para todo mundo. Todo mundo cabe aqui.”

Campeonato Brasileiro de Cheerleading 2022

Neste ano o Campeonato Brasileiro de Cheerleading acontecerá nos dias 17 e 18 de dezembro, nas Arenas Cariocas 1 e 2, localizadas no Parque Olímpico da Barra, no Rio de Janeiro. De acordo com a organização do evento, as Arenas olímpicas recebem cerca de 2000 atletas de cheerleading anualmente, além de espectadores e famílias dos competidores.

Dessa vez, o Sealand vai levar três equipes: nível 2 All Girl (apenas mulheres) e níveis 2 e 3 coed (misto).

“A gente começa a treinar desde o início do semestre e começamos a montar a rotina e aos poucos nós vamos testando”, explica Ellen.

A surpresa deste ano é a participação especial do Enzo, criança integrante do Sealand no nível 1.

“Liguei para a organizadora do evento, que é minha amiga e perguntei se eu podia levá-lo para fazer uma apresentação”, contou. “Ela disse que ‘sim, com certeza, é isso que a gente quer’”. Durante a conversa, Ellen revela a próxima meta a ser atingida no cheer: dar subsídios para os ginásios e treinadores inserirem a prática do esporte dentro das escolas para crianças. “Elas são o futuro do esporte”.

Giovanna Barbosa, atleta do Sealand, está empolgada para o próximo campeonato e conta que todo o time está se doando para conquistarem mais uma vitória.

“As expectativas são as melhores possíveis. Sempre tentamos dar o nosso melhor, independente se vamos ganhar ou não”. Ainda, finaliza dizendo que a meta é fazer hit zero na rotina, que, no vocabulário cheer, significa não errar nada.

Eduardo Nogueira, atleta do Sealand também revela como é a rotina de preparação para o campeonato.

“A gente tem treinado intensivamente, as expectativas estão muito altas. Estamos muito animados, tem muita gente nova, muita gente que nunca competiu”, conta. “Estamos treinando horrores para apresentarmos uma proposta linda e muito bem trabalhada”.

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