Chega de saudade

Neste mês de julho, artistas como Castro Alves, Monteiro Lobato e Vinícius de Moraes se despediram deixando como legados vários ensinamentos e obras

Postado em: 06-07-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Neste mês de julho, artistas como Castro Alves, Monteiro Lobato e Vinícius de Moraes se despediram deixando como legados vários ensinamentos e obras

Guilherme Melo* 

Um baiano que lutava pela liberdade, um paulista que falava com jeca e ‘badeco’ e um carioca apaixonado, todo eles se despediram no mês de julho, deixaram como legado suas obras que, ainda hoje, servem de inspiração e exemplo para milhares de pessoas. Lutaram por questões sociais e levaram o nome do Brasil no universo artístico. Confira a seguir. 

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Indignação, problemas sociais e escravidão faziam parte do repertório do poeta Castro Alves. Nesta sexta-feira (6), faz 127 anos de sua morte, uma grande perda para a literatura brasileira. Conhecido como ‘o Poeta dos Escravos’, Alves fez parte da Terceira Geração Romântica, e denunciou a crueldade da escravidão. Ele lutava pela liberdade, dando ao romantismo um sentido social e revolucionário que o aproximou do realismo.

O poeta nasceu na Vila de Curralinho, hoje cidade de Castro Alves, Bahia, em de março de 1847. Filho de Antônio José Alves, médico e também professor da Faculdade de Medicina de Salvador, e de Clélia Brasília da Silva Castro. No ano de 1853, foi com sua família morar em Salvador. Estudou no Ginásio Baiano, onde era colega de Rui Barbosa. Demonstrou vocação apaixonada e precoce pela poesia. Em 1859, perdeu sua mãe. Em 24 de janeiro de 1862, perdeu seu pai. Casou-se com Maria Rosário Guimarães, e, neste mesmo ano, foi morar no Recife. A capital pernambucana efervescia com os ideais abolicionistas e republicanos, e Castro Alves recebeu influências do líder estudantil Tobias Barreto.

Em 1863, Castro Alves publicou A Primavera, seu primeiro poema contra a escravidão. Nesse ano, o poeta conheceu a atriz portuguesa Eugênia Câmara, que se apresentava no Teatro Santa Isabel, em Recife. Em 1864, ingressou na Faculdade de Direito do Recife, onde participou ativamente da vida estudantil e literária, mas voltou para a Bahia, no mesmo ano, e só retornou ao Recife em 1865, na companhia de Fagundes Varela, seu grande amigo.

Castro Alves teve um intenso caso de amor com Eugênia Câmara, dez anos mais velha que ele. Em 1867, o poeta conheceu Machado de Assis, que o ajuda a ingressar nos meios literários. Em seguida, foi para São Paulo e conclui o Curso de Direito na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco.

Alves morreu em Salvador, Bahia, no dia 6 de julho de 1871, vitimado pela tuberculose. A linguagem usada por ele para defender seus ideais liberais é grandiosa, seu estilo é eloquente, e faz uso acentuado de hipérboles e de espaços amplos como o mar, o céu, o infinito, o deserto, etc. Apesar disso, é uma linguagem essencialmente romântica. Segundo a professora de literatura Giovanna Vilela, o poeta fez a diferença no movimento abolicionista. “Castro teve como inspiração a poesia de Victor Hugo, que era inspirada em movimentos sociais; isso foi fundamental para a sociedade da época”, ressalta. 

O poeta deixou como legado suas obras, que ainda hoje servem de inspiração e exemplo para milhares de crianças, jovens e adultos lutarem por seus direitos. Este é o caso de Amanda Moura: estudante do sexto período de Direito, ela se inspirou nas obras de Castro Alves para escolher o curso. Segundo a jovem, seu primeiro contato com o artista foi por meio do poema O Navio Negreiro, e a partir dele, Amanda entendeu a importância de lutar pela igualdade racial. “Castro Alves nem era negro e lutava pelos direitos dos negros. Eu como negra tenho que ocupar meu lugar de falar e aprendi isso através dos poemas dele”, finaliza.

Um precursor da linguagem infantil

Uma boneca de pano criativa, o visconde de sabugosa inteligente e os quitutes da tia Anastácia são personagens de uma das maiores obras da literatura infantil, O Sítio do Pica Pau Amarelo: uma série de livros do autor paulista Monteiro Lobato – na última quarta-feira (4), fez 70 anos de sua morte.

Nascido em Taubaté, interior de São Paulo, Lobato foi um precursor na literatura infantil no Brasil. Foi por meio de uma linguagem infantil que ele encontrou a fórmula para preparar as crianças para corrigir, no futuro, os erros que ele via no Brasil do início do século 20.

No livro Urupês, Monteiro Lobato retrata a imagem do caipira brasileiro, em que destaca a pobreza e a ignorância do caboclo, que o tornava incapaz de auxiliar na agricultura. O Jeca Tatu é um flagrante do homem e da paisagem do interior. O personagem se tornou um símbolo nacionalista utilizado por Rui Barbosa em sua campanha presidencial de 1918. Na quarta edição do livro, Lobato pede desculpas ao homem do interior. 

Dois dias após conceder a Murilo Antunes Alves, da Rádio Record, a sua última entrevista – na qual defendeu a Campanha de O Petróleo é Nosso –, Lobato sofreu um segundo espasmo cerebral e faleceu às 4 da madrugada, no dia 4 de julho de 1948, aos 66 anos de idade. Sob forte comoção nacional, seu corpo foi velado na Biblioteca Municipal de São Paulo, e, o sepultamento, realizado no Cemitério da Consolação.

O Repórter Esso, na voz de Heron Domingues, assim anunciou sua morte, depois de um pequeno silêncio: “E agora uma notícia que entristece a todos: Acaba de falecer o grande escritor patrício Monteiro Lobato!”. O autor deixou como legado várias obras que, ainda hoje, servem de inspiração e exemplo para milhares de crianças e jovens do Brasil.

Assim como Castro Alves, Lobato foi um precursor de seu tempo, voltando seu olhar exclusivo para as crianças, como futuro de uma nação. Para Giovanna Vilela, apesar da personalidade polêmica do autor, ele teve uma grande importância na literatura brasileira. “Lobato contribuiu para o pré-modernismo, com o livro Urupês e preparou uma linguagem que dialogava com os jovens e crianças, com os livros do Sítio do Pica Pau Amarelo. 

No ensino médio, muitos clássicos da literatura são a porta de entrada para os jovens neste vasto universo, porém isso pode causar um repúdios dos livros. A estudante do ensino médio Camila Oliveira passou por esse problema. O que conseguiu voltar a jovem para o universo literário foi um livro de Lobato presenteado por sua madrinha. “Ganhei o primeiro volume do Sítio do Pica Pau Amarelo, com uma linguagem mais suave, fui ganhando gosto pela a literatura”, revela a jovem. 

Um eterno amante 

Poeta, compositor e um apaixonado, Vinicius de Moraes foi também diplomata e dramaturgo. Na próxima segunda-feira (9), faz 28 anos de saudade do artista.

Ele nasceu no Rio de Janeiro no dia 19 de outubro de 1913. Filho do funcionário público e poeta Clodoaldo Pereira da Silva e da pianista Lídia Cruz, desde cedo já mostrava interesse por poesia. Ingressou no colégio jesuíta Santo Inácio, onde fez os estudos secundários. Entrou para o coral da igreja, onde desenvolveu suas habilidades musicais. Em 1929, iniciou o curso de Direito da Faculdade Nacional do Rio de Janeiro.

Com um futuro promissor, Vinicius publicou O Caminho Para a Distância, em 1938, ano de sua formatura. Durante sua vida, dedicou-se à poesia e à música popular brasileira. Fez parcerias musicais com Toquinho, Tom Jobim, Baden Powell, João Gilberto, Francis Hime, Carlos Lyra e Chico Buarque. Dentre suas músicas destacam-se: Garota de Ipanema, Gente Humilde, Aquarela, A Casa, Arrastão, A Rosa de Hiroshima, Berimbau, A Tonga da Mironga do Kaburetê, Canto de Ossanha, Insensatez, Eu Sei Que Vou Te Amar e Chega de Saudade.

Conhecido pela sua vasta vida amorosa, Vinicius casou-se nove vezes e teve cinco filhos. Suas esposas foram Beatriz Azevedo, Regina Pederneira, Lila Bôscoli, Maria Lúcia Proença, Nellita de Abreu, Cristina Gurjão, Gesse Gessy, Marta Rodrigues e a última, Gilda Matoso.

Vinícius também se dedicou a grandes temas sociais do seu tempo, destacando-os em obras como A Rosa de Hiroshima. A parábola O Operário em Construção alinha-se entre os maiores poemas de denúncia da literatura nacional: Pensem na Crianças, Mudas Telepáticas, Pensem nas Mulheres, Rotas Alteradas, Pensem nas Feridas e Como Rosas Cálidas. Ele faleceu no Rio de Janeiro, no dia 9 de julho de 1980, devido a problemas decorrentes de uma isquemia cerebral.

Segundo Giovanna Vilela, tanto pelas poesias como pelas composições, o artista foi também um precursor que trabalhava com diversos sentimentos de seu público. “O Vinicius fazia uma arte que encanta, diverte e sobretudo comove”, explica. A música Garota de Ipanema, que é conhecida mundialmente, é a música tema do casal Letícia Machado e Yago Teles. “Os poemas do Vinicius foram o primeiro assunto sobre o qual conversei com Yago. Depois de anos de namoro, ele me pediu em casamento cantando Garota de Ipanema; é nossa música”, lembra a arquiteta Letícia. 

*Integrante do programa de estágio 

do jornal O HOJE  

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