Especialistas debatem a construção do personagem em cinema e TV

Festival apresenta diversos discursos sobre o cinema brasileiro e aborda, principalmente, os problemas socioambientais

Postado em: 12-06-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Festival apresenta diversos discursos sobre o cinema brasileiro e aborda, principalmente, os problemas socioambientais

Gabriel Araújo*


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Após anos sofrendo com a falta de investimento e a escassez de produções nacionais, o cinema brasileiro vive agora o melhor momento desde os anos do Cinema Novo, das produções que nasciam do esforço de cineastas como Glauber Rocha. Hoje, as produções brasileiras são destaques em premiações internacionais como Cannes e o Festival de Berlim. Filmes como Aquarius, longa de Kleber Mendonça Filho, e Que horas ela Volta, de Anna Muylaert, foram aclamados pela crítica internacional e chegaram a ter mais destaque lá fora do que no Brasil.

Se levarmos em consideração os dados oficiais divulgados em janeiro deste ano pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), uma evolução na quantidade de produções brasileiras em 2017 é perceptível. No ano passado, foram 158 longas-metragens lançados no Brasil contra 142 em 2016, números que equivalem ao recorde no período analisado pelo órgão, que teve início em 1995.

Atualmente, o cinema brasileiro sofre com as condições de um País em crise e em desenvolvimento, mas já consegue contornar problemas estruturais e em qualidade técnica. A produção de roteiros e formação de diretores e atores está globalizada, com diversos personagens interagindo entre si e trocando experiências e informações. Em Goiás, essa é a proposta do Festival Internacional de Cinema Ambiental (Fica) deste ano, unir profissionais de todo o mundo para debater as diversas etapas de produção de um produto cinematográfico. O cinema é colocado no centro da tela e é discutido através de óticas sociais e ambientais relativas ao Estado de Goiás.

Na produção de uma obra cinematográfica são necessários diversos profissionais e artefatos. A histórica começa a ser contada a partir de um roteiro, que define o olhar utilizado e os personagens que dela fazem parte. O trabalho de construção da história está intimamente relacionado ao personagem que, segundo George Moura, parte de um processo coletivo. “Quando eu escolho aquela história e ela me escolhe, o personagem parte de experiências minhas, do diretor e do ator. Todos temos uma parte implícita no personagem”, contou.

O roteirista George Moura é considerado, hoje, um dos principais criadores do Brasil; ele participa de produções em todo o mundo, e já foi indicado seis vezes ao Emmy Internacional, principal prêmio da TV do planeta. 

De acordo com o diretor José Luiz Villamarim, que já possui anos trabalhando com George em produções nacionais, o trabalho de direção é tanto um trabalho autoral quanto é de interpretação. “Eu costumo dizer que sou um intérprete – como Elis Regina e Maria Betânia interpretando Chico Buarque. Então eu interpreto o texto do George, a gente já se conhece muito, e essa experiência acaba ajudando muito”, completou.

O diretor e fotógrafo Walter Carvalho, que estava mediando a conversa, levantou questões sobre o processo de criação e interpretação de personagens comumente utilizado. “Eu e o George já nos conhecemos há bastante tempo, mas tenho uma dúvida que já faz tempo que gostaria de perguntar: Como você vê os personagens no início da produção do roteiro e após todo o trabalho de edição, sonorização, e corte final?”

Segundo Moura, quando a obra está completa, é possível ver dois personagens: o primeiro é o que o escritor pensa e constrói em sua mente, o segundo é a construção coletiva do escritor, diretor e ator. “Sempre é um susto, mas tem uma coisa para quem escreve o roteiro e escolhe a história: você sabe que aquilo não é uma obra em si. É obvio que a projeção mental, na hora de escrever, é uma e, na primeira vez que vemos aquele personagem em carne e osso, existe um baque desconcertante”, finalizou.


Fica

O Festival Internacional de Cinema Ambiental (Fica) foi criado, em 1999 , por Adnair França, Luís Gonzaga, Luiz Felipe Gabriel e Jaime Sautchuk. O principal objetivo era abrir os olhos da comunidade internacional para a Cidade de Goiás e torná-la Patrimônio Histórico Cultural da Humanidade. A primeira edição foi coordenada pelo cineasta João Batista de Andrade e realizada entre os dias 2 e 6 de junho.

Na época, o evento teve 154 obras inscritas, de 17 países, e foram selecionadas 37 produções sendo quatro longas-metragens, 12 médias-metragens e 21 curtas-metragens de 12 países como a Argentina, Áustria, Brasil, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Inglaterra, Moçambique, Portugal e Venezuela. Nos últimos 20 anos, o evento vem buscando cumprir objetivos socioculturais, como valorizar o cinema e discutir a questão ambiental, além de garantir a discussão cultural e refletir sobre a atual situação ambiental do planeta e fomentar a visitação à Cidade de Goiás. 

Edições anteriores chegaram a receber a inscrição de mais de 800 obras e ser orçado em mais de R$ 4 milhões. Neste ano, o Fica já é considerado o maior festival de cinema ambiental da América Latina, sendo organizado pela Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Esporte (Seduce) de Goiás.

A premiação ocorreu no último domingo (10), e o grande vencedor do festival deste ano foi o documentário Construindo Pontes, de Heloísa Passos. O filme traz a relação complexa da própria diretora com o pai, e venceu na principal categoria do festival, levando o trofel do Grande Prêmio Cora Coralina e mais R$ 100 mil reais. 

O documentário de1h12 de duração foi premiado, pois “propõe a reconciliação de uma família e talvez até de um País, por meio da coragem da realizadora em expor uma relação pessoal, deixando evidente a urgência e necessidade de abrir diálogos, saber ouvir e não fugir dos conflitos”, afirmaram os jurados em nota publicada após a premiação.

Nesta edição, o festival exibiu 101 filmes em diversas mostras, que ocorreram durante a semana, e recebeu 21 produções na Mostra Competitiva. Foram dez produções nacionais e 11 internacionais com representantes dos países Argentina, Irã, México, Uruguai, Espanha, Portugal e Itália.

De acordo com a organização, a 20ª edição do Fica é a prova de que o legado do festival se consolidou e está cada vez mais importante. Debater questões socioambientais através do cinema e de conversas é a marca do festival que, neste ano, atraiu 40 mil pessoas. “Esta edição consolidou um legado e deixou a certeza de que outros 20 Ficas virão. A sustentabilidade é a nova fronteira da humanidade, assim como o combate à fome e as guerras”, completou o secretário de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), Marcos das Neves. 

O encerramento do festival ocorreu na noite de sábado (9), com apresentação da cantora Ana Carolina, que atraiu uma multidão e marcou o fim do evento.


Cidade de Goiás

Ao longo dos seus 285 anos, a Cidade de Goiás passou de arraial à capital do Estado. Foi considerada uma das mais importantes localizações do Centro-Oeste e berço de grandes nomes de Goiás, como a doceira e poetisa Cora Coralina e o interventor federal no Estado, Pedro Ludovico. Goiás nasceu como uma simples mina de ouro, o Arraial de San’anna, e menos de dez anos depois já passou à condição de vila administrativa.

Com a criação da Capitania de Goiás, veio então o governador para a pequena localidade, e começou a construção de prédios e residências em art déco, que ainda é a principal marca da cidade. Tratando-se de mineração, Goiás viveu seu ápice em 1750, e, a partir do ano seguinte até 1770, a cidade sofreu com a queda drástica da quantidade de ouro encontrado. Nesse período, não somente a cidade, mas todo o Estado sofreu com a queda da produção de ouro, o que levou pequenos povoados até mesmo ao fim. Com o fim da mineração, a economia da cidade se voltou para a agropecuária e agricultura.

A cidade é considerada Patrimônio Histórico Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) devido à sua arquitetura peculiar. 

De acordo com o órgão, “Goiás testemunha a ocupação e a colonização das terras do Brasil Central ao longo dos séculos 18 e 19. O traçado urbano é um exemplo do desenvolvimento orgânico de uma cidade mineradora, adaptada às condições da região. Ainda que modestas, tanto a arquitetura pública quanto a arquitetura privada formam um todo harmonioso graças ao uso coerente de materiais e técnicas locais”.

Dentre os principais pontos turísticos estão o Mercado Municipal, que foi construído originalmente em 1926 e é um ponto de encontro no café da manhã. Famoso pelo delicioso bolinho de arroz, também conta com as lojas decachaças com sabores variados e artesanato local. A arquitetura é mantida, e as visitas podem ocorrer tanto durante o dia quanto a noite. O local passou por uma recente obra de requalificação do PAC Cidades Históricas.

A Casa de Cora Coralina, uma das mais importantes poetas do Estado, é outro – senão o mais atrativo – ponto turístico. No local, conhecido como Casa Velha da Ponte, funciona hoje um museu, e foi construído em meados do século 18 para uso do recolhimento do Quinto Real na região. A casa pertenceu ao pai de Cora, o desembargador Francisco Lins dos Guimarães Peixoto, e conta com as características típicas da arquitetura colonial brasileira, como paredes de pau a pique.

Existe ainda a Igreja Nossa Senhora do Rosário, que tem sua história confundida com a da própria cidade. Ela foi construída originalmente, em 1761, para que os escravos pudessem ter um local de devoção, já que eram forçados a seguir no catolicismo. A construção assim permaneceu, até 1934, quando foi demolida para dar lugar a uma construção em estilo neogótico por padres dominicanos vindos da Europa. Hoje, a construção é mantida e possui 15 painéis com mistérios do rosário da antiga ordem, além de uma pintura do Frei Nazareno Confaloni, precursor do modernismo em Goiás e fundador da Escola de Belas Artes da Universidade Católica de Goiás.

*Estagiário do jornal O HOJE. A Seduce arcou com hospedagem e alimentação na Cidade de Goiás  

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