“Todo artista tem de ir aonde o povo está”

Pinturas alegram dia a dia preocupado de quem passa pelo Hospital Alberto Rassi, a partir desta quarta (31)

Postado em: 31-01-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Pinturas alegram dia a dia preocupado de quem passa pelo Hospital Alberto Rassi, a partir desta quarta (31)

GUSTAVO MOTTA*

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O cotidiano de uma praça, uma selfie que virou arte, e um casal romântico – diversas propostas conferem cor e forma às cerca de 80 telas disponíveis à exibição pública nesta quarta-feira (31)no Hospital Alberto Rassi (HGG). A exposição coletiva Poética Contemporânea faz parte do projeto Arte no HGG, e expõe peças dos artistas plásticos Brenda Lee, Carlos Catini e Pedro Galvão. A diretora de serviços multiprofissionais da unidade, Rogéria Cassiano, destaca que a iniciativa faz parte da Política interna de Humanização, e propõe a exposição das telas na área de entrada, corredores, ambulatórios, e por todo o espaço físico do hospital.

O Arte no HGG surgiu com a ideia de se promover a inclusão cultural de pacientes, acompanhantes e colaboradores, e também de usar a arte como terapia para os usuários do SUS que realizam tratamento na unidade. “A cultura precisa estar em todos os lugares – nas galerias, praças, escolas, e também nos hospitais”, destaca Brenda Lee. A pintora conta que já tinha visitado exposições no HGG e, desde então, tinha o desejo de exibir trabalhos no local. “As pessoas que vão até um hospital costumam ter muitas preocupações, então obras alegres e coloridas podem mudar o dia a dia delas”, avalia.

Romantismo

As telas de Brenda Lee carregam charme e afeto. Casais, mães e filhos, pessoas cuidadoras de animais – o compartilhamento do amor é visível em todos os seus trabalhos. “Eu gosto muito de retratar aquilo que está ao meu redor, os relacionamentos, o romantismo e a sensualidade”, destaca. Ao longo de anos na carreira artística, a criadora visual aprimorou técnicas de desenho, pintura e escultura, mas a sua preferência foi criar imagens em óleo sobre tela. Casais e pessoas anônimas em paisagens urbanas ou naturais permeiam toda a sua obra, que já apareceu com ilustração em livros, além de ter vencido duas vezes o Prêmio Sesi Arte Criatividade.

Outras obras de Brenda Lee estão inclusas em coleções particulares no Brasil, Itália, Estados Unidos e Holanda. Visualmente, a pintora não esconde as influências cubistas: “Eu tomei posse da estética do Picasso (risos) mas, ao contrário dele, eu não desconstruo as formas, não quero desmanchar as imagens – eu optei por priorizar o uso de elementos geométricos em formas mais leves”. Quanto a utilização das cores, a artista também foge dos tons neutros mais comuns à estética de Picasso. “Eu pinto tudo com muita cor, e acho que isso pode levar muita alegria àqueles que tiverem contato com as minhas peças”.

“Tem faltado muito amor e alegria em nosso meio, sendo que as pessoas têm se afastado umas das outras, e muitas acham que os conflitos podem ser resolvidos com a agressão”, lamenta. Brenda destaca que pretende lembrar as pessoas sobre o amor. “Nós artistas temos o pincel como ferramenta para retratar imagens, mas também para influenciar positivamente a sociedade – somos formadores e transformadores de pessoas”, pontua. Uma das peças mostra o amor entre um casal, com um fundo rosado e árvores coloridas. Outra, mostra uma mulher nua com uma arara em um dia de sol. “Uma pintura que eu gosto muito, representa uma mãe adotiva com uma criança – a pessoa que adota tem um coração enorme, está em sintonia com o amor e quer distribuí-lo”, avalia.

Degradação do patrimônio

Cenas urbanas, de artistas de rua como malabaristas, palhaços e músicos – essa é a proposta do trabalho desempenhado por Pedro Galvão. “Eu venho pintando uma série temática dessa natureza desde 2015”, lembra. “As peças apresentam personagens que caminham pela cidade, mostrando as suas paisagens, sua beleza, e também a degradação dos edifícios históricos e das vias públicas”. Uma das telas favoritas do pintor mostra um circense em frente à Estação de Goiânia: “No ano passado, eu passei pela região e fiquei assustado com o descaso do poder público sobre o local”.

“Eu coloco nas telas paisagens reais, com pessoas reais – esse artista em frente à Estação, por exemplo, é um venezuelano que se chama Leonardo”, conta. Segundo Pedro, o imigrante veio à Capital para fugir da situação de recessão econômica no país vizinho. Em outra tela, uma equatoriana se apresenta com malabarismo em frente ao Coreto, no Setor Central. “São pessoas que encontraram em Goiânia oportunidade de se aprimorar enquanto promotores de arte, uma vez que a cultura dos circos itinerantes tem desaparecido”, destaca.

Pedro ressalta que muitas vezes esses profissionais são marginalizados, e vítimas de preconceito, e por isso, as telas permitem às pessoas se identificar com os espaços e com os personagens: “Algumas pessoas vão olhar e dizer ‘eu já passei por essa região’ ou ‘eu já vi esse malabarista na rua’ e isso permite a aproximação entre a paisagem retratada e quem está do outro lado – contemplando a tela”. O pintor acredita que as intervenções de rua são importantes, pois é necessário o encontro com a multidão. “É como canta Milton Nascimento, ‘Todo artista tem de ir aonde o povo está’, e também é isso que fazemos ao levar um pouco do nosso trabalho para um hospital movimentado como o HGG”, pontua, declamando um verso de Pelos Bares da Vida, música do cantor carioca.

Selfie

“Eu vou expor 20 peças com a temática das redes sociais”, afirma Carlos Catini. O retrato de perfis anônimos é a proposta do criador, que selecionou fotos de seguidores no Instagram para transpor às telas. “As pessoas tiram uma foto, colocam um filtro, e postam as imagens como arte, então eu decidi pintar essas mesmas fotos”, conta. Com a técnica de acrílico sobre tela, o artista plástico destaca que tem trabalhado a estética da pop-art: “Essa é uma tendência que aborda muito do cotidiano, com cores muito fortes e vivas”. O expositor pontua que, para quem faz arte na atualidade, as referências podem vir do meio digital. “Hoje você procura pessoas, produtos e serviços, tudo isso sem sair de casa, pelo clique”, discorre.

“Faz parte do nosso cotidiano esse uso do celular e da internet e, por isso, as pessoas vão se identificar muito com as pinturas”. Carlos afirma que em alguns dos quadros, é possível visualizar os usuários das redes em posição de selfie, segurando os aparelhos. “Tudo isso se tornou muito natural”. O artista ainda conta que trabalha com artes visuais há mais de 20 anos, e participou de exposições coletivas e individuais na China, Tailândia, Polônia, Alemanha, Áustria, Chile, entre outros países. O pintor espera que as cores dos seus trabalhos levem alegria, tranquilidade e paz às pessoas que tiverem chance de observá-las.

Iniciativa

A diretora de serviços multiprofissionais do HGG, Rogéria Cassiano, destaca que o Arte no HGG apresenta ações em duas vertentes. “A primeira é a realização de exposições como essa, que costumam ficar abrigadas em nosso espaço físico por cerca de dois meses”, afirma. Essa é a décima quinta mostra recebida desde o lançamento do projeto, e conta com curadoria de Helena Vasconcelos, que chegou a participar da segunda exposição no Alberto Rassi. “Começamos convidando artistas, mas a nossa iniciativa obteve um sucesso tão grande que hoje existe uma fila de espera para que pintores exibam trabalhos em nosso espaço”, comemora.

“O hospital fica muito bem decorado, e os pacientes elogiam muito”. Rogéria Cassiano afirma que o projeto é importante por incluir ao público de arte, os usuários do SUS, acompanhantes e profissionais. “Nós temos uma proposta a todo pintor cujas obras passam por aqui – que ao fim do período de exposição, eles nos doem um quadro, que passa a compor, permanentemente, o acervo do hospital”. Além da realização de mostras, a iniciativa permite a ocorrência de atividades terapêuticas – a segunda vertente do Arte no HGG.

“A cada 15 dias, um profissional da Secretaria de Estado da Cultura (Secult) visita as nossas instalações para realizar atividades de pintura com nossos pacientes”. Rogéria afirma que os quadros internos de ansiedade, depressão e estresse foram reduzidos devido ao aspecto terapêutico da proposta. “Temos um pátio que possibilita a abertura de cavaletes para que os internados tenham um momento de criação e descontração – o que é muito importante para quebrar um pouco a nossa rotina preocupada no ambiente hospitalar”, conclui. 

SERVIÇO

Exposição ‘Poética Contemporânea’

Quando: começa nesta quarta-feira (31)

Onde: Hospital Alberto Rassi (Avenida Anhanguera, nº 6.479, Setor Oeste – Goiânia)

Entrada gratuita

*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE sob orientação da editora Flávia Popov 

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